QUANTO TEMPO LHE DÁ?
A legislatura tem quatro anos, quantos terá o governo? Quem acerta ganha. Passos enganou-se na aposta e perdeu.
Éa questão do milhão de dólares, para partidos e eleitores fazerem contas à vida: o novo governo vai durar? E até quando? Quem se enganar na resposta pode ir ao charco antes de tempo. O erro de cálculo de Pedro Passos Coelho em 2015 – achou que a Geringonça 1.0 se desagregaria depressa – levou-o à estratégia errada e à saída inglória. A legislatura tem quatro anos, António Costa aguenta todos? Ou quantos? Nunca há certezas, mas há dados que já balizam o caminho.
Até 2021: águas calmas
“Até às presidenciais, não se decide nada”, acredita José Miguel Júdice. À saída de umas eleições e outras no horizonte de pouco mais de um ano (em janeiro de 2021) não fará sentido à esquerda fazer cair o governo e o PSD “vai andar um ano em grande confusão interna”. Logo, daqui decorrem duas coisas. “O primeiro orçamento passa e o segundo, mesmo antes das presidenciais, também.” E até se adivinha quem os poderá aprovar. Se no imediato a esquerda parece a solução mais clara, já o orçamento de 2021 deve ser mais difícil de passar por esse lado, porque PCP e BE “vão querer apresentar candidatos próprios nas presidenciais e vão precisar de marcar distâncias com o PS nessa altura”. Mas, aí, considera o advogado e comentador da SIC, “o PSD pode dar uma mãozinha”.
A partir daí, as incógnitas são maiores. E não dependem só de alianças e apoios domésticos. Até pode durar os quatro anos: “Se não surgir nenhuma crise social e económica grave, se os juros da dívida não subirem, se o défice não derrapar, se, se, se...” Os ses, explica, têm sobretudo a ver com a conjuntura económica e internacional. E contra isso não há Geringonça, 1.0 ou 2.0, que sirva de seguro político. António Costa Pinto concorda com o peso da conjuntura económica externa, mas destaca que ela terá consequências diretas também na mercearia interna: “Com menos folga na economia, será mais difícil conseguir o equilíbrio entre as contas certas e as concessões que os parceiros vão continuar a exigir.” Mais, essas concessões, acredita o investigador da área da Ciência Política, serão mais exigentes, pelos sinais dados até agora: “Quer para o PCP, quer para o BE, a fatura do apoio ao Governo será desta vez mais elevada.” E embora também acredite que “a sucessão na liderança no CDS e as dificuldades no PSD” deem alguma folga imediata, na medida em que neste momento “não há uma alternativa à direita”, a verdade é que à esquerda “as tensões negociais serão mais visíveis e frequentes”. Mesmo que o barco não naufrague antes de chegar ao porto, enfrentará tempestades.
Mar agitado e ondulação forte
A Geringonça 1.0 “é irrepetível”, nos moldes em que ocorreu, considera Conceição Pequito, até porque o PCP já se pôs fora de um cenário desse género. E Costa “terá a vida mais complicada nesta legislatura” por duas razões. A primeira, o “cimento da união das esquerdas em 2015 foi o livrarem-se do governo da PAF e esse fator agregador desapareceu”. Um inimigo comum a expulsar não existe. A segunda, é que depois das reversões já aplicadas nos últimos quatro anos, “as políticas que poderiam constituir um pacote de comum deixaram de existir e o que agora há a fazer é em áreas que, longe de criar união, criam divergências à esquerda”. A politóloga dá até dois exemplos concretos: quer a discussão das leis laborais, quer a da revisão da lei de bases de Saúde, no fim da última legislatura, e que fugiam ao guião inicial de medidas da Geringonça “já mostraram essa dificuldade de articulação à esquerda”. Ou seja, não há inimigo comum, nem há um qualquer programa orientador comum. E é provável que isto provoque maior instabilidade e uma governação mais casuística.
“Para António Costa o preferível é provavelmente um governo minoritário de geometria variável, com a opção de aprovar medidas com a esquerda ou, em algumas reformas estruturais, com o PSD de Rui Rio.
Aqui surge nova incógnita: “Se a liderança do PSD for substituída por alguém da linha mais passista a distância aumenta e a possibilidade de acordos reduz-se.”
No entanto, a politóloga não considera que esta maior agitação na governação seja necessariamente má para António Costa. Porque estando em minoria tem um ponto de fuga permanente: “Se nada disto resultar, e se as sondagens ajudarem, pode sempre antecipar eleições daqui a ano e meio ou dois anos, e aí já com fatores de dramatização reais”, ao contrário dos talvez menos reais, parece implícito, de algumas ameaças recentes. Em todo o caso, o ano e meio a dois anos é um prazo que, tal como a Júdice, lhe parece razoável para esperar que ainda haja governo, embora com uma instabilidade nova e maior. Deixa uma ironia: “António Costa avisou sobre os perigos da instabilidade em Espanha a agora pode estar a preparar-se para gerir uma espécie de albergue espanhol à sua esquerda.” António Costa anunciou que iria reunir com todos os partidos à sua esquerda para iniciar negociações para novos acordos. O PAN colocou-se entretanto – como o PCP
fizera logo na noite eleitoral – fora desse cenário. O BE pôs condições, e exigentes, logo no dia 6, que incluem, por exemplo, a legislação laboral ou a reversão da privatização dos CTT. Conceição Pequito acredita que o PCP, fragilizado (“o partido perdeu nos três atos eleitorais durante a Geringonça”), vai querer apostar de novo num terreno que já dominou: “A ação de rua e sindical.”
Céu toldado e navegação à vista
“Não sabemos ainda se tivemos uma Geringonça Um, ou uma Geringonça única”, diz Carlos Jalali, até porque a primeira nasceu em condições muito específicas. Ou seja, para já nem os pressupostos para a governação estão definidos. Mas, nota o professor da Universidade de Aveiro, especialista em partidos e sistemas partidários, a situação é mais fluida do que em 2015. Não só “o PS tem mais alternativas para negociar, ou para dançar o tango, como desta vez não precisa de todos, na medida em que foi o partido mais votado, ao contrário de 2015”. De resto, o padrão do PS, no Governo, foram sobretudo os governos maioritários, repeti-lo não seria uma novidade, mas Jalali não acredita que as condições de partida sejam determinantes para a durabilidade. Quase ninguém augurou a estabilidade da primeira, que sobreviveu. Mas, nota o responsável pelo mestrado em Ciência Política, “se tivesse tido uma crise económica logo nos primeiros tempos, teria aguentado?” Por isso mesmo, não faz previsões: “Como diria João Pinto, prognósticos só no fim do jogo.” E o jogo só agora começou. ◯ Q
COM PRESIDENCIAIS EM 2021, JÚDICE ACREDITA QUE ATÉ LÁ NINGUÉM DESEJE FAZER CAIR O GOVERNO