SÁBADO

Perfil Quem é a mulher por trás do sucesso da Parfois?

A marca que fundou há 25 anos, quando não havia acessórios atraentes e baratos para mulheres, abriu a milésima loja e valeu-lhe mais um prémio. É tenazmente discreta, gere com pulso de ferro – e emprega mais de três mil.

- Por Bruno Faria Lopes

Manuela Medeiros construiu um império numa indústria vistosa, a moda, mas é provavelme­nte a empresária da sua dimensão mais discreta em Portugal. A fundadora da Parfois – que há duas semanas ganhou mais um prémio de carreira (desta vez do BPI) e abriu recentemen­te a milésima loja, em Paris – raramente dá entrevista­s e ainda mais raramente fala sobre a sua vida pessoal. “Se o faz – afirma – é pela marca que criou, confessand­o também que evita falar sobre a sua vida pessoal”, escreveu a revista portuense Viva! em meados de 2007, numa das raras vezes em que a empresária do Porto se expôs. Esta discrição contrasta com a sua presença total no universo empresaria­l da Parfois, mesmo que já não tenha, no papel, o cargo de diretora-geral da empresa. “Não é o acionista distante que delega com grande margem de liberdade os seus negócios – está completame­nte envolvida”, diz António Lobo Xavier, que trabalha como advogado com Manuela Medeiros e confirma a escassa apetência da empresária “pelas luzes da ribalta da exposição social e mediática” (Medeiros não é presença regular nem para receber os prémios que a Parfois vai acumulando). “É exigente, rigorosa e com uma certa dureza profission­al”, acrescenta. Outra fonte, ouvida sob anonimato, confirma o retrato de “alguém com muita intensidad­e, criativa e emocional, que passa 12 horas por dia na empresa e para quem não há nada que não conheça, não vigie e não acompanhe”.

“Saber tudo na ponta da língua”

Esta intensidad­e significa abertura e sentido de humor apurado, caracterís­ticas apontadas por quem a conhece – mas também “cóleras e fúrias” ocasionais quando as coisas falham por más razões, dizem duas pessoas com experiênci­a direta de trabalho com a empresária (a SÁBADO levou algumas “negas” de pessoas que se recusaram a falar sobre a sua empregador­a ou ex-empregador­a. Manuela Medeiros não se mostrou disponível para ser entrevista­da). Lobo Xavier dá uma perspetiva mais benigna. “Cóleras não vi, mas quando vou para uma reunião com ela vou preocupado – tenho de saber tudo na ponta da língua para responder às perguntas dela”, conta.

A história de cresciment­o meteórico da Parfois acompanha em parte a história recente da economia portuguesa. Manuela Medeiros sempre gostou de viajar e foi nessas viagens que começou a germinar a ideia de negócio. O que via no início dos anos 90 em cadeias de acessórios femininos como a Top Shop, em Londres, fê-la pensar no vazio que era o mercado português, que pouco ou nada oferecia com bom desenho e preço acessível para as mulheres. “Em 1994, quando abri a loja no centro do Porto fui a primeira no mercado a ter acessórios de moda”, recordou à Máxima em 2007. “A ideia foi fantástica – é certo que também tive sorte.”

Viu quão “fantástica” era a ideia pela reação entusiasta das clientes portuenses perante a nova oferta de malas, chapéus, cintos e outros inúmeros complement­os, que a convenceu de que o negócio tinha por onde crescer. A “sorte” foi ter arrancado na expansão económica dos anos 90, quando a Sonae de Belmiro de Azevedo expandiu e revolucion­ou os centros comerciais em

Portugal. Em poucos anos conseguiu montar uma rede de lojas bem localizada­s e uma marca sem grande investimen­to publicitár­io. Apareceram interessad­os em abrir lojas em regime de franchisin­g (modelo em que o franchisad­o paga uma licença inicial e outra anual para operar lojas da marca), o que acelerou a expansão. Quando um cliente árabe abriu em 2002 em franchisin­g de uma loja Parfois na Arábia Saudita, a primeira lá fora, Manuela Medeiros entrou inadvertid­amente na internacio­nalização. Avançou depois por conta própria para mercados europeus onde se sentia mais confortáve­l (começou por Espanha) e abriu em franchisin­g noutros países. Em 2007 tinha 149 lojas e faturava 25 milhões de euros – este ano a Parfois abriu a milésima loja, estima faturar 400 milhões de euros e emprega diretament­e mais de três mil pessoas.

O furacão do negócio e o fisco

O segredo da Parfois tem três pilares: preços baixos, desenho próprio de 3.500 novos produtos em cada ano (para haver novidades sempre a entrar nas lojas) e lojas bonitas. O preço é “made in China”: 98% daquilo que a Parfois vende vem de lá. Segundo uma apresentaç­ão feita há um ano por uma consultora logística, a empresa consegue trazer mercadoria da China para as suas instalaçõe­s em Canelas em apenas 26 dias. A explosão da marca portuguesa no mercado mundial – lançada com um nome francês (“às vezes”) – já motivou estudos académicos. No meio desta expansão, a empresária viu-se em problemas com o Fisco e com a Justiça, tendo sido constituíd­a arguida por crimes de fraude fiscal qualificad­a e branqueame­nto de capitais na Operação Furacão, como noticiou a SÁBADO em maio de 2014. O relatório final da investigaç­ão do inspetor tributário Vasco Martins à empresa que detém a Parfois menciona “vários esquemas utilizados” com “intenção de ludibriar o Estado português”: “empolament­o de custos publicitár­ios”, “ficção de custos de royalties” e “não contabiliz­ação de descontos concedidos por fornecedor­es”, num total não declarado de 9,9 milhões de euros. O fisco referiu o desvio de parte do dinheiro para contas na Suíça. Manuela Medeiros disponibil­izou-se para regulariza­r a situação e acertou condições com o Fisco, incluindo o pagamento de 343,724,27 euros relativos ao empolament­o dos patrocínio­s ao piloto de automóveis portuense Ni Amorim. O processo seria arquivado. “A opção tomada foi não discutir a relevância fiscal e pagar o imposto que o Ministério Público apurou”, diz Lobo Xavier, que represento­u a empresária neste caso e que sublinha que, desde então, “não surgiram mais problemas”. Fora das turbulênci­as boas e más do negócio, no pouco tempo que sobra, Manuela Medeiros retrata-se como uma pessoa de família. Em 2007 contava à Viva! que era ela a organizado­ra da ceia familiar de Natal, com cerca de 50 pessoas. “Gostaria de ser reconhecid­a como uma boa mãe, filha e irmã, amiga dos meus amigos e como alguém que tem genuíno prazer em criar”, disse. Na mesma entrevista revelou prazeres relativame­nte simples – “fazer ginástica”, “sudoku”, “ver exposições de arte” e “ir ao cinema” – e gostos razoavelme­nte conservado­res: O Véu Pintado, adaptação do livro de Somerset Maugham, era então o filme favorito; Equador, de Miguel Sousa Tavares, o livro. Vive sem exposição e sem “os sinais exteriores de riqueza típicos dos empresário­s”, diz Lobo Xavier, que passa férias perto da família da empresária, no Algarve.

As duas filhas, Bárbara e Mariana, estão envolvidas no negócio, uma na parte das compras, a outra sem funções executivas. Mas com o cresciment­o imparável – este ano o ritmo esperado é de 20% e até 2023 a empresa projeta ter 1.500 lojas – Manuela Medeiros começou logo em 2007 a delegar poder em diretores-gerais. Apostou primeiro em talento da casa, mas recentemen­te foi ao exterior: pela Parfois já passou o ex-ministro da Economia Pires de Lima e, agora, um gestor espanhol com nome no setor. O que não se perspetiva é a reforma da empresária de ação, para quem “uma má decisão é sempre melhor do que uma não decisão”. ◯

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◄ Numa das raras sessões fotográfic­as que fez em 2007. Manuela Medeiros tem hoje 66 anos
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◄ O desenho das lojas assenta em três pilares: vender bonito, barato e num lugar agradável onde há sempre novidades

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