SÁBADO

Quem é a mãe da ativista Greta Thunberg? A cantora de ópera que deixou tudo pelo ambiente

Era uma cantora sempre em digressão, agora fica em terra – não anda de avião. Malena é mãe da adolescent­e ativista, eleita pela Time como uma das pessoas mais influentes, e toda a revolução começou em sua casa.

- Por Vanda Marques

“NESTA CASA É PRECISO LUTAR POR CADA COISA E EU ESTOU MUITO TRISTE, COM UMA ANSIEDADE QUE ME ESMAGA”

Chorava todas as noites antes de dormir. Quando acordava e ia para a escola, chorava novamente. Até nos intervalos chorava. Greta Thunberg estava no 6º ano, tinha 11 anos, e a mãe Malena recebia telefonema­s dos professore­s todos os dias. O pai, Svante, ator que tinha ficado em casa a tomar conta das miúdas enquanto a mãe se dedicava mais à carreira, tinha de a ir buscar. A única coisa que acalmava Greta era o cão, um golden retriever .Os sintomas não terminaram aqui. Greta deixou de tocar piano, de rir e de falar. Por fim, a pior limitação de todas: deixou de comer.

Para mastigar 1/3 de uma banana demorava 53 minutos. A primeira decisão para “encontrar a Greta, a qualquer custo”, escreve Malena Ernman no livro agora editado em Portugal, foi abrandar o ritmo de concertos. Seguiu-se um novo hábito – criar uma folha onde apontavam tudo o que a filha comia e quanto tempo demorava. A dica vinha do Centro para os Distúrbios Alimentare­s de Estocolmo. Malena relata que a lista era muito curta: arroz, abacate e bolinhos de massa. A filha deixou de ir à escola e ela tenta explicar o motivo aos professore­s: “Greta não conseguirá ir à escola na segunda-feira. Parou de comer há dois meses e, se não houver uma mudança drástica, na próxima semana será internada.”

O desabafo detalhado é de Malena Ernman, no livro A Nossa Casa

Está a Arder, que no original sueco tem o rosto da mãe – cantora de ópera e superestre­la na Suécia – na capa e com o título Cenas do Coração. “Nesta casa é preciso lutar por cada coisa e eu estou muito triste, com uma ansiedade que me esmaga o peito como um peso de duas toneladas de cimento, e já não aguento mais”, escreve Malena, que teve um esgotament­o.

Mas se, à primeira vista, um livro com o nome de Greta Thunberg (que inclui os seus discursos) – que criou uma greve às aulas pelo clima e inspirou milhões a fazer o mesmo, que já se reuniu com Obama, Guterres e até teve o Papa Francisco a dizer-lhe

“continua o bom trabalho” – mais parece os desabafos de uma família. Contudo, há uma explicação para tudo isto. É que além de Greta – que viria a ser diagnostic­ada com Síndrome de Asperger (autismo de alto funcioname­nto), transtorno obsessivo-compulsivo e mutismo seletivo (só falava com familiares próximos) – também a sua irmã mais nova, Beata, tinha Perturbaçã­o de Hiperativi­dade com Défice de Atenção (PHDA). Malena, mezzosopra­no que começou a cantar ópera aos 24 anos e foi a estrela do coro infantil, conta que há quatro anos não percebia nada da questão climática mas a revolução começou na sua casa. Uma revolução tão urgente como aquela que sentiu quando a fi

lha adoeceu. Nessa altura é que percebemos a ligação entre os dois temas. “Um pai cujo filho tenha ultrapassa­do a barreira de segurança e viva num equilíbrio instável à beira de um precipício não precisa de uma narrativa nova. Um pai não ignora o que vê só porque é demasiado difícil de aceitar. Consegue, pelo contrário, ir buscar uma força extraordin­ária dentro de si próprio e empenha-se de corpo e alma para salvar o seu filho. Estamos a aproximar-nos de um limite invisível, para lá do qual não há volta a dar. Aquilo que fizermos agora já não conseguire­mos desfazer dentro de pouco tempo”, escreve a cantora. Este limite é o momento em que o planeta se encontra e foi o que Malena enfrentou para salvar a filha, como se estivesse numa corrida contra o tempo. Todos os sintomas de Greta – que evitava falar com outras pessoas e ficou deprimida – demoraram a ser identifica­dos. A par desta mudança, surgiu outra: a obsessão pelo ambiente. Em vários discursos que a adolescent­e de 16 anos já deu – em Bruxelas, Davos – relembra que tudo começou com 8 anos. “Ouvi falar pela primeira vez de uma coisa chamada alterações climáticas, ou aqueciment­o global. Pelo que percebi, tratava-se de uma coisa que os seres humanos tinham criado por causa do seu modo de vida. Disseram-me para desligar as luzes para poupar energia e para reciclar papel para poupar recursos.” Mas rapidament­e percebeu que não era assim. Greta começou com pequenas mudanças, até decidir alterar tudo. E isso incluía a família também. De repente, sentia que tinha um propósito. Malena recordou numa entrevista este empenhamen­to da filha. “Vemos que ela se sente bem quando realiza os seus projetos, muito melhor do que alguma vez se sentiu durante anos. Na verdade, melhor do que nunca.”

Hoje, numa altura em que Greta já vai na 43ª semana de greve, o mundo estranha que tenha tido problemas com a alimentaçã­o. Numa reportagem da New Yorker, Greta contou até que comeu alimentos novos enquanto protestava na rua. Mas ela só aceitou voltar a comer quando estava no limite – após uma reunião com três especialis­tas em distúrbios alimentare­s que a avisaram que ia ser internada. Greta disse aos pais: “Quero voltar a comer.” Foi na mesma altura que acertaram no diagnóstic­o: síndrome de Asperger, autismo de alto funcioname­nto, transtorno obsessivo-compulsivo e mutismo seletivo. Mas Greta vê no Asperger uma força. “Tenho um interesse especial. É muito comum para pessoas com o espectro do autismo terem um interesse especial.” No caso da sueca é o clima. Acrescento­u à televisão alemã, ZDF, que a sua persistênc­ia vem daí, caso contrário “eu simplesmen­te continuari­a a viver e a pensar como todos os outros”.

Queijo às escondidas

A família teve de se adaptar. Primeiro um carro elétrico, depois cultivar os próprios vegetais, andar de bicicleta e deixar de comer carne. Foram mais longe e tornaram-se veganos, só a mãe come queijo às escondidas. “À noite e quando eu não vejo”, conta Greta ao The New York Times .E ser uma celebridad­e a voar pelo planeta? Isso tinha de acabar. A última vez que Malena andou de avião foi em 2016, após um concerto em Viena. “A questão dos aviões concentra em si todo o debate sobre o clima”, escreve no livro. “É evidente que não se trata apenas de deixar de andar de avião. Trata-se de admitir que todas as espécies estão a extinguir-se a uma velocidade mil vezes superior ao ritmo considerad­o normal.”

O livro é um assunto de família mas mesmo assim Greta não quer coisas demasiado pessoais, como o esgotament­o da mãe ou o PHDA da irmã. É que até saberem o que Beata tinha, eram frequentes os seus ataques de fúria. E os pais até comentam no livro que estranhara­m como a parede do quarto não caiu com tantos pontapés. Greta retalia quando a editora pede mais presença das filhas: “Senão vai ser só um monte de tralha pessoal.” E termina: “Isto é um livro sobre o clima e tem de ser aborrecido.”

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Malena Ernman É uma superestre­la na Suécia e represento­u o país na Eurovisão. Chegou à final em 2009. Agora é vegana, deixou de andar de avião e come queijo às escondidas da filha. Greta já fez 43 greves
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