As melhores histórias das festas da alta sociedade
Fecharam hotéis, quintas e palácios. Alugaram barcos e cisnes ao Zoo de Lisboa. E até mandaram pintar cavalos de zebras, fazer lagos artificiais e colocar um chão de mármore – que foi arrancado no dia seguinte. Houve modelos em fato de banho, simulações de raptos, champanhe servido por bailarinas penduradas em candeeiros gigantes e concertos dos Gipsy Kings, de Lionel Richie e Roberto Carlos.
Opasseio pelo Alqueva ainda ia a meio quando o barco que João Bravo tinha alugado para celebrar os seus 60 anos foi intercetado por uma lancha com seis baywatchers de vuvuzelas, pranchas de salvamento e megafone na mão. Foi assim, em frente aos 200 convidados que seguiam na embarcação de dois andares, que se anunciou o rapto do aniversariante. “Levaram-me preso e tudo”, conta o próprio, divertido, enquanto mostra uma fotografia com as mãos algemadas atrás das costas, calções de banho e T-shirt vestidos (o traje de praia foi apenas um dos três que usou durante os festejos). A encenação das “Bravo’s Watchers” – o nome que as modelos tinham estampado nos fatos de banho preparados de propósito para o evento – fez parte de uma festa que durou três dias e envolveu muitos
outros figurantes, DJs, coreografias ensaiadas com dançarinos profissionais, concursos de miss e mister T-shirt molhada, dezenas de animais embalsamados, uma paella gigante e, no fim, algumas desistências. A ideia foi do próprio João Bravo, para celebrar os seus 60 anos, e não terá havido muitas festas como esta nos últimos tempos.
Os convidados começaram a chegar à Herdade Vale do Manantio, em Moura, na sexta-feira, 11 de setembro de 2015, para a primeira parte da festa – a noite das sevilhanas. Já estavam todos no relvado a perguntar onde andava o Bico (o petit nom de João Bravo entre os amigos) quando o dono da empresa de helicópteros Helibravo apareceu vestido de toureiro numa charrete puxada por dois cavalos, ao som do “eu sou torero”, da ópera Carmen. “Quando viram a charrete entrar por ali foi a loucura. Ninguém sabia”, conta João Bravo à SÁBADO. “Veio um grupo de Sevilha de propósito para o evento, o catering teve uma paella para 200 pessoas e estava tudo vestido a rigor. Na primeira noite deitámo-nos às 7h da manhã, já era de dia”, conta Teresa Campos Henriques, que organizou a festa com o marido João Pedro Henriques.
No dia seguinte, as celebrações continuaram dentro do barco, no meio do Alqueva e, à noite, com uma festa temática inspirada em África. Foi precisamente para o Out ofAfrica (ou África Minha, em português) que João Bravo andou cinco dias a preparar uma coreografia especial com dançarinos profissionais – a mesma que dançou na festa, em frente aos amigos. “Montámos uma tenda, pusemos fardos de palha, tapetes, cadeiras de realizador, toalhas de leopardos, só não levámos a bicharada [embalsamada] porque ele já a tinha lá. O Bico tem milhares de troféus de caça pendurados lá em casa, tudo o que conseguimos trazer cá para fora trouxemos: à entrada do Out ofAfrica havia duas impa
JOÃO BRAVO APARECEU VESTIDO DE TOUREIRO NUMA CHARRETE PUXADA POR DOIS CAVALOS
las e na noite das sevilhanas até uma cabeça de toiro pendurámos a fazer de fundo à pista de dança. Eram os figurantes que iam buscar as pessoas para dançar”, conta Teresa Campos Henriques – na noite africana, o Hakuna Matata, banda sonora de O Rei Leão, foi uma das músicas que animou a festa.
Já o brunch de domingo, à beira da piscina, foi menos concorrido. “A maioria dos amigos da minha idade telefonou-me a dizer: ‘Já não aguento mais, vou-me embora’”, conta João Bravo. Era o último dia e só os mais novos tinham energia para o que ainda faltava de uma festa que começara a ser preparada com seis meses de antecedência. Não era a primeira do empresário, mas até aí nenhuma tinha durado três dias. “Um dia é pouco. Organizar uma festa grande implica uma logística enorme, e depois é uma frustração porque aquilo é fantástico e acaba logo.”
O cavalo pintado de zebra
Quando fez 50 anos, João Bravo já tinha o cabelo grisalho, mas isso não o impediu de se mascarar de John Travolta com uma farta cabeleira preta (pintada) e poupa. Entrou na festa em cima de um cavalo às riscas pretas e brancas, acompanhado de seis modelos vestidas de coelhinhas – três de cada lado – e de muitos assobios dos amigos. Tinha passado quatro dias a aprender duas coreografias do filme Febre de
Sábado à Noite, e vários outros a pensar como devia chegar ao evento. “Queria entrar com um elefante, mas era complicado… Podia ter alugado um a um circo, mas de facto também não tinha muito a ver com a minha vida e, como sempre fui um apaixonado por cavalos, comecei a pensar como é que ia integrar isso na festa. Por isso decidi pintar o meu cavalo branco de zebra.” A ideia da festa era representar os anos 80, a época em que foi adolescente, “quando o Travolta revolucionou tudo”, fazer uma alusão “às mulheres bonitas, daí as bunnies, para animar a festa”. No ano seguinte juntou-se a um amigo e organizaram uma festa de verão com o tema estrelas de cinema. Foi tudo levado tão a sério que houve duas Cleópatras incomodadas com a repetição de traje. “Uma delas disse-me: ‘Podias-me ter avisado que ela também vinha vestida de Cleópatra.’ Mas eu sabia lá!” Cinco anos antes de João Bravo ter convidado mais de 200 pessoas para celebrar os seus 50 anos, o Algarve assistiu àquela que viria a ser apelidada da festa do século. A maior que se fez depois da Revolução do 25 de Abril e a mais importante depois dos famosos bailes Schlumberger e Patiño, em 1968.
“Festa das 1001 noites”
No dia 29 de julho de 2000, a Quinta de Mata Mouros, em Silves, recebeu 744 pessoas para celebrar os 25 anos de casamento de Vasco e Isabel Pereira Coutinho. “Houve convidados a chegar de barco [a quinta tem uma marina privada], três palcos e tochas a indicar o caminho. Foi uma verdadeira festa das 1001 noites”, lembra um dos convidados. Dez dias antes do evento, uma equipa especial percorreu a quinta de trator, para desinfestar o terreno e impedir que os mosquitos perturbassem os convidados
JOÃO BRAVO CHEGOU A PENSAR EM ALUGAR UM ELEFANTE NUM CIRCO. MAS USOU UM CAVALO
“HÁ FESTAS QUE CUSTARAM O MESMO QUE UM APARTAMENTO. GASTAR €25 MIL EM FLORES ERA NORMAL”
– todos tinham recebido convites escritos à mão, com tinta permanente. Apesar de toda a imprensa ter sido impedida de entrar na festa e de nunca terem sido divulgadas fotografias, o jornal O Independente fez manchete com o evento. Nos portões, “a GNR local dirigia o trânsito”, escreveu. “Quando um carro entrava, à sua direita estavam parados quatro cavaleiros, de lança, e à sua esquerda outros quatro. Vestidos com trajes cedidos pela Casa Real de Marrocos, imponentes, seguiam a passo dois a dois, à frente dos convivas mais ilustres, acompanhandoos por uma alameda onde ardiam archotes na berma ao longo do nesperal e até ao local de estacionamento” – gerido por uma das muitas empresas contratadas pelo arquiteto Pimenta da Gama, o famoso 29, que organizou a festa.
Nos jardins da propriedade, um quarteto de violoncelistas e violinistas tocava música de câmara e um outro músico fazia soar uma harpa junto à piscina. Entre os convidados da festa – decorada em tons de verde e encarnado –, estava grande parte da elite nacional: Aníbal Cavaco Silva e a mulher, Mário Soares, Jardim Gonçalves, Ricardo Salgado, Américo Amorim, D. Duarte e D. Isabel, Francisco Pinto Balsemão, Pais do Amaral, José Miguel Júdice, Proença de Carvalho e Durão Barroso, que um dos presentes se recorda de ter visto “animado”. Vasco e Isabel Pereira Coutinho, que escolhera um vestido Valentino, receberam pessoalmente todos os convidados. Nos bastidores, além do evento principal, preparava-se outro, mais discreto. “Tivemos de fazer um segundo jantar para os 150 motoristas e empregados da quinta", recorda à
SÁBADO Salomé Alcântara, proprietária da Casa da Comida, que tratou do catering. “Foi a minha primeira grande festa na Casa da Comida. Tínhamos cerca de 200 pessoas no local. Foi preciso montar duas cozinhas e lembro-me de que quando chegámos lá havia caixas dos músicos espalhadas por todo o espaço onde íamos trabalhar” – só Lionel Richie, que voou de Edimburgo para Faro para atuar na festa, tinha enviado 17 toneladas de material, revelou O Independente.
A refeição foi servida numa enorme tenda desenhada pelo arquiteto Pimenta da Gama e decorada ao estilo marroquino, com uma cúpula árabe feita em esferovite no topo, que pesava 320 quilos. Lá dentro, os empregados saíam coordenados em duas filas, pela lateral, para garantir que todos os convidados eram servidos ao mesmo tempo. A ementa incluiu “um tagliolini com pedaços muito generosos de lavagante a que chamámos lavagante Mata Mouros”, lembra Salomé Alcântara. Para os mais resistentes, houve ceia e pequeno-almoço, incluindo bolas de Berlim acabadas de sair do forno. A festa custou centenas de milhares de euros – ninguém sabe ao certo quantos. “Há festas que custaram o mesmo que um apartamento”, diz um dos organizadores à SÁBADO. “Antigamente trabalhava-se muito sem orçamento, havia casos em que se gastavam 500 euros por pessoa. Gastar 25 mil euros em flores, por exemplo, era uma coisa normal. Hoje isso é mais raro, há muito mais concorrência e os orçamentos são discutidos ao pormenor.” Enquanto sete especialistas de Viana do Castelo proporcionavam
meia hora de fogo de artifício, os empregados, de chapéus marroquinos, luvas e jaquetas brancas com dragonas douradas (fardas feitas à medida para o evento), serviam flûtes de champanhe Moët & Chandon.
Lionel Richie e Gipsy Kings
Depois do jantar, uma orquestra portuguesa abriu a pista com uma série de valsas. Seguiram-se os momentos que tornariam a noite ainda mais falada: as atuações de Lionel Richie, que tocou durante 1h30, e dos Gipsy Kings. Às 4h da manhã, para garantir que os convidados continuavam animados, atuaram os brasileiros (e mais excêntricos) Quasimodo, com vários elementos vestidos de palhaços. Mais ou menos à mesma hora, servia-se a ceia – consomê de hortelã, costeletinhas, empadas e minipregos. Enquanto durou a festa, a equipa de seguranças da Prossegur também não dormiu – alguns dos seus elementos, vestidos de smoking, misturavam-se entre os convidados. E assim continuaram pelo menos até às 7h da manhã, hora a que ainda se dançava em Mata Mouros. A festa foi um sucesso, recorda Ana Leite de Castro, então sócia do arquiteto 29 na Faz Festa. “Não havia vento nenhum. As lamparinas foram acesas às 20 da noite e às 8h da manhã do dia seguinte, quando saímos, ainda estavam acesas.” Cristina Pimenta da Gama, filha do mesmo arquiteto, não tem grandes memórias dessa festa – “o meu filho mais novo nasceu a 24 de julho de 2000”, cinco dias antes do evento – mas lembra-se de muitas outras organizadas pelo pai. “O meu pai fez o conceito de tudo. Começou a fazer toldos porque havia muita gente com quintas que não tinha um espaço coberto grande, como os hotéis. Fez as primeiras tendas transparentes e criou o conceito de almoço. Antigamente as pessoas casavam com um cocktail, foi com os almoços que o meu pai começou a sentar os convidados. Também era muitas vezes chamado para fazer as corbeille. Sabe o que era a corbeille? Era a exposição das prendas. Era tradição mostrar aos convidados o que os noivos recebiam, e como eram muitos presentes não se podia mostrar de uma maneira qualquer, tinha que haver um decorador que fosse para lá, expor as pratas, os serviços. Nos anos 80 ainda se faziam corbeilles.”
O regresso dos milionários
E foi precisamente nos anos 80 que Maria Amélia de Mello juntou a elite acabada de regressar dos exílios na sua casa do Estoril. “Foi uma espécie de welcome party para as famílias que tinham voltado para Portugal”, conta Joana Mayer, responsável pelo catering dos cerca de 300 convidados da festa organizada pela neta do industrial Alfredo da Silva, fundador da CUF. “Todos os arranjos das flores dos buffets vinham do teto e acabavam em cascata sobre as mesas da fruta e dos queijos. Nunca se tinha visto nada assim em Portugal. Mandou-se vir salmão selvagem de fora, cá não havia, queijos franceses do melhor que há. Havia uma mesa com 30 aquários, cada um da sua cor, com fruta lá dentro. O arranjo da fruta também começava no teto, como se fosse um cacho que acabava em cima da mesa. Serviram-se perdizes com foie gras – antigamente as perdizes eram fabulosas, hoje tenho de andar a olhar para as unhas para ver se estão estragadas de esgravatar a terra, porque as perdizes de aviário vêm de manicure feita. Havia uma mesa de doce de ovos toda metida em guardanapos de bordado inglês com goma, aos folhos.”
À boa maneira portuguesa, a festa – em tons de verde esmeralda e azul turquesa – acabou perto das 6h da manhã. E marcou o início de uma nova época, defende Joana Mayer. “Com a abertura de Portugal à Comunidade Europeia notei uma enorme diferença, tanto na quantidade de convidados como no tipo de festas, geralmente temáticas e mais elaboradas, passou a haver um mundo de negócios e dinheiro novo em Portugal.”
Foi a época das grandes festas nacionais. Da segunda visita de Isabel II
MANDOU-SE VIR SALMÃO SELVAGEM E HAVIA UMA MESA COM 30 AQUÁRIOS, COM FRUTA LÁ DENTRO
UMA EQUIPA ANDOU A DESINFESTAR A QUINTA, PARA QUE OS MOSQUITOS NÃO INCOMODASSEM OS CONVIDADOS
a Portugal e da primeira de Ronald Reagan, em 1985, da Expo 98 e de muito mais. “Quando veio cá a Isabel II andámos dias e dias a fazer montagens”, lembra Cristina Pimenta da Gama. “Ela ia almoçar à Universidade de Évora, que tem um refeitório enorme e lindíssimo, mas entretanto as entidades oficiais começaram a perguntar: ‘Então e se sua majestade precisar de ir à casa de banho, onde é que vai?’ Quando entrámos na casa de banho… não tem ideia, aquilo era um horror, as paredes todas escritas. Nessa altura não havia casas de banho móveis, tinham que se fazer de raiz, com esgoto, canalizadores, tudo, mas já não tínhamos tempo.” Só havia uma hipótese, lembra a filha do 29: fazer uma estrutura com ripas e revestir tudo a pano. “Fomos comprar um damasco bonzinho, agrafámos o tecido e mudámos as retretes, que eram horríveis, aproveitando o esgoto. Depois pusemos uns móveis antigos e fui às revistas arranjar umas fotografias dos netos pequeninos, o William, o Harry.” Foi nessa mesma visita de Isabel II a Portugal que a mãe de Joana Mayer recebeu um pedido especial do protocolo: a Rainha queria a receita do bolo de chocolate que tinha sido servido num jantar. “Ainda tenho a carta do Protocolo do Palácio de Buckingham a agradecer.” Diz o seguinte, lê à SÁBADO: “Sua majestade está muito agradecida por ter recebido a receita do bolo de chocolate de que tanto gostou. Vai entregála ao chefe de pastelaria do Palácio de Buckingham e espera que ele consiga reproduzi-la.” Na época, “o bolo era aquilo a que hoje se chama
petit gâteau. Ainda hoje lhe chamo bolo da Rainha”.
O baile preto e branco
Ainda nos anos 80, houve pelo menos mais uma festa memorável, privada e igualmente discreta – não saiu em nenhuma revista e o único fotógrafo presente era inglês, para tornar ainda mais difícil qualquer fuga de informação: apenas os organizadores tiveram acesso às imagens. Em setembro de 1988, o alemão George Scheder, então sócio de António Figueiredo na ETE – Empresa de Tráfego e Estiva, a maior empresa deste setor em Portugal, juntou cerca de 350 pessoas para celebrar um aniversário da mulher, Daphne, na moradia de Cascais onde então viviam. Mais de 30 anos depois, a SÁBADO entrevistou o casal, agora a viver na Suíça, durante uma visita a Portugal. “Foi uma festa-surpresa”, lembra George. Para esconder os preparativos, “no fim de semana anterior fomos para os Açores”, acrescenta Daphne, que acabaria por perceber que alguma coisa se passava quando regressou a casa e viu uma pista de dança a ser montada, toda em mármore preto e branco.
Foram aliás essas as únicas cores da festa. “Lembra-se da My Fair Lady? Foi essa a inspiração”, admite George, que mandou fazer o vestido da mulher em Paris. “A alcatifa era branca, o forro da tenda era todo aos losangos pretos e brancos, as senhoras tinham um leque de plumas preto, que mandei vir de Paris, e até o serviço foi mandado fazer, lembro-me de que os copos tinham todos o pé preto”, conta Teresa Campos Henriques. A pista de dança foi uma das últimas coisas a ficar decidida. “Não sabíamos o que fazer, até que um dia, às 4h da manhã, o João Pedro acordou-me - dormia sempre com um bloco e uma caneta na mesa de cabeceira, para anotar as ideias – e disse: já sei o que vou pôr na pista de dança da Scheder: mármore preto e branco, igual ao teto.”
No dia do evento, que dois dos convidados comparam ao baile Patiño, os homens estavam todos de
smoking e as mulheres de vestido comprido. Quem chegou com segurança, teve de os deixar à porta – só os contratados por George Scheder (e foram muitos) puderam entrar na casa. Não houve exceções, nem mesmo para convidados como o Xeque da Arábia Saudita ou o embaixador israelita. “Sentei-os na mesma mesa e entenderam-se perfeitamente”, lembra o empresário, que viveu 50 anos em Portugal.
O aperitivo foi servido nos jardins, ao pé da piscina, que ganhou um bar em forma de coreto – também ele com uma cúpula às riscas pretas e brancas – e quatro passadeiras para chegar até ele. Dentro da piscina passeavam-se cisnes pretos e brancos alugados ao Jardim Zoológico – chegaram com o tratador, que ficou na festa. “Não havia gente importante de Portugal que não estivesse lá”, lembra um dos convidados. “E havia um ambiente de jet set internacional”, proporcionado pelos muitos estrangeiros presentes, que no dia anterior tinham sido convidados para um jantar em Seteais, em Sintra. E pelo menu, que incluiu gravlax de salmão (salmão curado em sal e açúcar e aromatizado em ervas), um prato pouco comum em Portugal. Quase todos respeitaram o traje preto e branco: “Lembro-me que o Manuel Boullosa chegou com uma capa elegantíssima”, conta Daphne. “E só uma pessoa apareceu com um xaile azul”, acrescenta divertida. Apesar de não ter sido anunciada, a festa espalhou-se por Cascais e Lisboa. “Havia imensa gente que queria ir. A quantidade de pessoas que ligava a perguntar: ai é fato comprido ou curto, sem ter sido convidada…”, conta Teresa Campos Henriques. “Tenho três irmãs e todas queriam ir à festa. Fardei-as a todas com vestidos pretos e brancos, às riscas, feitos pela costureira da minha mãe, e foram trabalhar. E os maridos foram fazer de arrumadores de automóveis.” A animação foi assegurada por uma orquestra de Paris e por dançarinas que chegaram do Brasil. Só teve um defeito, defende um dos convidados que falou com a SÁBADO. “Uma festa daquelas é para acabar de manhã.” Não aconteceu, admite Daphne, que se lembra de ter durado até às 4h. No fim, o serviço foi distribuído pelos convidados – Daphne e George ficaram apenas com alguns exemplares. Já o chão de mármore foi arrancado no dia seguinte, com uma picareta. Quantos anos celebrava a britânica Scheder? “We don’t discuss that. Forever young”, brinca Daphne.
A festa da filha de Salgado
Foi um dos maiores casamentos que se fez no País. No dia 18 de setembro de 2010, Pedro Queiroz Pereira casou a filha mais nova, Lua, com o cavaleiro Luís Sabino Gonçalves em frente a mais de 700 convidados. A festa estava a ser preparada há quase um ano e o empresário e a mulher, Rita, tinham tratado pessoalmente de todos os pormenores do evento que encheu a Herdade dos
NA FESTA DE SCHEDER NINGUÉM PÔDE LEVAR SEGURANÇA: NEM O XEQUE DA ARÁBIA SAUDITA OU O EMBAIXADOR ISRAELITA
Fidalgos, propriedade da família, em Coruche. Depois de uma missa campal, e sem que ninguém estivesse à espera, os noivos atravessaram a lagoa da herdade num pequeno barco alugado de propósito para o evento, com a inscrição Luamar – o mesmo nome que Queiroz Pereira tinha dado ao iate onde morreu no ano passado. “Apareceram de barco ao som do Waka Waka [música de Shakira], porque a Lua gostava muito dessa música”, conta um dos convidados à SÁBADO. “E o jantar foi numa tenda enorme, montada à volta da lagoa, com os cavalos e os cães à solta pelo terreno” – foi até o cão do casal que levou as alianças. Entre os convidados estavam o agora Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e vários banqueiros. Todos tiveram direito a pequenos luxos: havia engraxadores para limpar os sapatos do pó da herdade, maquilhadores e serviço de cabeleireiro nas casas de banho. “O Pedro ajudou a tratar de tudo, sobretudo na gestão do espaço, tinha muita experiência por causa das festas que organizava no barco”, diz um amigo. Foi precisamente por isso que, à medida que os convidados iam saindo, a tenda ficava mais curta, para que a quinta não parecesse demasiado vazia. Pedro Queiroz Pereira sempre gostou sobretudo de whisky, mas todas as suas festas tinham champanhe, geralmente a marca preferida da mulher – Ruinart. A animação, com um disc jockey escolhido pelo casal, durou quase até de manhã.
O casamento da filha de Ricardo Salgado, Catarina, foi um dos poucos a rivalizar com o de Lua Queiroz Pereira. Senão em pequenos luxos, pelo menos no número de convidados. “Também foram mais de 700 pessoas, em Seteais, mas o casamento a sério aconteceu na Suíça, onde o casal vive”, conta um dos convidados, que se lembra de ter visto vários ilustres nas mesas da tenda montada nos jardins do Palácio – Zeinal Bava, Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso, Vasco Pereira Coutinho, Filipe de Botton, José Maria Ricciardi, e até Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica. Ao contrário de Pedro Queiroz Pereira, que fazia questão de tratar de tudo com a equipa que organizou a festa – no caso de Lua com Vanda Mascarenhas de Lemos, dona do Tudo é Festa, que não aceitou falar com a SÁBADO, Ricardo Salgado fazia-se representar por uma secretária. “O Américo Amorim também nunca aparecia”, diz uma pessoa que conheceu bem o empresário, “era tudo endereçado ao Sr. Correia”. Depois, “enviava cartas registadas a exigir que os organizadores das festas chegassem ao evento dois ou três dias antes”. Já Belmiro de Azevedo tinha outra especificidade, lembra Florbela do Bem, administradora da Casa do Marquês: “Não gostava de nada quadrado, pratos, marcadores… Tinha que ser tudo redondo.” No segundo casamento de Paula Amorim, a filha mais velha de Américo Amorim, a festa foi na casa da empresária, na Av. da Boavista, no Porto. “Era como se estivéssemos num jardim de Nova Iorque mas sem frio”, diz um dos presentes. “As árvores de oito e nove metros de altura estavam todas dentro de uma tenda transparente montada no jardim e era tudo al
CHEGARAM DE BARCO, AO SOM DO WAKA WAKA ,DE SHAKIRA, A MÚSICA PREFERIDA DA NOIVA
BELMIRO DE AZEVEDO “NÃO GOSTAVA DE NADA QUADRADO: PRATOS, MARCADORES, TINHA DE SER TUDO REDONDO”
catifado.” Avelino Gaspar, dono da Lusiaves, fez um largo artificial de propósito para o casamento de uma das filhas. E Luís Champalimaud, filho do industrial António Champalimaud, casou uma das filhas na Quinta da Bacalhoa, propriedade de Joe Berardo, perante quase 800 pessoas. Mas nem as festas da elite nacional escapam aos imprevistos. No aniversário de uma das filhas de Jorge de Mello, um temporal particularmente forte atirou a tenda, montada no jardim da moradia, para a Av. Marginal. O acidente aconteceu durante a noite e não houve feridos. Em cinco horas, toda a festa foi mudada para dentro de uma casa com quartos, salas e salinhas, muito diferentes do espaço amplo para o qual estava planeada.
Estrangeiros fecham palácios
Durante um ano, Claire Courtin, herdeira da 15ª maior fortuna francesa, a marca Clarins, veio sete a oito vezes a Portugal, uma delas para experimentar vinhos nacionais, conta à SÁBADO Ana Santos, dona da Festa Aluga. As visitas serviram para planear o casamento na Comporta, onde há uns anos tinha passado férias com o noivo, Félix. “Andámos à procura de uma casa que pudesse ser alugada para o evento e houve uma que ela adorou, nas Bicas”, acrescenta Ana Santos, que todos tratam por Patucha. Entre os cerca de 150 convidados, quase só havia estrangeiros – Paula Amorim e o marido, Miguel Guedes de Sousa, eram dos poucos portugueses presentes.
Os festejos começaram na véspera, com uma festa ao pôr do Sol na praia do Pego e um cocktail no restaurante Sal – animados por uma banda vinda do Uganda e por um DJ acabado de chegar de Berlim. No dia do casamento, em Agosto de 2017, os noivos escolheram a igreja de Melides para uma pequena cerimónia. Depois, a festa continuou na casa que tinha sido alugada de propósito para o evento. Claire usou três vestidos: dois modelos Ralph Lauren, um para a cerimónia, o outro para o jantar, e um Calvin Klein exclusivo para a dança. A francesa, designer e arquiteta, tinha participado na conceção das toalhas, loiças e copos, feitos de propósito para a festa em tons de azul e branco. Mas o grande sucesso foram mesmo os dois wine bars com vinhos portugueses e dois enólogos a dar sugestões e explicações aos convidados. A festa acabou no domingo com um brunch no hotel Sublime, onde alguns dos convidados tinham ficado hospedados. Tiveram direito a um extra: carrinhas com gelados Santini no relvado. O estilista Valentino foi outro dos estrangeiros que escolheu Portugal para uma festa de vários dias, neste caso os 80 anos do companheiro Giancarlo Giammetti, em fevereiro de 2018. Os festejos começaram num sábado, com o baile das tiaras, uma festa que juntou cerca de 100 pessoas no Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Benfica – todas as mulheres, a maioria com vestidos Valentino, levava uma tiara na cabeça. “O Valentino foi connosco à Decoflorália para
OS CANTORES ROBERTO CARLOS E MARISA MONTE VIERAM DE PROPÓSITO PARA A FESTA, EM SINTRA
escolher os arranjos de flores”, conta Ana Santos. “Queria ver tudo, as toalhas, as decorações. Trouxe o mordomo, porque as mesas tinham que ser postas exatamente como queria, e uma empregada que têm na Suíça e que passou os guardanapos a ferro.” O bolo de aniversário foi desenhado pela Joana Vasconcelos, com os seus icónicos corações de Viana. A festa, que começou pelas 20h, não passou das 2h da manhã – os convidados dançaram dentro de uma tenda feita à medida para a varanda dos azulejos.
Um ano antes, para celebrar os seus 80 anos, o milionário brasileiro Abílio Diniz, dono do Pão de Açúcar, tinha fechado o hotel Penha Longa, em Sintra. Apesar de o contrato de confidencialidade impedir o hotel de revelar detalhes, a imprensa brasileira relatou boa parte do evento, até porque os convidados partilharam imagens e vídeos nas redes sociais. Primeiro, o convite: um dos 70 homens mais ricos do Brasil, com uma fortuna avaliada em 3 mil milhões de euros, decidiu gravar um vídeo em que era ele próprio o protagonista. E preparou várias surpresas: os cantores Roberto Carlos e Marisa Monte voaram de propósito até Portugal para atuar no evento, tal como o norte-americano William Ury, professor de Harvard, e a atriz Fernanda Montenegro – foi a escolhida para ler vários excertos de Caminhos e Escolhas: o Equilíbrio para uma Vida Mais Feliz, o primeiro livro escrito pelo empresário.
Os maiores bolos já feitos
Não é possível falar de festas sem falar de bolos. E em Portugal houve pelo menos dois que deram tanto trabalho como a própria festa. Um deles, feito para o casamento de uma angolana, chegou com um pedido expresso: a noiva queria o maior bolo-castelo alguma vez feito em Portugal e em Angola. Foi esse o pedido que chegou à You Cake It, explica a responsável pela empresa, Rosa Antas da Cunha. “Sempre sonhou ter um bolo diferente e sempre sonhou ter um castelo. Fizemos um desenho com a proposta, que era praticamente um livro, com tantas folhas, e ela aprovou.” O bolo começou a ser preparado seis meses antes do casamento e envolveu 18 pessoas, incluindo um arquiteto e um engenheiro. “O arquiteto e o engenheiro tinham que nos passar as medidas, eram eles que nos diziam onde é que fazíamos os furos [para que o castelo tivesse estabilidade e não desabasse], e quais os modelos de janelas que devíamos usar”, explica Igor Xavier, que chegou à empresa para participar neste projeto e lidera a loja de Lisboa. “Todas as peças do castelo eram coladas com glacé de açúcar, já montadas seriam umas 150, desmontadas eram seguramente mais de mil.”
A primeira coisa que Igor fez foi viajar até Angola, onde vivia a noiva, para estudar o projeto e apresentar a proposta – a noiva pagou todas as despesas e o bolo custou mais de 20 mil euros. Foi assim que decidiram que o castelo seria feito em três países: Angola, Brasil e Portugal. As quase 4 mil flores brancas que decoraram o bolo (3 mil pequenas, 450 médias e 500 grandes) demoraram quatro meses a fazer e vieram de Luanda para Lisboa em cinco malas de viagem. Já o castelo, adianta Igor, chegou do Brasil. “Foram quatro meses de peças e pecinhas”, e vários dias de stress: “Aterrei em Portugal numa segunda, contando que o castelo
estaria cá na terça, mas só chegou na quinta. Esteve uma noite inteira preso na alfândega.” Foi por isso que, entre quinta e sábado, quase ninguém dormiu. Só montar o castelo, já no Convento do Beato, em Lisboa, onde se fez a festa, demorou seis horas. Depois ainda era preciso barrar e decorar os 10 bolos. “Acabámos uma hora antes de o casamento começar. Só para carregar o bolo, que no total pesava 80 quilos, tinha 3 metros e meio de largura e dois de altura, foram precisas sete pessoas.”
A noiva tentou – de várias formas – perceber qual seria o resultado final. “Pedia o tempo todo para mandarmos fotos”, conta Sara, “e queria que os convidados chegassem antes para lhe enviar imagens, mas nós não deixámos”. No fim da festa, que teve direito a fogo de artifício dentro do Convento do Beato (precisamente no momento de cortar o bolo), champanhe servido por bailarinas que desciam do teto penduradas em candeeiros gigantes, e espetáculos de cabaré que mudavam consoante o prato servido, houve apenas uma reclamação. “Ficou um bocadinho triste porque comeram o bolo todo e ela só conseguiu provar. Tive que assumir o compromisso de voltar a fazer a massa para ela, com o mesmo recheio. E fizemos.” A americana Julie Deffense sabe o que implica fazer um bolo grande, a sua especialidade. Em 2018, pediram-lhe o maior, melhor e mais bonito bolo que alguma vez tinha feito na vida. “Tinha 3 metros de altura, 1,20 metros de largura e seis painéis feitos à mão, e inspirados no padrão do vestido que a noiva escolhera especialmente para partir o bolo, em tons de branco e ouro. Demorei nove dias só a fazer as pérolas de açúcar. No total, foram dois meses de trabalho e mais de 2 mil rosas, peónias, orquídeas, tulipas e muitas outras flores.”
Jullie teve de alugar uma carrinha para levar o material até ao Estoril, onde era o casamento, e precisou de uma assistente para a ajudar a montar tudo. Na hora de o partir, a principal atração da festa teve direito ao seu próprio evento: três bandas a tocar e um muro de flores – só quando este se abria, os convidados viam o bolo. “A noiva queria cortá-lo com a espada da família”, explica Julie, “mas não chegou a Portugal a tempo, por isso cortou-o com a espada de família do meu marido, que lhe emprestou a dele”. Já João Bravo não precisou de ajuda para cortar o seu. Quando fez 60 anos apagou as velas num bolo mais modesto – ao contrário da festa – com pequenos helicópteros em cima. É aliás assim, de helicóptero, que costuma chegar à herdade que escolheu para receber os amigos.
O BOLO DEMOROU SEIS MESES A SER PREPARADO, ENVOLVEU 18 PESSOAS E CUSTOU MAIS DE 20 MIL EUROS