UM FILHO (AINDA) DO REGIME
Foi um bom rapaz e um bom aluno numa boa e tradicional família nobre, nortenha e salazarista. Andou em escolas católicas, fez férias no estrangeiro e teve aulas privadas de línguas e piano. Só a morte dos irmãos ensombrou uma infância feliz.
Em casa dos Freitas do Amaral não se sentiam os rigores impostos pela guerra, que então vivia o seu apogeu. Naquele verão de 1941, a família, que morava em Lisboa, estava a passar férias na Póvoa de Varzim quando Diogo nasceu pelas 18 horas de 21 de julho.
A MORTE DOS IRMÃOS
► Era o terceiro filho do casal Duarte e Maria (ela de família originária da Póvoa, ele de Guimarães). Mas a felicidade foi abalada logo à segunda semana de vida do bebé quando Duarte, o irmão mais velho, de 3 anos, morreu com uma meningite aguda. Pedro, que nascera em 1939, morreria aos 6 anos de asfixia depois de cair durante uma brincadeira. Estas duas tragédias, contavam os amigos de infância, marcaram o ainda pequeno Diogo que, muito novo, assumiu uma espécie de papel de pai para o irmão João, nascido em 1948 (morreria de cancro em 1995).
DUAS SEMANAS DEPOIS DE NASCER, MORREU UM DOS IRMÃOS (COM MENINGITE). OUTRO MORRERIA TAMBÉM
SÓ UMA HÉRNIA DISCAL TERMINOU A PAIXÃO PELO HIPISMO. OS PAIS OFERECERAM-LHE DOIS CAVALOS
A FAMÍLIA BRASONADA...
► O pai, o engenheiro Duarte Freitas do Amaral (1909-1979), era aristocrata pelos quatro costados. E Guimarães tornou-se um tema querido para Diogo, que ouvia em casa as histórias sobre os antepassados que ali lutaram pelos miguelistas contra os liberais, ou de D. Afonso Henriques (de quem escreveu uma biografia). O seu clube de futebol foi sempre o Vitória.
...E SITUACIONISTA
► Os avôs eram salazaristas e a figura do ditador era venerada em casa, daí o jovem Diogo ter lido tudo o que ele disse e escreveu. O avô, o compositor Josué Trocado, que estudara
Teologia, era um amigo próximo do ditador. O pai, Duarte, foi empresário, secretário de Salazar quando este foi ministro das Finanças e depois alto quadro do Estado Novo. Em 1959, era deputado à Assembleia Nacional quando Salazar quis rever a Constituição. Incluiu na sua proposta uma sugestão do filho, Diogo, que então estudava Direito: a figura parlamentar das perguntas ao Governo (que ainda hoje existe). Salazar aprovou.
UM CARTÃO DE SALAZAR
► Só se encontrou com o presidente do Conselho uma vez, em 1960, durante uma receção oficial. A apresentação foi feita pelos pais. Num dos três volumes das suas memórias, Freitas do Amaral escreveu que Salazar era uma figura complexa: “Era capaz das atitudes mais frias e duras como dos sentimentos de maior ternura e compaixão.” Dois exemplos: no fim do 1º ano de Direito na clássica, a mãe escreveu a Salazar. E recebeu um cartão de resposta: “Muitos e muitos parabéns para si e para o seu Diogo. 16 valores no 1º ano é uma linda nota.” Quando o filho mais velho morreu, também enviara a Maria uma mensagem de pêsames.
TOMÁS NOS ANIVERSÁRIOS
► Américo Tomás, enquanto ministro da Marinha e, pelo menos uma vez como Presidente da República, visitava a casa dos Freitas do Amaral e era convidado para as festas de aniversário de Diogo.
O PRIMEIRO NEGÓCIO
► Até aos 11 ou 12 anos, era com a cadela setter irlandesa que mais brincava. Sempre que esta tinha uma ninhada, vendia os cachorros. Foi o seu primeiro negócio.
E A ÚNICA TRANSGRESSÃO
► O seu primeiro ídolo foi Fangio, tanto que entre os 12 e os 15 anos ia de comboio – sozinho – até ao Porto para assistir às corridas na Avenida da Boavista. Pelos 14 anos, organizou o primeiro rali (que passava pelo Guincho, Malveira, Sintra e Cascais) com os amigos. E ainda com menos de 18 anos, viu-se ao volante de um carro de ralis. “Deve ter sido das poucas infrações legais que cometeu em toda a vida”, revelou o amigo Augusto Ferreira do Amaral ao Expresso em 1986.
CONHECER TODAS AS CLASSES
► Fez a primária no colégio privado Avé-Maria. Destacava-se menos pelo percurso académico – haveria alunos melhores do que ele – e mais pela serenidade, juízo e aspeto sisudo: os colegas não se recordavam de alguma vez ter andado em pancadarias. Aos 10 anos, o pai entendeu que deveria “contactar com colegas de todas as classes sociais” e transferiu-o para uma escola pública. Esteve no Pedro Nunes – onde o historiador Joel Serrão, seu professor, o recordava como “um bocado formal” – e no Passos Manuel. Entrou em Direito com 17 anos e doutorou-se com 26.
EDUCAÇÃO APRIMORADA
► Estudou piano dos 7 aos 17 anos com uma ex-aluna do avô Trocado, e deu um concerto em direto na Renascença – a música clássica seria uma paixão de sempre. Teve aulas particulares de francês e inglês, e para este muito ajudaram os três verões que passou em Inglaterra dos 16 aos 18 anos – em dois deles, em Londres, ficou na casa de uma antiga empregada doméstica que a família tivera em Lisboa.
AMANTE DE CAVALOS
► Andou muito tempo na natação – mesmo quando percorria o País durante as campanhas, procurava piscinas onde pudesse nadar; e, foi talvez, a falta de piscinas aquecidas nos meses frios que o levaram a desistir. Também jogou hóquei em patins e badmínton. Mas acabaria por descobrir o hipismo. Começou aos 9 anos no picadeiro do antigo Colégio dos Nobres, ganhou prémios em adolescente com os dois cavalos que os pais lhe ofereceram (Samurai, de raça nacional, e Mandarim, de sangue irlandês). Mas a carreira acabou em 1976 devido a uma hérnia discal – foi o início dos problemas de coluna de que sofreria toda a vida.
ORADOR NÃO POLITIZADO
► A crise académica de 1962 apanhou-o na faculdade, onde a maior das contrariedades fora até então a cadeira de Direito Administrativo de Marcello Caetano (deu-lhe o único 14 em todo o curso). Apesar de ter presidido à assembleia-geral da associação de estudantes nessa época, seria marcante um discurso em nome dos estudantes, em que pedia uma “universidade nova”. Considerou sempre este o primeiro momento da sua carreira política, porque todos sabiam que tinha apetência para falar em público – e a isto não foram alheias as vezes em que, ainda pequeno, o pai lhe pedia para subir para uma cadeira e fazer um discurso. ◯
O PAI TRANSFERIU-O PARA UMA ESCOLA PÚBLICA PARA TER CONTACTO COM “TODAS AS CLASSES SOCIAIS”