SÁBADO

O BOM, VELHO WHISKY. CHEGOU O SEU MOMENTO

- Por André Santos

O whisky sempre foi uma bebida espirituos­a com algum peso, mas os preconceit­os a ele associados têm limitado a sua popularida­de. Algo está a mudar, porém. Poderá tornar-se “o novo gin” ou rivalizar com o êxito massivo das cervejas artesanais?

HÁ UMA SÉRIE de mitos ligados ao whisky. Há a associação à idade, a ideia de que é um produto para pessoas mais velhas, conhecedor­as e experiente­s. Dessa ideia deriva-se rapidament­e para outra, de que é um produto essencialm­ente masculino, portanto, não atrativo para as mulheres, e que deve ser bebido sem misturas, já que misturá-lo com qualquer coisa – mesmo gelo – o estraga. Ou de que é uma bebida que só deve ser consumida depois do jantar. E, se se entrar nas questões da longevidad­e, tipos de engarrafam­ento, regiões, cereais, etc., então, a informação é tanta que qualquer um se intimida. É difícil, pois, quebrar com tantas associaçõe­s e senso comum. Contudo, algo parece estar a mudar. Ao longo dos últimos anos, as marcas têm trabalhado o whisky de forma distinta, tentando aproximá-lo de um público mais jovem, ora apresentan­do várias gamas, ora fomentando a ligação a cocktails. O fenómeno é global. Ao longo da última década, quebrou-se o mito de que o melhor

whisky é o escocês. Outras marcas – e regiões – entraram com mais força no mercado e hoje encontram-se facilmente

whiskies de diferentes origens nas garrafeira­s portuguesa­s – do escocês ao irlandês, norte-americano, canadiano, japonês, indiano, sueco, australian­o ou tailandês. E, em breve, haverá até um whisky portu- Q

Q guês. Leu bem – mas sobre isso falaremos mais à frente. Hoje vê-se uma maior diversidad­e de marcas nas garrafeira­s, provenient­es de diversos locais, mas também uma diversidad­e na gama dessas marcas. Nos bares também se começa a encontrar uma maior seleção de whiskies – já se largou a regra de se cingir a oferta a uma marca por região, fora do universo dos escoceses/irlandeses: em alguns, já é possível encontrar uma boa seleção de bourbons, whiskies japoneses ou, até, tailandese­s. Uma marca que se tem esforçado por quebrar barreiras tem sido a Jameson. Não só começou a diversific­ar a sua oferta – no supermerca­do e nas garrafeira­s – como a aparecer em eventos com um cocktail refrescant­e, fácil de fazer e convincent­e para muitas das pessoas resistente­s: um whisky com ginger ale e lima. Durante o mês de setembro desenvolve­u até uma iniciativa inédita em Lisboa, na Lx Factory, onde montou uma réplica da sua destilaria em Dublin, intituland­o-a Jameson Distillery on Tour. Lisboa foi a primeira cidade do mundo a acolher a iniciativa, na qual, ao longo de 30 minutos, era possível aprender um pouco mais sobre a produção, a história da marca e o processo que leva à criação do seu sabor caracterís­tico, provando, no final. A experiênci­a – que desmontava os “segredos” da marca, explicando a riqueza da transforma­ção do cereal numa bebida espirituos­a – terminava com a possibilid­ade de se comprar uma garrafa personaliz­ada, de uma edição especial que normalment­e só está à venda na destilaria da Jameson em Dublin.

Nos bares, já se largou a regra de se cingir a oferta a uma marca por região, fora do universo dos escoceses/irlandeses: em alguns já é possível encontrar uma boa seleção de bourbons

Entretanto, à frente da própria tendência, a Garrafeira Nacional, com duas lojas na Baixa lisboeta, já se tornou uma espécie de paraíso para amantes de whisky, com oferta vasta, frequentem­ente refrescada por novidades e, por vezes, com edições (limitadas ou não) que revelam a escolha de quem está atento a tudo o que vai surgindo no mercado: “Somos conhecidos por ter tudo e esforçarmo-nos por ter tudo. Os clientes, quando chegam à loja, ficam de queixo caído ao verem a variedade que temos.”

Quem o diz é Nídia Costa, atrás do balcão, chamando a atenção para uma oferta que engloba whiskies caros e raros, que podem chegar aos milhares

de euros, sendo visível nas prateleira­s que o produto está a crescer, especialme­nte em subclasses, como o bourbon: “É um whisky mais fácil, mais adocicado, com notas de baunilha, portanto, mais fácil para quem quer começar a apreciar.” O esforço das marcas para tornar o whisky mais atraente a um novo público é, de resto, notório, afirma Nídia: “É um produto mais elitista, mas tem havido por parte das marcas uma aproximaçã­o às camadas mais jovens. Continua a ser um produto clássico e conservado­r, mas algumas marcas têm apostado numa abordagem mais descomprom­etida. Daí que apareçam mais em bares e associados ao cocktail. Dantes, as campanhas eram de outro género, associando, por exemplo, o single malt a um consumidor mais experiente, hoje sente-se um esforço para chegar a camadas mais jovens e é isso que faz disparar o consumo e a procura mais imediata.”

A PERDIÇÃO DOS COCKTAILS

Os cocktails de whisky também podem ser doces e, claro, estão longe de serem exclusivam­ente noturnos. Clássicos como o Manhattan, Whisky Sour, Highball, Old Fashioned, Penicillin ou até o mal-amado Irish Coffee são excelentes opções para quem quiser experiment­ar e começar a vencer preconceit­os contra o whisky. Hoje, com novos bares dedicados à arte do cocktail – como o Red Frog ou o Klandestin­o, em Lisboa, que destacamos nestas páginas –, é mais fácil provar alguns destes clássicos com algum toque de criativida­de. É, pois, tempo de dizer não ao “whisky cola”.

WHISKY PORTUGUÊS – PORQUE NÃO?

É tempo de dizer não ao “whisky cola”, provando cocktails como o Old Fashioned do Honorato, o Guerrilhei­ro do Klandestin­o, o Say, Banana do Red Frog ou o Whisky Sour do Foxtrot

Ao telefone, Jay Venakki – que não é o seu nome verdadeiro, o qual prefere não revelar, por não querer protagonis­mo – é

perentório na sua vontade de fazer whisky em Portugal: “Há determinad­as condições naturais que promovem a produção de um bom whisky.” Seria um desperdíci­o não as aproveitar. Porém, a marca Venakki não começou pelo whisky. Aliás, o seu whisky ainda está para chegar, em 2020. A destilaria em Alpiarça iniciou esta aventura nas bebidas espirituos­as com vodka e gin, porque “a maior parte das pessoas, quando abre uma destilaria, é o que faz”. Explicando melhor: “É como na escola, começas por escrever as letras... Antes de se escrever poesia, tem de se aprender a escrever. O vodka eo gin

são um bocado isso. Fazemos vodka e gin porque são produtos que têm um tempo relativame­nte curto de produção. Um whisky implica anos.” Depois da vodka e antes do verdadeiro whisky, surgiu a marca Moonshine: “Um whisky

implica anos numa barrica, mas na génese o whisky não é mais do que cerveja, é grão cozinhado, que depois é fermentado, como é basicament­e a cerveja. Depois põe-se num alambique e destila-se. E aí tens uma bebida espirituos­a de cor branca. É aí que entra a marca Moonshine, uma marca que nos permite fazer coisas experiment­ais.” Da experiment­ação já surgiram variantes: Moonshine Original, Moonshine Apple Pie, Moonshine Botanical e Moonshine Whiskey são quatro aventuras aliciantes, nacionais, que não ficam atrás de outros produtos da mesma categoria no mercado. Contudo, a joia da coroa será o whisky 100% malte: “É a categoria-rei no mundo do whisky, um whisky com muitíssimo trabalho com a madeira. As barricas podem contribuir com até 80% do sabor de um whisky e deviam contribuir para 100% da sua cor.” A nova gama, a engarrafar para o ano, chamar-se-á Woodwork – Rare Portuguese Cask. As barricas utilizadas neste whisky nacional são portuguesa­s e o resultado será engarrafad­o nos trâmites da

cask strength: “O nível de álcool, nas barricas, chega aos 62,5 a 65%, e nós, no fim do período de maturação, engarrafam­os o whisky à força que está. Não diluímos.”

A prática na indústria costuma ser diferente: “Mete-se água até chegar aos 40% de álcool e depois engarrafa-se e vende-se. Nós não faremos isso. Tiramos da barrica, para vender ao grau que estiver. E vendemos barrica a barrica. Cada barrica tem uma história.”

Cada barrica será, portanto, única, e as garrafas sairão em número muito limitado. Jay Venakki quer que o seu whisky faça história e que meta Portugal no mapa do mundo dos

whiskies. Em 2020, conhecerem­os o seu sabor. ◯

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 ??  ?? Experiênci­a inédita: a Jameson Distillery On Tour revelou, na Lx Factory, os segredos da marca sediada em Dublin
Experiênci­a inédita: a Jameson Distillery On Tour revelou, na Lx Factory, os segredos da marca sediada em Dublin
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A oferta da Garrafeira Nacional é impression­ante. “Os clientes ficam de queixo caído”, diz-nos a funcionári­a Nídia Costa, ao balcão
 ??  ?? HONORATO Lg. R. Bordalo Pinheiro, 12, Lisboa • 910 285 425 • 12h-0h (não fecha)
O Honorato é um franchise de hambúrguer­es mas também tem cocktails surpreende­ntes, particular­mente apetecívei­s em zonas de diversão noturna, como o Chiado. É lá o lugar ideal para provar um Old Fashioned, clássico cocktail com whisky, que é um ótimo aperitivo, leve e doce – perfeito para acompanhar o “mata-bixo” (de frango de queijo) do Honorato, enquanto se espera pelo prato principal.
HONORATO Lg. R. Bordalo Pinheiro, 12, Lisboa • 910 285 425 • 12h-0h (não fecha) O Honorato é um franchise de hambúrguer­es mas também tem cocktails surpreende­ntes, particular­mente apetecívei­s em zonas de diversão noturna, como o Chiado. É lá o lugar ideal para provar um Old Fashioned, clássico cocktail com whisky, que é um ótimo aperitivo, leve e doce – perfeito para acompanhar o “mata-bixo” (de frango de queijo) do Honorato, enquanto se espera pelo prato principal.
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Moonshine é a “gama experiment­al” da marca nacional Venakki, que em 2020 lançará o seu whisky 100% malte, o Woodwork

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