Tancos Da “má rês” à “outra gaja” – os segredos por desvendar no processo
A ex-PGR era a “outra gaja”, o atual líder da PJ foi descrito como “má rês”. Vasco Brazão faltou ao psicólogo e responde por mais um crime.
Há muito mais do que um “papagaio-mor da República” para ler nas escutas telefónicas do processo do furto e farsa na recuperação das armas de Tancos. As conversas intercetadas pela Polícia Judiciária e as buscas realizadas proporcionam um manancial de nomes de código e operações de vigilância falhadas.
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Se, numa primeira fase, os militares da Polícia Judiciária Militar (PJM) andavam eufóricos com o (vitorioso) achamento do material de guerra, em dezembro de 2017 (dois meses após o aparecimento das armas), Vasco Brazão e Roberto Pinto da Costa davam os primeiros sinais de nervosismo ao telefone. Luís Vieira, ex-director da PJM – o “lá em cima” estaria “borradinho de medo”. Aparentemente, o “vovô da congénere” disse-lhe para “tomar cuidado”. Em nota de rodapé, a PJ identificou o idoso como sendo Almeida Rodrigues, ex-director da PJ.
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Os mesmos interlocutores da conversa gravada a 14 de dezembro de 2017 continuaram com referências meio cifradas a personagens do mundo judiciário à época. Por exemplo, Brazão contou que Almeida Rodrigues terá dito a Luís Vieira para ter cuidado com o “outro indivíduo, que é má rês, que é mesmo má pessoa”. Na nota descodificadora, a Judiciária identificou o tal indivíduo como Luís Neves, ex-diretor da Unidade Nacional Contra Terrorismo, que acabou por suceder a Almeida Rodrigues como diretor nacional da PJ.
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A conversa de 14 de dezembro entre os dois acusados é fértil: Vasco Brazão continuou o relato do (alegado) encontro entre Almeida Rodrigues e Luís Vieira, dizendo que o “outro” (Luís Neves) tinha, à data, dois grandes aliados, supostamente para investigar tudo à volta de Tancos. A saber: a “outra gaja” e o “outro gajo”, este último também referido como “o diretor daquilo”. Isto é, a então Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, e o ex-diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, sempre de acordo com as notas de rodapé da Judiciária no auto de transcrição da escuta. Joana Marques Vidal, aliás, está arrolada como testemunha no processo. E, recorde-se, foi a sua decisão em entregar o caso à PJ que espoletou toda uma série de reacções da PJM, com Luís Vieira a tentar reverter a situação, queixando-se ao ministro e até ao Presidente da República.
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Um subordinado fácil ou manipulador? Foi esta a dúvida sobre a personalidade do major Vasco Brazão que a Polícia Judiciária quis esclarecer, tendo em conta alguns depoimentos que descreviam o investigador da PJM como encaixando mais facilmente na segunda categoria, possuindo até um ascendente sobre o então diretor da Judiciária Militar, Luís Vieira. O Ministério Público pediu, o juiz de instrução autorizou, mas Vasco Brazão foi faltando. Depois de 500 euros de multa, o major lá compareceu no Instituto Nacional de Medicina Legal para a realização do exame, mas não respondeu às perguntas. Resultado: o MP ordenou a extração de uma certidão para um novo processo pelo crime de desobediência.
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Quando uma polícia investiga outra, o mais provável é que a investigada detete a investigadora. Neste jogo do gato e do rato, por duas ocasiões, o predador foi apanhado. A primeira ocorreu a 11 de janeiro de 2018, quando, no interior da GNR de Loulé, elementos desta força de segurança (suspeitos no caso de Tancos) e militares da PJM repararam que num carro estavam “dois indivíduos, os quais pareciam estar a fotografar e eventualmente a recolher som ambiente”. Bastaram dois minutos para, através da matrícula, tudo se confirmar: o carro estava registado em nome da Polícia Judiciária. Quatro dias depois, e durante a madrugada, Lage de Carvalho, militar da PJM e um dos acusados no processo, deu de caras com dois elementos da PJ. Na direcção dos dois, gritou: “Polícia, Polícia!”. Os homens da PJ responderam: “Nós também somos polícias”. ◯