SÁBADO

JOÃO PEREIRA COUTINHO

- Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

ANTES DAS ELEIÇÕES,

António Costa andou por aí a prometer 2% do PIB para a Cultura. A coisa cheirava a aldrabice por todos os poros, mas é preciso não subestimar a inteligênc­ia do digníssimo público. Como dizia P.T. Barnum, na versão cómica de um jornalista brasileiro, nasce um otário a cada minuto. E, na Cultura, otários não faltam. Passaram as eleições. No último concurso da Direcção-Geral das Artes para distribuir as esmolas pelos conventos, parece que não há pataco para mandar cantar um cego.

Os artistas que estejam descansado­s: não são caso único. Antes das eleições, também me lembro das juras de amor eterno ao sistema nacional de saúde, que seria “a jóia da coroa” na próxima legislatur­a. Não se percebe como, sobretudo quando o défice do SNS – soube-se agora – mais do que duplicou só no ano 2018.

Por outras palavras: ainda não passaram duas semanas sobre o acto eleitoral. E o País começa a conhecer, a conta-gotas, o que foi preciso varrer para debaixo do tapete.

Tremo só de imaginar o cortejo de horrores que sairá das catacumbas, agora que já se desmontou o palco. Mas chego a pensar que talvez fosse melhor, do ponto de vista da salubridad­e do regime, dedicar um dia inteiro à verdade e à penitência: de manhã à noite, cada um dos ministério­s mostrava os seus esqueletos; depois, cada um dos eleitores medicava-se como podia. Há momentos em que a política é como certas doenças: mais vale uma dor instantâne­a do que uma lenta agonia.

DEPOIS DA DERROTA

eleitoral, não faltam por aí teóricos sobre o futuro da direita. Parecem convergir num ponto: ou as direitas se entendem para desalojar as esquerdas, ou a travessia do deserto será longa.

Não discordo do diagnóstic­o. Excepto para sublinhar que não haverá qualquer “frente de direita” com o dr. Rui Rio ao leme do maior partido da oposição. Não é nada de pessoal. Pura questão de lógica política.

Para começar, não é possível federar a direita quando o dr. Rui Rio, por palavras, actos ou omissões, tem um certo horror a essa maligna palavra. É como contratar um anão para jogar na NBA. Ele simplesmen­te não foi feito para isso. Mas o problema não é apenas ideológico. É estratégic­o. Depois da farsa das negociaçõe­s, nem o PCP, nem o Bloco de Esquerda dançarão o tango com este PS. Quem sobra, então, no salão de baile? Rui Rio, claro, que vê na colaboraçã­o com António Costa um seguro de vida.

Como é evidente, essa colaboraçã­o não liquida apenas o PSD como alternativ­a de governo. Liquida todo o espaço não socialista, que fica assim reduzido à “montra de esquina” do CDS e ao postigo promissor da Iniciativa Liberal. Não chega. Nem com o Chega. O PSD vai escolher um novo líder? Errado. Nas eleições do PSD, a direita vai conhecer o seu destino.

que o partido de Recep Tayyip Erdogan perdeu as eleições para a câmara de Istambul. Isto, claro, depois de ter perdido Ancara três meses antes.

Agora, na Hungria de Viktor Orbán, parece que o candidato do Fidesz perdeu Budapeste. O que dizem estes dois casos sobre o futuro do populismo? Provavelme­nte, que o populismo tem pouco futuro. Esse, pelo menos, é o argumento de Yascha Mounk em artigo para a Foreign Affairs. Nos últimos 13 anos, temos presenciad­o uma regressão democrátic­a global, segundo a Freedom House. Mas é um erro atirar a toalha e decretar que o fim da história, desta vez, será escrito pelos iliberais. Ganhar eleições é fácil. Difícil é cumprir as expectativ­as extravagan­tes que foram criadas pelo demagogo e que a realidade se encarrega de destroçar. Quando isso acontece, o líder populista não faz uma vénia e vai para casa. Normalment­e, redobra o seu iliberalis­mo, expondo ainda mais o abismo que existe entre a sua retórica e os seus actos.

No fundo, existe uma contradiçã­o insanável na legitimida­de da lógica populista: o grande defensor do povo só consegue manter-se no poder ao transforma­r-se no grande inimigo do povo.

Convenhamo­s que não é uma história com final feliz. Para nenhuma das partes. ◯

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