A LAVANDARIA DE DINHEIRO RUSSO
O enredo é negro: 209 mil milhões de euros foram lavados num microbanco nórdico, cujo presidente foi encontrado sem vida.
A história parece de um filme: um pequeno banco na Estónia lavou 209 milhões. O ex-gestor foi encontrado morto
Aivar Rehe esteve desaparecido durante dois dias, depois de ter saído de casa, em Talin, a capital da Estónia. Acabou por ser encontrado morto, no dia 25, no quintal de sua casa, sem sinais externos de violência. As autoridades apontam para suicídio. Rehe, de 56 anos, esteve durante 10 à frente da sucursal na Estónia do banco dinamarquês Danske Bank.
No dia 25, o mesmo em que Rehe foi encontrado, as autoridades alemãs terminaram dois dias de buscas na sede do Deutsche Bank em Frankfurt. E estes dois factos, aparentemente longínquos, fazem afinal parte da mesma história: a sucursal estónia do Danske foi responsável por um dos maiores escândalos internacionais de sempre de lavagem de dinheiro. A minúscula delegação permitiu a lavagem de 209 mil milhões de euros de dinheiro suspeito, quase todo de origem russa (mas também do Azerbaijão e da Moldávia), naquele que é o maior escândalo europeu deste género e um dos maiores do mundo – senão mesmo, como acreditam alguns observadores, o maior da história. Aivar Rehe não era apontado como suspeito, mas era uma testemunha-chave na investigação movida pelas autoridades estónias. Quanto ao Deutsche Bank, é só uma das ramificações do caso. O processo está neste momento sob investigação nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Dinamarca, Estónia e também na Alemanha, onde o Deutsche é suspeito de ter facilitado, como contraparte, as movimentações para a obscura delegação Estónia.
No pequeno país báltico, 10 banqueiros foram detidos este ano, o administrador executivo demitiu-se, o valor das ações do banco caiu 60%, e a 1 de outubro foi anunciada a falência do ramo estónio. Mas o caso destapou a facilidade com que a Rússia transfere dinheiro de e para operações duvidosas no exterior, passando por baixo do nariz dos reguladores europeus – e por isso mesmo ganhou contornos de enredo diplomático e de espionagem. Como foi possível que uma mera sucursal, de mínima dimensão, tivesse deixado passar quantidades tão significativas de dinheiro “sujo”, sem que nenhum alerta ou deteção tivesse sido possível mais cedo?
A torrente de dinheiro estrangeiro era tal que, por exemplo, em 2013, 99% das verbas a transitar pelo Danske estónio tinham origem em não residentes. E o cuidado era já tão pouco que, segundo o Financial Times, só nesse ano saíram da Rússia para a Estónia 7,7 mil milhões de euros. Tudo através de contas de empresas-fantasma, com movimentos diários mas sempre abaixo do limite que desencadeia os alertas automáticos.
Alguém falou em Putin?
Os sinais foram sendo ignorados. Em 2013, foram os próprios funcionários do banco a estranhar tanto dinheiro russo. Foi decidido enviar um emissário a Moscovo, para tentar perceber o que se estava a passar. Deverá ter feito perguntas nos locais errados – ou certos – porque na Estónia os colegas começaram a receber chamadas em russo ou com sotaque russo: “Achas mesmo que podes ir para casa em segurança?”, ou “o vosso banco vai afundar-se”. Já em 2014, uma denúncia com origem em Inglaterra avisou as autoridades e o próprio banco de que este estaria a ser usado por uma companhia sediada no Reino Unido que mais não era do que uma fachada para empresários com alegadas ligações à família do próprio Vladimir Putin e aos serviços secretos russos. Mas as alegações levaram apenas o auditor interno do banco a produzir um relatório duro sobre o negócio de captação de dinheiro de não residentes. Finalmente, uma auditoria interna de 2018 identificou não uma empresa, mas milhares de clientes suspeitos, escondidos por trás de veículos empresariais anónimos, detidos quase sempre por offshores, e chegou à estrondosa conta dos 209 mil milhões de euros. O relatório de 87 páginas não identifica os clientes concretos. No entanto, quer algumas fugas das investigações judiciais em vários países quer a denúncia com origem em Inglaterra permitem identificar, por exemplo, que uma das firmas suspeitas pertence a Igor Putin, um empresário primo do Presidente russo, e a vários sócios seus. Várias contas estarão ligadas ao crime organizado. A investigação tem tentado detetar o destino final do dinheiro. Além de operações simples de passagem de rublos de origem obscura para dólares “limpos” em contas ocidentais, foram também identificados movimentos para financiar operações de tráfico de armas no Ocidente. Por exemplo, o transporte aéreo de 35 toneladas de mísseis, granadas e outro material militar entre a Coreia do Norte e o Irão, em 2009. ◯