OS CONSELHOS DAMULHER NACAMPANHA
Conheceu Adelino Amaro da Costa na tropa e Sá Carneiro numa praia no Algarve. Pensou o CDS a galope pela Quinta da Marinha e só caiu em 1986, às mãos de Mário Soares, o grande rival de quem ficou amigo para a vida.
Adelino Amaro da Costa era o seu alter ego, descreve à SÁBADO José Ribeiro e Castro: se Freitas era “um tímido na relação exterior”, Adelino era o “extrovertido”. Conheceram-se no primeiro dia de Diogo na Armada. A amizade nasceu forte e assim continuou até ao desastre de Camarate, a 4 de dezembro de 1980. Nunca recuperou da perda do amigo e irmão, a quem os filhos tratavam por tio e os irmãos de Mizé como cunhado. Mas nos 13 anos de convívio, criaram e geriram o CDS, enfrentaram a viragem à esquerda de 1975, e estiveram juntos no governo.
CDS NO CAVALO
► Nas suas memórias, Freitas do Amaral recorda com saudade o início dos anos 70: “Era na Quinta da Marinha, em longos passeios a cavalo, que ambos [Alberto Xavier] discutíamos e íamos gradualmente construindo a nossa visão económica neoliberal que havia de estar na base da fundação do CDS.” Terá sido no primeiro fim de semana de julho de 1974, passado à conversa com Amaro da Costa, que decidiram criar um partido.
NA PRAIA COM SÁ CARNEIRO
► O primeiro encontro foi na praia. Quando fez o check-in, com Mizé, no Hotel Balaia, em Albufeira, o gerente fez questão de lhe dizer que ali estava também Francisco Sá Carneiro. Foi encontrá-lo na praia no dia seguinte. Apresentou-se e combinaram tomar um copo no fim desse dia. Seria à mesa, mas em Lisboa, que mais tarde discutiriam a Aliança Democrática – uma ideia que Freitas teve ao caminhar.
CUNHAL DE CAMISA
► Conheceu Cunhal e Soares de modo menos casual. Álvaro Cunhal, então ministro sem pasta, recebeu uma comitiva do CDS a seguir à fundação do partido numa sala do Palácio de Belém. Estava em mangas de camisa e sem gravata e Freitas, Basílio Horta e Amaro da Costa engravatados e de fato. E só conheceu Mário Soares em setembro de 1974, quando
este foi cumprimentar o casal Freitas numa receção na embaixada de Itália.
O MAIS CURTO ENCONTRO
► A 26 de abril de 1985, Freitas do Amaral chamou os jornalistas ao hotel Penta. Em dois minutos, leu uma declaração de 273 palavras em que anunciava a intenção de se candidatar à Presidência da República. Foi o lançamento de uma candidatura que amadurecera desde que Aníbal Cavaco Silva o desafiara num almoço nessa primavera. Quando chegou ao gabinete ligou à mulher a contar. “Parabéns, sim senhor! Isso de facto muda muita coisa”, disse ela. Mizé era a conselheira, que chegou a espicaçá-lo para os debates com Soares: “Tens de atacar! Tens de atacar!” Os mais próximos eram Paulo Portas, Daniel Proença de Carvalho, Ribeiro e Castro e André Gonçalves Pereira. Encontravam-se todas as segundas-feiras, pelas 21h30, na casa da família na Quinta da Marinha. Nesta altura, Freitas já fizera a agregação à faculdade (1983), tinha escritório com o sogro no edifício Imaviz, na Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, lançara 20 livros e manuais.
À AMERICANA
► A inspiração na campanha de Ronald Reagan era assumida. E, como era prática do outro lado do Atlântico, a família também foi incluída: foram fotografados na casa da Quinta da Marinha e as imagens usadas durante a corrida. A rua “foi uma metamorfose completa” para o tímido Freitas, recorda Ribeiro e Castro, então diretor executivo. O slogan Prá Frente Portugal, o hino cantado por Nicolau Breyner e as músicas tradicionais (do fandango ao corridinho) com letra adaptada para Freitas, animavam a plateia e o candidato.
O SOBRETUDO LODEN
► A moda do casaco verde-escuro espalhou-se por todo o País e os adversários disseram que foi um golpe de marketing, porque lhe conferia um ar popular. Mas Freitas disse ter sido um acaso. Como lhe tinham roubado o sobretudo, queria outro, mais barato. Viu-o numa loja em Cascais, e como gostava muito da Áustria e sempre quisera um casaco tirolês, comprou.
FLORES DE SOARES
► A 17 de fevereiro de 1986, a segunda-feira a seguir à derrota nas eleições, recebeu em casa um enorme ramo de flores com um cartão: “Muitos parabéns pela brilhante campanha que fez! Do seu amigo e admirador, Mário Soares.” E chegaram outros cabazes de flores, peixe, marisco e legumes das vendedoras do mercado de Cascais. E também mais de cinco mil cartas de parabéns e incentivos. Levou dois meses a responder a todos. Freitas e Soares ficaram amigos (as mulheres também).
MONSTRUOSA DÍVIDA
► Eram 460 mil contos (8 milhões de euros a preços de hoje) de dívidas da campanha. Depois de várias hipóteses recusadas ou goradas (não pagar, contrair um empréstimo, pedir ao PSD e CDS ou dar pareceres grátis a empresas), Freitas pediu a todos os amigos e conhecidos que sabia terem boa situação económica se podiam contribuir. Com isto saldaram quase tudo. A última dívida a pagar era a maior, a uma agência de viagens – quando foram entregar o cheque, foi perdoada. No fim do processo, que demorou dois anos, escreveu aos jornais a dizer que estava tudo pago.
RESSACA EM PARIS
► A derrota nas eleições foi “esquecida” com uma semana em Paris – a melhor cidade para recuperar em caso de derrota, no entendimento do casal. Quando foram a um armazém fazer compras, Freitas foi reconhecido no elevador por uma francesa, que lhe mostrou solidariedade pela derrota – isto porque as eleições tinham tido destaque em França. ◯
NO DIA A SEGUIR ÀS ELEIÇÕES, SOARES ENVIOU-LHE FLORES. RECEBEU AINDA CABAZES E 5 MIL CARTAS