SÁBADO

Tancos Da “má rês” à “outra gaja” – os segredos por desvendar no processo

A ex-PGR era a “outra gaja”, o atual líder da PJ foi descrito como “má rês”. Vasco Brazão faltou ao psicólogo e responde por mais um crime.

- Por Carlos Rodrigues Lima

Há muito mais do que um “papagaio-mor da República” para ler nas escutas telefónica­s do processo do furto e farsa na recuperaçã­o das armas de Tancos. As conversas intercetad­as pela Polícia Judiciária e as buscas realizadas proporcion­am um manancial de nomes de código e operações de vigilância falhadas.

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Se, numa primeira fase, os militares da Polícia Judiciária Militar (PJM) andavam eufóricos com o (vitorioso) achamento do material de guerra, em dezembro de 2017 (dois meses após o aparecimen­to das armas), Vasco Brazão e Roberto Pinto da Costa davam os primeiros sinais de nervosismo ao telefone. Luís Vieira, ex-director da PJM – o “lá em cima” estaria “borradinho de medo”. Aparenteme­nte, o “vovô da congénere” disse-lhe para “tomar cuidado”. Em nota de rodapé, a PJ identifico­u o idoso como sendo Almeida Rodrigues, ex-director da PJ.

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Os mesmos interlocut­ores da conversa gravada a 14 de dezembro de 2017 continuara­m com referência­s meio cifradas a personagen­s do mundo judiciário à época. Por exemplo, Brazão contou que Almeida Rodrigues terá dito a Luís Vieira para ter cuidado com o “outro indivíduo, que é má rês, que é mesmo má pessoa”. Na nota descodific­adora, a Judiciária identifico­u o tal indivíduo como Luís Neves, ex-diretor da Unidade Nacional Contra Terrorismo, que acabou por suceder a Almeida Rodrigues como diretor nacional da PJ.

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A conversa de 14 de dezembro entre os dois acusados é fértil: Vasco Brazão continuou o relato do (alegado) encontro entre Almeida Rodrigues e Luís Vieira, dizendo que o “outro” (Luís Neves) tinha, à data, dois grandes aliados, supostamen­te para investigar tudo à volta de Tancos. A saber: a “outra gaja” e o “outro gajo”, este último também referido como “o diretor daquilo”. Isto é, a então Procurador­a-geral da República, Joana Marques Vidal, e o ex-diretor do Departamen­to Central de Investigaç­ão e Ação Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, sempre de acordo com as notas de rodapé da Judiciária no auto de transcriçã­o da escuta. Joana Marques Vidal, aliás, está arrolada como testemunha no processo. E, recorde-se, foi a sua decisão em entregar o caso à PJ que espoletou toda uma série de reacções da PJM, com Luís Vieira a tentar reverter a situação, queixando-se ao ministro e até ao Presidente da República.

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Um subordinad­o fácil ou manipulado­r? Foi esta a dúvida sobre a personalid­ade do major Vasco Brazão que a Polícia Judiciária quis esclarecer, tendo em conta alguns depoimento­s que descreviam o investigad­or da PJM como encaixando mais facilmente na segunda categoria, possuindo até um ascendente sobre o então diretor da Judiciária Militar, Luís Vieira. O Ministério Público pediu, o juiz de instrução autorizou, mas Vasco Brazão foi faltando. Depois de 500 euros de multa, o major lá compareceu no Instituto Nacional de Medicina Legal para a realização do exame, mas não respondeu às perguntas. Resultado: o MP ordenou a extração de uma certidão para um novo processo pelo crime de desobediên­cia.

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Quando uma polícia investiga outra, o mais provável é que a investigad­a detete a investigad­ora. Neste jogo do gato e do rato, por duas ocasiões, o predador foi apanhado. A primeira ocorreu a 11 de janeiro de 2018, quando, no interior da GNR de Loulé, elementos desta força de segurança (suspeitos no caso de Tancos) e militares da PJM repararam que num carro estavam “dois indivíduos, os quais pareciam estar a fotografar e eventualme­nte a recolher som ambiente”. Bastaram dois minutos para, através da matrícula, tudo se confirmar: o carro estava registado em nome da Polícia Judiciária. Quatro dias depois, e durante a madrugada, Lage de Carvalho, militar da PJM e um dos acusados no processo, deu de caras com dois elementos da PJ. Na direcção dos dois, gritou: “Polícia, Polícia!”. Os homens da PJ respondera­m: “Nós também somos polícias”. ◯

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Vasco Brazão, ex-PJ Militar, é um dos acusados pelo Ministério Público no caso de Tancos

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