O BOM, VELHO WHISKY. CHEGOU O SEU MOMENTO
O whisky sempre foi uma bebida espirituosa com algum peso, mas os preconceitos a ele associados têm limitado a sua popularidade. Algo está a mudar, porém. Poderá tornar-se “o novo gin” ou rivalizar com o êxito massivo das cervejas artesanais?
HÁ UMA SÉRIE de mitos ligados ao whisky. Há a associação à idade, a ideia de que é um produto para pessoas mais velhas, conhecedoras e experientes. Dessa ideia deriva-se rapidamente para outra, de que é um produto essencialmente masculino, portanto, não atrativo para as mulheres, e que deve ser bebido sem misturas, já que misturá-lo com qualquer coisa – mesmo gelo – o estraga. Ou de que é uma bebida que só deve ser consumida depois do jantar. E, se se entrar nas questões da longevidade, tipos de engarrafamento, regiões, cereais, etc., então, a informação é tanta que qualquer um se intimida. É difícil, pois, quebrar com tantas associações e senso comum. Contudo, algo parece estar a mudar. Ao longo dos últimos anos, as marcas têm trabalhado o whisky de forma distinta, tentando aproximá-lo de um público mais jovem, ora apresentando várias gamas, ora fomentando a ligação a cocktails. O fenómeno é global. Ao longo da última década, quebrou-se o mito de que o melhor
whisky é o escocês. Outras marcas – e regiões – entraram com mais força no mercado e hoje encontram-se facilmente
whiskies de diferentes origens nas garrafeiras portuguesas – do escocês ao irlandês, norte-americano, canadiano, japonês, indiano, sueco, australiano ou tailandês. E, em breve, haverá até um whisky portu- Q
Q guês. Leu bem – mas sobre isso falaremos mais à frente. Hoje vê-se uma maior diversidade de marcas nas garrafeiras, provenientes de diversos locais, mas também uma diversidade na gama dessas marcas. Nos bares também se começa a encontrar uma maior seleção de whiskies – já se largou a regra de se cingir a oferta a uma marca por região, fora do universo dos escoceses/irlandeses: em alguns, já é possível encontrar uma boa seleção de bourbons, whiskies japoneses ou, até, tailandeses. Uma marca que se tem esforçado por quebrar barreiras tem sido a Jameson. Não só começou a diversificar a sua oferta – no supermercado e nas garrafeiras – como a aparecer em eventos com um cocktail refrescante, fácil de fazer e convincente para muitas das pessoas resistentes: um whisky com ginger ale e lima. Durante o mês de setembro desenvolveu até uma iniciativa inédita em Lisboa, na Lx Factory, onde montou uma réplica da sua destilaria em Dublin, intitulando-a Jameson Distillery on Tour. Lisboa foi a primeira cidade do mundo a acolher a iniciativa, na qual, ao longo de 30 minutos, era possível aprender um pouco mais sobre a produção, a história da marca e o processo que leva à criação do seu sabor característico, provando, no final. A experiência – que desmontava os “segredos” da marca, explicando a riqueza da transformação do cereal numa bebida espirituosa – terminava com a possibilidade de se comprar uma garrafa personalizada, de uma edição especial que normalmente só está à venda na destilaria da Jameson em Dublin.
Nos bares, já se largou a regra de se cingir a oferta a uma marca por região, fora do universo dos escoceses/irlandeses: em alguns já é possível encontrar uma boa seleção de bourbons
Entretanto, à frente da própria tendência, a Garrafeira Nacional, com duas lojas na Baixa lisboeta, já se tornou uma espécie de paraíso para amantes de whisky, com oferta vasta, frequentemente refrescada por novidades e, por vezes, com edições (limitadas ou não) que revelam a escolha de quem está atento a tudo o que vai surgindo no mercado: “Somos conhecidos por ter tudo e esforçarmo-nos por ter tudo. Os clientes, quando chegam à loja, ficam de queixo caído ao verem a variedade que temos.”
Quem o diz é Nídia Costa, atrás do balcão, chamando a atenção para uma oferta que engloba whiskies caros e raros, que podem chegar aos milhares
de euros, sendo visível nas prateleiras que o produto está a crescer, especialmente em subclasses, como o bourbon: “É um whisky mais fácil, mais adocicado, com notas de baunilha, portanto, mais fácil para quem quer começar a apreciar.” O esforço das marcas para tornar o whisky mais atraente a um novo público é, de resto, notório, afirma Nídia: “É um produto mais elitista, mas tem havido por parte das marcas uma aproximação às camadas mais jovens. Continua a ser um produto clássico e conservador, mas algumas marcas têm apostado numa abordagem mais descomprometida. Daí que apareçam mais em bares e associados ao cocktail. Dantes, as campanhas eram de outro género, associando, por exemplo, o single malt a um consumidor mais experiente, hoje sente-se um esforço para chegar a camadas mais jovens e é isso que faz disparar o consumo e a procura mais imediata.”
A PERDIÇÃO DOS COCKTAILS
Os cocktails de whisky também podem ser doces e, claro, estão longe de serem exclusivamente noturnos. Clássicos como o Manhattan, Whisky Sour, Highball, Old Fashioned, Penicillin ou até o mal-amado Irish Coffee são excelentes opções para quem quiser experimentar e começar a vencer preconceitos contra o whisky. Hoje, com novos bares dedicados à arte do cocktail – como o Red Frog ou o Klandestino, em Lisboa, que destacamos nestas páginas –, é mais fácil provar alguns destes clássicos com algum toque de criatividade. É, pois, tempo de dizer não ao “whisky cola”.
WHISKY PORTUGUÊS – PORQUE NÃO?
É tempo de dizer não ao “whisky cola”, provando cocktails como o Old Fashioned do Honorato, o Guerrilheiro do Klandestino, o Say, Banana do Red Frog ou o Whisky Sour do Foxtrot
Ao telefone, Jay Venakki – que não é o seu nome verdadeiro, o qual prefere não revelar, por não querer protagonismo – é
perentório na sua vontade de fazer whisky em Portugal: “Há determinadas condições naturais que promovem a produção de um bom whisky.” Seria um desperdício não as aproveitar. Porém, a marca Venakki não começou pelo whisky. Aliás, o seu whisky ainda está para chegar, em 2020. A destilaria em Alpiarça iniciou esta aventura nas bebidas espirituosas com vodka e gin, porque “a maior parte das pessoas, quando abre uma destilaria, é o que faz”. Explicando melhor: “É como na escola, começas por escrever as letras... Antes de se escrever poesia, tem de se aprender a escrever. O vodka eo gin
são um bocado isso. Fazemos vodka e gin porque são produtos que têm um tempo relativamente curto de produção. Um whisky implica anos.” Depois da vodka e antes do verdadeiro whisky, surgiu a marca Moonshine: “Um whisky
implica anos numa barrica, mas na génese o whisky não é mais do que cerveja, é grão cozinhado, que depois é fermentado, como é basicamente a cerveja. Depois põe-se num alambique e destila-se. E aí tens uma bebida espirituosa de cor branca. É aí que entra a marca Moonshine, uma marca que nos permite fazer coisas experimentais.” Da experimentação já surgiram variantes: Moonshine Original, Moonshine Apple Pie, Moonshine Botanical e Moonshine Whiskey são quatro aventuras aliciantes, nacionais, que não ficam atrás de outros produtos da mesma categoria no mercado. Contudo, a joia da coroa será o whisky 100% malte: “É a categoria-rei no mundo do whisky, um whisky com muitíssimo trabalho com a madeira. As barricas podem contribuir com até 80% do sabor de um whisky e deviam contribuir para 100% da sua cor.” A nova gama, a engarrafar para o ano, chamar-se-á Woodwork – Rare Portuguese Cask. As barricas utilizadas neste whisky nacional são portuguesas e o resultado será engarrafado nos trâmites da
cask strength: “O nível de álcool, nas barricas, chega aos 62,5 a 65%, e nós, no fim do período de maturação, engarrafamos o whisky à força que está. Não diluímos.”
A prática na indústria costuma ser diferente: “Mete-se água até chegar aos 40% de álcool e depois engarrafa-se e vende-se. Nós não faremos isso. Tiramos da barrica, para vender ao grau que estiver. E vendemos barrica a barrica. Cada barrica tem uma história.”
Cada barrica será, portanto, única, e as garrafas sairão em número muito limitado. Jay Venakki quer que o seu whisky faça história e que meta Portugal no mapa do mundo dos
whiskies. Em 2020, conheceremos o seu sabor. ◯