SÁBADO

JOÃO PEREIRA COUTINHO

- Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

PS

– O PS venceu. Mas venceu o quê? Para começar, perdeu a maioria absoluta, o inconfessa­do desejo de António Costa, em circunstân­cias que tão cedo não se repetem. E perdeu a possibilid­ade de ter um casamento pacífico com o PAN. Facto: agora, com mais deputados do que a direita, pode contar com a abstenção das esquerdas para governar. Mas será sempre uma situação de submissão, que não casa bem com o temperamen­to de Costa. Feitas as contas, o PS dependerá sempre das boas graças do Bloco ou do PC. Ou, então, de Rui Rio. Não há razões para festejar.

PSD

– Rui Rio ficou contente porque venceu as sondagens (palavra de honra). Mas também porque acredita que os 27%, apesar de vexatórios, são capital importante no grande mercado político que a legislatur­a promete inaugurar. Talvez não se engane, a menos que o corram de lá.

CDS

– Se a Iniciativa Liberal e o Chega não existissem, o CDS regressari­a aos seus habituais 7%. Mas parece que a direita liberal e a direita securitári­a encontrara­m ninhos mais adequados. O problema do CDS, agora, será o problema de sempre: uma questão de identidade. Para que serve? Quem representa? O que deseja? Ou encontra respostas para isto ou desaparece.

PCP

– O partido sobreviveu à queda do primeiro Muro de Berlim. Pode não sobreviver à queda do segundo, para usar a metáfora de Costa em 2015: em quatro anos de colaboraçã­o com o PS, foram tareias atrás de tareias – nas autárquica­s, nas europeias, nas legislativ­as. Compreensi­velmente, Jerónimo não quer repetir a dose. Fontes ouvidas pelo cronista garantem-lhe que Arménio Carlos e Mário Nogueira já estão em treinos para perder a barriga que ganharam nestes anos de moleza.

Bloco de Esquerda

– O Bloco tinha um sonho: canibaliza­r a esquerda do PS e falar com o Rato de igual para igual. Não aconteceu. Nestas eleições, repetiu os mesmos deputados de 2015 – e até perdeu votos. É a grande vitória de Costa: ter impedido que o Bloco roubasse as jóias da família. Depois deste feito, é improvável que se convide o ladrão para dentro de casa.

PAN

– Neste tempo em que o mundo dos adultos se gosta de prostrar aos pés de uma menina vidente – Santa Greta – era quase impossível que o nosso PAN não beneficias­se da histeria verde que tomou conta do Ocidente. Elege 4 deputados e, entre as principais propostas, quer reconhecer aos docentes o estatuto de profissão de desgaste rápido. Se alargar esse estatuto aos professore­s universitá­rios, da próxima vez voto neles.

Chega

– André Ventura é eleito e os restantes partidos, com a comunicaçã­o social atrás, já estão a montar o cordão sanitário à volta do ogre. Curioso. Fizeram o mesmo em França, na década de 80, quando a Frente Nacional de Le Pen père começou a dar um ar da sua graça. Deu no que deu.

Iniciativa Liberal

– Nunca pensei que houvesse tantos liberais em Portugal. Sempre parti do pressupost­o de que os portuguese­s gostavam de pagar impostos, amavam a burocracia e tinham no Estado a referência moral, social, económica e existencia­l das suas vidas. Vejo que me enganei: 45 anos depois do 25 de Abril, temos um deputado que defenderá no parlamento o que outros países da Europa ocidental já conhecem há várias décadas. Será que as crianças vão sobreviver ao susto?

Livre

– No mundo das microcausa­s, só o animalismo tinha representa­ção parlamenta­r entre nós. As minorias, com os seus intermináv­eis dramas da identidade, tinham ficado órfãs com o novo-riquismo do Bloco, que as abandonou para ir brincar aos governos. Não mais. Rui Tavares, com olho para o negócio, fez prospecção de mercado e encontrou o seu nicho.

Marcelo

– Em teoria, Belém cresce quando não há maiorias em S. Bento. Por isso, e também em teoria, Marcelo é um dos vencedores da noite: continuará a pairar muito acima dos partidos e, em particular, do Governo. Na prática, a instabilid­ade e a conflitual­idade que se avizinham obrigará o Presidente a sujar as mãos mais vezes do que desejava, sobretudo quando existe um segundo mandato para conquistar. Se há alguém que vai ter saudades da geringonça, esse alguém é Marcelo. ◯

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João Pereira Coutinho C Politólogo, escritor

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