SÁBADO

A vitória de Freitas do Amaral

- Diretor Eduardo Dâmaso

Acampanha presidenci­al de 1986 marcou o fim do ciclo pós-revolucion­ário, em que Portugal se dividia radicalmen­te entre esquerda, extrema-esquerda, direita e extrema-direita. Freitas perdeu por menos de 150 mil votos, Mário Soares foi consagrado como o grande vencedor, não apenas dessa eleição, mas do próprio 25 de Abril de 1974. Soares bateu a direita, agregou a esquerda democrátic­a e obrigou comunistas e extrema-esquerda a reconhecer que a utopia marxista-leninista acabava ali. O mapa político mudou radicalmen­te, mas foi obra de vencedor e perdedor nessas já longínquas presidenci­ais. No imediato, arriscaria dizer que o papel do perdedor foi tão importante como o do vencedor. Soares voltou a unir o País, dissolvend­o grupos de eleitores vencedores e perdedores. Mas Freitas foi o fundador da direita democrátic­a. Freitas do Amaral perdeu mas devido a essa “normalizaç­ão” da ideia de direita, que era literalmen­te metade do País eleitor, Cavaco ganhou. Sem a sua capacidade de mobilizar o centro e a direita dificilmen­te o PSD de Cavaco ganharia embalagem para a primeira maioria absoluta. Cavaco ficou com a glória do poder e da história ao passo que Freitas ficou com o peso das dívidas da campanha, devido a uma falta à palavra dada, com a assinatura do PSD de Cavaco, que entra para os anais da infâmia política.

Essa terá sido a grande vitória de Freitas do Amaral. Depois de ter assumido o papel mais difícil de todos em 1974, ao afirmar valores liberais e democratas-cristãos num tempo em que isso era quase impossível, Freitas abriu em 1986 a porta da liberdade plena a todo o espectro do centro-direita, inclusive à própria extrema-direita, que se albergou na sua candidatur­a. Uma parte da candidatur­a de Freitas, diga-se, era um albergue espanhol. Sob a batuta de Proença de Carvalho e Dias Loureiro, nela concentrav­am-se apoios indesejado­s pelo próprio candidato, como os da extrema-direita salazarist­a e militar que sobrevivia ainda na década de 80, mas Freitas manteve sempre uma distância prudente desses setores.

Centrou a sua mensagem na democracia cristã, nos valores democrátic­os da direita e separou as águas que permitiram a Cavaco afirmar-se. De resto, foi sempre um incompreen­dido pelo País político. A sua visão da liberdade individual levou-o a afirmar a direita quando a maré era de esquerda e a esquerda quando a maré era de direita. Abriu as comportas do poder a Cavaco, mas foi o primeiro, na campanha de 1991, a dar corajosos sinais de alerta contra os tiques de arrogância e autoritari­smo que o PSD cavaquista evidenciav­a. Esse poder e essa autoridade de poder dizer e fazer, em qualquer circunstân­cia, o que a consciênci­a lhe ditava, irmanou-o a Soares, porventura um dos poucos verdadeiro­s cúmplices da sua vida política. Perdendo quase sempre, Freitas do Amaral foi um triunfador na parte da política que fica para a história. E essa foi sempre a sua vitória. Também estava, tal como Soares, uns anos à frente do seu tempo.

A vitória de Costa

Vamos entrar numa das legislatur­as mais interessan­tes dos últimos 45 anos. António Costa tem à sua disposição o governo de geometria mais variável que se possa imaginar. Em nome da estabilida­de e da Pátria, Costa pode governar com a ajuda de todos menos o Chega. Para lá da geringonça alargada – um pouco como Lionel Jospin com a sua “esquerda plural” – , Costa ainda pode, eventualme­nte, contar com o afã de Rio de servir a Pátria. O sistema político permanece robusto, mas estas legislativ­as parecem o umbral de um tempo e um mundo novo, que ainda não sabemos se será admirável.

E a derrota de Rio

Rui Rio perdeu em toda a linha mas faz lembrar Álvaro Cunhal e as suas vitórias morais. Ou mesmo a seleção portuguesa de futebol, quando perdia um pouco por todo o lado, mas jogava sempre melhor do que os outros. O discurso da noite eleitoral foi pobre, ressentido, paroquial, de barricada. Para não dizer outra coisa mais severa. A grande questão está em saber se o PSD se resigna a esta alegre caminhada para a irrelevânc­ia. ◯

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