Ana M. Cuervo Envelhecer com saúde
Licenciada em Medicina, cedo percebeu que não queria ver doentes, mas fazer investigação. Preocupava-se com a falta de opções para quem envelhece sem saúde. Com 53 anos, estuda formas de atrasar a perda de funções. Uma delas é o jejum.
Um comprimido para tomar uma vez por mês. O suficiente para termos mais anos de vida com qualidade e sem doenças. Não se trata de ficção científica e pode estar mais próximo do que possamos pensar. Quem o garante é Ana María Cuervo, investigadora e codiretora do Instituto Einstein para a investigação do envelhecimento, no Albert Einstein College of Medicine, em Nova Iorque. A cientista é responsável pela descoberta de uma molécula que potencia a limpeza das células e dessa forma pode prolongar os anos de vida da população. Aliás, essa descoberta já está a ser testada por farmacêuticas.
Mas como nos conta Ana María Cuervo, nascida em Barcelona, já que ainda não chegou o comprimido devemos começar com conselhos mais simples: comer menos vezes e menos calorias. Ao contrário das dietas que nos dizem que o melhor é ir petiscando, a investigadora defende que devemos fazer três refeições por dia – sem lanches – e um jejum de 16 horas à noite.
Porque se interessou pelo envelhecimento?
Estudei Medicina e quando andava por vários hospitais ficava desmoralizada com o pouco que podíamos fazer pelos idosos. Estamos a falar de Espanha nos anos 90 e existia muito a ideia de que envelheces e é isso. Perdes funções, ficas dependente e só podes tentar tornar esse período mais ou menos confortável com paliativos. Quando entrei para Medicina percebi que não queria ver doentes, queria ser investigadora. No meu doutoramento trabalhei com um investigador que estudava os lisossomas – que são organismos que limpam as células – e que são muito importantes para o envelhecimento. Fiquei logo entusiasmada. Depois mudei-me para Boston, para fazer o pós-doutoramento, usei o meu conhecimento sobre este mecanismo de limpeza, e apliquei-o ao envelhecimento. Tornou-se evidente que havia muita coisa a fazer.
Como funciona esse sistema de limpeza?
Chama-se autofagia. Auto significa a nós próprios, e fagia quer dizer comer. Não é que as células se comam-se a si próprias, mas as células comem o lixo. Desde que nasces, cada célula do teu corpo tem este sistema de limpeza, mas – algo que o meu laboratório descobriu – é que à medida que envelheces a tua autofagia, o teu sistema de limpeza, abranda.
Isso causa doenças?
Provoca inflamações. Por exemplo, com doenças como o Alzheimer ou o Parkinson a base é uma proteína, que essa pessoa tem, e que sofre uma mutação. Não vês pessoas com Alzheimer aos 20 anos, e já têm esse gene da doença, só que não se manifesta porque o sistema de limpeza está operacional. Quando deixa de funcionar tão bem, surge a doença.
“Fizemos testes [com o medicamento] em animais e verificámos que eles viviam mais tempo e com menos doenças” Demência A OMS indica que 50 milhões de pessoas têm demência. A forma mais comum é o Alzheimer. Por ano, surgem 10 milhões de casos
Se entopes uma célula com lixo, ela vai morrer.
Porque é que o sistema de limpeza deixa de funcionar?
Vou tentar simplificar. Da mesma forma que em casa tens um aspirador, uma vassoura, uma esfregona, ou seja, diferentes métodos de limpeza, as células também os têm. Se não há eletricidade, não usas o aspirador, escolhes a vassoura – um vai abaixo, os outros podem ajudar. Nas nossas células é mais ou menos o mesmo. O que descobrimos foi que um destes mecanismos funciona como um sistema de pesca.
Como assim?
Imagina que tens um grande saco com peças que estão ali a incomodar, sujas, e tens um sistema de pesca que as vai tirar. Depois de as retirar das células saudáveis, recicla esse material – parte o lixo em pequenos pedaços, e quando precisares de alguma coisa pode ser esse lixo reciclado. O que descobrimos é que o sistema de pesca quando envelheces ou mudas a tua dieta pode deixar de funcionar. Além disso, encontrámos uma nova molécula – ainda sem nome – que sintetizámos e que funciona como um ativador deste sistema de limpeza. Ao torná-lo mais estável, ele continua a pescar. Já fizemos testes em animais e verificámos que eles viviam mais tempo e com menos doenças.
De que forma melhorou a vida dos animais?
Estes animais são ratos geneticamente modificados que vivem, em média, dois anos. No fim de vida apresentam pelos brancos, perdem pelo e começam a andar com mais dificuldade. Quando lhes demos a tal molécula, no fundo, o medicamento que produzimos, ficaram menos frágeis, mais ágeis a correr e desenvolveram menos cancros espontâneos. Além disso, tinham melhor memória. As análises também demonstraram mudanças: melhores níveis de glucose, os tecidos com menos fibroses. Isso encoraja muito. Mas atenção, que isto não são pessoas. Temos de fazer testes. Q
Q As empresas farmacêuticas estão interessadas?
Essa tem sido a parte mais complicada, porque as farmacêuticas estão interessadas em coisas que tenham um estudo clínico rápido. Já estes estudos demoram entre cinco e sete anos. Mas temos bons sinais. Por exemplo, até há dois meses, nos Estados Unidos, a FDA [entidade federal do departamento de saúde, que regulamenta medicamentos e estudos clínicos] só autorizava estudos clínicos para quem tratasse doenças. Só que o envelhecimento não é uma doença. Finalmente aprovaram um estudo, em que a minha universidade está muito envolvida, que vai testar os efeitos da metformina, um medicamento que muitos diabéticos tomam, e que se descobriu que retarda o envelhecimento.
Já é tomado?
Sim. As pessoas que tomam este medicamento não só estão melhores do que os diabéticos que não o tomam, como estão melhores do que a população em geral, nos indicativos de envelhecimento. É muito bom. Porque se nem toda a gente tem Alzheimer, toda a gente vai envelhecer. Se isto funcionar, será um grande mercado. Há empresas iniciadas por académicos que estão interessadas no envelhecimento e que vão tornar estes produtos disponíveis.
Há pouco falou de mudar a dieta. Como é que a nossa comida é importante no envelhecimento?
As células são muito inteligentes e conjugam a limpeza com a energia. Ou seja, quando tu não comes, as células continuam a precisar de energia. O que fazem é procurar por coisas à sua volta para retirarem a energia de que precisam. Dou um exemplo. Estás em casa e ficas sem aquecimento. Como tens uma lareira podes queimar madeira, mas não vais queimar a tua mobília mais fantástica, vais escolher a cadeira velha que odeias. Com as células é o mesmo. Tens de te forçar a procurar coisas para queimar ou destruir para se produzir energia. Claro que, se estás constantemente a comer, as células não têm necessidade de procurar coisas para destruir, porque estás a dar-lhes energia. É aí que entra o jejum. Mas não precisas de um jejum de muitas horas. Por exemplo, se não comeres entre refeições, as tuas células vão começar a procurar comida e vão fazer a limpeza.
É o que fazemos ao dormir?
Outra altura de limpeza é quando dormes. Se tens uma loja cheia de clientes, não vais começar a limpá-la enquanto eles lá estão, certo? Vais esperar que saiam e só depois limpas. Quando dormes é isso que acontece – as células fazem a limpeza. Por isso quando encurtas as horas de sono – uma coisa que fazemos cada vez mais – é péssimo para esta limpeza. Apesar de adorar poder dar já um comprimido às pessoas para resolver esta perda de funções, temos de começar a mudar os nossos hábitos.
Que conselhos daria?
Dormir é muito importante para a limpeza das células, por isso não deves encurtar as horas de sono. Quanto à comida devíamos reduzir em 60% as calorias que comemos. Isso é uma chatice e ninguém quer viver dessa forma. Mas uma coisa que podíamos fazer e que percebemos num estudo do meu laboratório é que se comeres a mesma quantidade de calorias – por exemplo, 2 mil –, mas se as separares em dois momentos do dia tens o mesmo benefício que se cortares em 60% as calorias.
Mas não acha que isso é muito difícil de fazer, as pessoas vão sentir-se mais fracas...
Não. O que nos relatam – e temos pessoas no meu laboratório que o fazem – é que sentes o contrário: mais energia. Estás a ter as mesmas calorias por isso terás a mesma energia. Ativas é a limpeza no meio do dia, sentes-te melhor. Os teus neurónios ficam mais ativos. Tens menos açúcar a circular – o açúcar refinado é o nosso grande inimigo.
Com a vossa investigação conseguem aumentar a esperança de vida em 10 anos?
O que nós queremos é fazer com que a doença apareça mais tarde. Se as doenças aparecerem mais tarde, provavelmente vives mais anos. Se aumentarmos só os anos de vida, mas não recuperarmos funções, falhámos o nosso objetivo.
O cancro é um resultado de se viver mais anos, acredita que é a epidemia deste século?
Na verdade, o que mais nos preocupa são as doenças neurodegenerativas. Com o cancro ainda temos toneladas de coisas que se pode fazer. Não consegues prevenir que apareça o cancro, a não ser que trates o envelhecimento. Antigamente as pessoas morriam com doenças infecciosas, depois descobriu-se a penicilina e resolvemos isso. A seguir veio a diabetes, encontrou-se a insulina. Em seguida, vieram em força as doenças cardiovasculares, encontrou-se as estatinas. Surge sempre o próximo desafio, mas vamos melhorando. Na comunidade que estuda o envelhecimento, a perda neurológica é a grande preocupação. O Obama considerou estas doenças de grande importância e atribuiu muitos fundos à investigação destes temas. É que primeiro que tudo temos de perceber o cérebro e saber o que está a acontecer, para depois conseguirmos resolver esse problema. ◯
Espanha É o país com maior esperança média de vida: 85,8 anos. O Japão está em segundo, com 85,7. Portugal está em quinto, com 84,5, segundo a The Lancet