Com vencedores e convencidos
Primeiro, a geometria parlamentar. De um sistema bipartidário imperfeito tínhamos passado para uma espécie de quadrilátero (2 grandes, dois mais pequenos) e estamos agora com um “centrão” ultramaioritário (183 deputados em 230), rodeado de dois pequenos (BE e PCP) e cinco minúsculos partidos (CDS, PAN, Chega, IL e Livre). Depois, as chamadas catástrofes. Que precisam de ser relativizadas. É verdade que o CDS quase se extinguiu. Mas o milagre de Cristas é ter conseguido que não desaparecesse. Na sua história, o partido tinha tido a mesma esquálida percentagem com Adriano Moreira, em 1987, e com Freitas, em 1991, os dois vítimas do Grande Eucalipto que foi o Cavaquismo. Claro que o falecido fundador também havia obtido o melhor resultado de sempre: quase 16% em 1976, quando obrigou Sá Carneiro a negociar a AD. Quanto ao PSD: pode ainda chegar a valores acima dos 28%, com os votos da emigração. Mas nos círculos nacionais não é o pior resultado de sempre: Sá Carneiro, que viria a subir alto como os meteoros, teve resultados piores em 1975 e 1976, e Mota Pinto também menores (27,2), na transição de 1983. Por isso se ouviram já vozes a pedir a Rui Rio que não parta, nem parta a louça. No partido há a ideia de que não existe ainda nem alternativa nem sucessor preparado. Mas o principal problema é, ao mesmo tempo, uma realidade inescapável: entre PSD e PS há muitas ideias, palavras, projetos e objetivos comuns. Torna-se assim difícil aos descendentes de Sá Carneiro (a era do romance) e de Cavaco (o
tempo da eficácia) encontrar um terreno onde possam contrastar, a não ser na ratoeira das correções pontuais. Se o PSD quer ser apenas o técnico de contas do PS, não pode esperar ir muito mais longe.
O PCP também escorregou gravemente, e todos vinham a reconhecer, desde as Europeias, que era o parceiro mais penalizado com o europeísmo, atlanticismo, capitalismo reforUma mista e tecnocracia da parte reinante da geringonça.
Isso torna mais estranha (a não ser por sobrevivência) a pressa de Jerónimo de Sousa querer refazer o arranjo. Que se saiba, o marxismo-leninismo não foi substituído pelo sadomasoquismo, como doutrina orientadora do partido. Mas a verdade é que a queda começou verdadeiramente em 2005, quando os comunistas tiveram de começar a ser mais “sociais-democratas avançados” do que outra coisa.
O BE pode disfarçar e convencer-se de que está no sítio certo da História, mas também perdeu: desceu da percentagem das últimas legislativas, apesar de haver mais votantes, não aumentou o número de deputados, como alguns previam, e o resultado intrínseco do PS permite a António Costa mais opções de entendimento, que podem dispensar o Bloco.
O PAN ganhou e perdeu: em relação às últimas legislativas duplicou o voto e quadruplicou os deputados, mas ficou atrás do CDS em mandatos e sufrágios, tendo ainda descido substancialmente em percentagem, face às Europeias (3,28/5,08). Os pequenos partidos, que chegam do antigo eleitorado do PSD e CDS, tiveram sucessos diversos, mas para além dos dois deputados no hemiciclo, incluindo uma “bête noire” da intelectualidade «de esquerda», roubaram cerca de 3% de sufrágios a Rio e Cristas em todo o território, e cerca de 5% em Lisboa, esse microclima de pluri-representação.
O PS foi o óbvio triunfador em quase toda a linha, apesar de não ter satisfeito o secreto desejo de uma maioria absoluta (que teria obtido, provavelmente, se conseguisse entre 6 e 8% de votos a mais), e de haver subido apenas quatro pontos em relação às últimas legislativas, não conseguindo ainda distanciar o PSD por dois dígitos, como indicaram algumas sondagens mais catastrofistas. De qualquer forma, cabe a Costa decidir o que fazer com esta espada, incluindo mudar um pouco para que tudo fique na mesma. ◯