Jorge Bento Farinha explica como a religião influencia a gestão das empresas
Professor da Universidade do Porto publicou um trabalho com dois investigadores espanhóis sobre o impacto da cultura e da religião nos negócios. Em vários países no mundo. Em Portugal, foram 11 as empresas estudadas, incluindo a Sonae e o BES.
“Protestantes têm mais livre arbítrio edefendem quecadaum éresponsável pelassuas ações”
Jorge Bento Farinha já tinha estudado como as empresas arriscam (no bom sentido da expressão) em função do tipo de acionistas que têm – se são indivíduos ou instituições. O resultado foi que os institucionais tendem a arriscar mais. Juntamente com dois professores universitários espanhóis, Bento Farinha alargou agora o estudo à cultura e à religião. Ou seja, quiseram saber se um empresário arrisca mais ou menos em função da religião e da cultura do país onde está. A resposta é sim.
O estudo analisou milhares de empresas e colocou-as em dois parâmetros: a religião e a cultura dos países. A primeira é fácil de averiguar. A segunda assenta em cinco indicadores do psicólogo social holandês Geert Hofstede: a distância ao poder (o quanto a sociedade aceita que o poder seja distribuído de forma desigual), o individualismo, a masculinidade (assertividade, materialismo, poder, egocentrismo, força), a aversão à incerteza (quão confortável e tolerável está uma sociedade perante situações estranhas, incertas ou ambiguidades que possam aparecer) e a orientação para o longo prazo.
Porque é que o estudo do impacto da religião e da cultura na economia é algo tão recente?
Os economistas clássicos sempre dominaram, assumindo que o mundo é uma espécie de máquina e que os agentes que nele intervêm agem de maneira racional e mecânica. O que tem havido é um incremento de interesse em áreas mais comportamentais e uma maior interdisciplinaridade. O que se tem demonstrado é que a maneira como os agentes se comportam não é o que se pensava há 100 anos. As pessoas têm enviesamentos, são influenciadas por questões culturais e religiosas.
Há uma abordagem diferente ao lucro, à riqueza e ao dinheiro entre católicos e protestantes.
Sim, sim, claro. No catolicismo há uma importância maior dada à sociedade e a valores que não passam tanto pelo indivíduo. Coisas como caridade, programas governamentais de apoio aos necessitados. Os protestantes valorizam muito mais a questão do sucesso económico, defendem que os indivíduos são responsáveis pelas suas próprias ações. São muito mais suscetíveis de assumir riscos. Os católicos não veem muito bem questões como a competição entre pessoas – os protestantes já veem isso como positivo.
Os protestantes rejeitam a intermediação da Igreja, por exemplo na leitura na Bíblia, que defendem que deve ser individual. E os pecados capitais, como a gula e a avareza, não existem no lado protestante. Tem a ver com esse lado paternalista?
Sim, há uma diferença muito grande entre católicos e protestantes, muito mais do que entre católicos e ortodoxos, que são bastante parecidos. Os católicos veem-se mais próximos de uma hierarquia, onde uma entidade preconiza os comportamentos das pessoas. Os protestantes têm muito mais livre arbítrio. Para os católicos, a Bíblia tem uma interpretação que vem diretamente de quem está ligado à Igreja, já Lutero falava no livre exame. Isso é muito relevante para explicar porque é que as pessoas, sem se aperceberem, têm tendência para certo tipo de decisões. É muito vulgar nos EUA o argumento de que se os pobres são pobres a culpa é deles. O sucesso económico depende do nosso esforço e quem se esforça não tem nada que apoiar os pobres.
Pode dizer-se que o Corão torna os empresários islâmicos mais
conservadores, menos propensos a arriscar?
Sim, tal como acontece com os católicos. São iguais. Há uma questão interessante, que tem sido provada em alguns estudos: a religiosidade tende a estar associada à redução de riscos, qualquer que seja a religião. Ser religioso significa garantir uma certa segurança porque quando não estiver neste mundo sabe que vai ter algum conforto. Quem é agnóstico está a assumir esse risco. O que fizemos aqui foi uma comparação entre o nível de assunção de riscos entre as várias religiões. Aí detetámos diferenças substanciais.
Sendo de realçar que quando falamos em menor assunção de riscos não estamos a falar de menor competência ou sucesso.
Não, não. Risco é uma decisão quase estratégica. O que não queremos é excesso de risco que não é devidamente recompensado. Há várias maneiras de reduzir a incerteza. Por exemplo, a corrupção. Se alguém não gosta de estar num ambiente competitivo por causa da incerteza que isso traz, tenta influenciar quem decide, por exemplo na compra de bens públicos. Portanto, no limite, o desejo de redução de risco pode levar até à corrupção. Tudo somado, ter desejo de assumir riscos é positivo para o dinamismo económico, para a renovação dos setores, para o aparecimento de novos produtos.
Podemos assumir que um empresário em Portugal se comporta de maneira diferente se for por exemplo para os EUA, Inglaterra, ou Alemanha? Vai adaptar o seu comportamento empresarial?
Sim, vai, mas não deixará de sofrer alguma influência do seu background cultural e religioso. Mas será muito mais influenciado pela cultura local.
Parece haver um choque entre alguns indicadores. Por exemplo, há propensão para arriscar em países que estão mais distantes do poder, mas também é neles que está o catolicismo e o islamismo.
Depende dos países. A Áustria, por
exemplo, um país católico, tem um valor muito baixo de distância ao poder. Numa escala de 0 a 100, tem 11. Portugal tem 63. Mesmo quando a religião é a mesma, a cultura local pode implicar diferenças de entendimento. Em Portugal as pessoas são muito mais hierarquizadas, são muito mais suscetíveis de obedecer ao poder de alguém, na Áustria não é bem assim. Religião e cultura têm as suas diferenças.
De que forma a fraca religiosidade dos chineses é uma vantagem?
Os chineses têm um comportamento empresarial sui generis. Na nossa análise não incluímos a China por falta de dados. Os chineses têm algumas religiões, mas têm também uma economia muito dirigida superiormente, o que leva a uma orientação para o longo prazo, e isso significa certas atitudes em relação ao risco. Lembro-me por exemplo de que quando os chineses entraram no capital da EDP pagaram um preço bastante mais alto que as pessoas imaginariam. Olham muito ao longo prazo, têm uma visão diferente dos empresários normais, olham para o que a empresa possa trazer de inovação tecnológica nas próximas décadas. O que se passa na China é muito mais ditado por questões mais culturais do que religiosas.
Foram 11 empresas portuguesas incluídas no estudo. Pode extrair-se algum tipo de conclusões?
Não é fácil porque é uma amostra muito reduzida. Portugal é dos que pontuam mais em fatores como a aversão à incerteza (99 em 100) – a Grécia também tem valores muito grandes. Esses fatores levam as empresas a assumirem poucos riscos, e isso pode ser contraproducente na capacidade de as empresas se renovarem a longo prazo. Tendemos a fazer as coisas como sempre fizemos, não queremos arriscar muito noutras tecnologias, áreas de negócios, países. É por isso que temos um leque pequeno de multinacionais. Temos a Sonae, o Grupo RAR, a Jerónimo Martins, não temos muito mais do que isso. Evitamos muito a incerteza, a nossa orientação para o longo prazo é muito pequena, mas também é muito pequeno o individualismo e o peso dos valores masculinos. Esses traços sociais associados ao catolicismo sugerem que as empresas portuguesas assumem poucos riscos. Onde somos grandes é na distância ao poder. …sim, é uma dimensão que mede a aceitação da hierarquia de poder e das diferenças associadas a essa hierarquia. As pessoas que estão nesse tipo de culturas preferem autoridades mais fortes, hierarquias mais rígidas, para manter a ordem social e a distribuição de poder. Isso associa-se a um poder bastante concentrado. Noutros países as orientações são muito mais descentralizadas, há mais contraditório, em Portugal há pouco, veem-se mal opiniões críticas, independentes. Há aqui matérias interessantes para explicar o nosso país na área económica.
Falou da Sonae. Podemos olhar para a Sonae e para o BES, por exemplo. São ambas empresas familiares a operarem num País católico, mas uma parece estar ótima e a outra foi abaixo. O que podemos depreender daqui?
Não podemos fazer generalizações. O que é verdade para os grandes números pode ser diferente para casos concretos. Mas acredito que numa Sonae há provavelmente muito menor distância do poder, há muito mais contraditório e que desde muito cedo teve práticas de governo societário com integração de elementos independentes, com auscultação de opiniões diferentes. Talvez isso não acontecesse tanto no grupo BES. Acho que há aí algumas diferenças a nível de governance [processos de governação]. E a própria visão internacional dos negócios, o grupo Sonae sempre foi muito aberto ao exterior, as pessoas sempre tiveram formação no exterior, acabaram por absorver alguns valores que não são tipicamente portugueses.
Diria que sim, vejo a Sonae como uma empresa muito anglo-saxónica. Já não poderia dizer o mesmo para o grupo BES. Acho que ajuda a explicar algumas coisas. Dificilmente também conseguimos evitar tocar em aspetos culturais quando vemos muito esta característica dos portugueses de empresas muito pequenas. Em parte porque os empresários, quando têm um negócio que vai dando, não querem arriscar muito mais, o que prejudica depois a criação de empresas maiores, com outro tipo de ambições.
Essa elevada distância ao poder significa que as pessoas acham que quem está mais abaixo na ordem social estabelecida… Valores protestantes quase.