A “TRAIÇÃO” DE DOMINGOS NÉVOA
Na primeira vez que fala à imprensa, Manuel Rodrigues acusa o sócio de mentir e desviar ativos da empresa.
Em 1994, a mulher de Manuel Rodrigues olhou com desconfiança para a composição do Conselho de Administração (CA) da Bragaparques, formado pelo seu marido e o casal Névoa, Domingos e Florinda. Apesar de ficar em desvantagem na administração da empresa, Rodrigues defendeu o seu melhor amigo: “Ó mulher, deixa lá. Isto é tudo igual. Somos amigos há tantos anos, não acredito que haja traição.” Vinte e cinco anos depois, Rodrigues quer destituir o seu sócio por alegadamente ter desviado 850 mil euros da empresa e por transferir, sem consultar o CA, participações da Bragaparques para uma sociedade sua. “Estava tudo preparado para a traição”, lamenta Rodrigues à SÁBADO, naquela que é a primeira vez que fala à imprensa sobre os desentendimentos na divisão do império milionário Rodrigues & Névoa, um dos maiores do País, que vai da Bragaparques, avaliada em 205 milhões de euros, até à herança e aos galinheiros que têm nas casas geminadas onde moram. A ideia de separação começou em 2013, mais ou menos pacificamente. Manuel Rodrigues exigiu que a sua mulher, Fernanda Serino, fizesse parte do Conselho da Administração, tanto na Carclasse como na Bragaparques. “Decidi fazer pressão. Eu disse ao Sr. Névoa: ‘A tua mulher já fez muitos mandatos, e o nosso acordo verbal era o de mudar. Acabou. A minha esposa também tem de fazer parte.’ Se eu soubesse o que sei… Mas isto da confiança...”, lamenta o empresário. Domingos Névoa não terá aceitado a proposta do amigo. Perante a atitude “quero, posso e mando” do sócio, como descreve, Manuel Rodrigues fez um ultimato: “Ou a minha mulher vai para a administração ou então temos que tomar medidas e fazer as nossas divisões [de ativos].” Foi depois desta conversa que a amizade entre os dois, que durava há mais de 45 anos, começou a desfazer-se. “O Sr. Névoa começou a usar o poder que tinha, quer na Carclasse quer na Bragaparques.”
Dividir um grupo milionário como a Rodrigues & Névoa é uma tarefa
complexa. Entre as mais de 45 empresas e bens imobiliários, o maior conjunto de ativos que está em cima da mesa é a Carclasse (que em 2018 fez quase 193 milhões de euros em vendas e 4 milhões de euros em lucro, de acordo com a base dados Informa) e a Bragaparques (que em 2018 fez 9 milhões de euros em vendas e quase sete milhões de euros em lucro), ambos sempre a crescer de ano para ano.
Os milhões por dividir
Em 2014 começaram a negociar a divisão: pediram a avaliação das empresas a auditoras e começaram a vender e a dividir participações em 2015. A primeira das grandes foi a Carclasse: “Arranjámos quatro auditoras credenciadas, duas nomeadas por mim e duas por ele. Ganharia aquela que tivesse melhor preço”, explica Manuel Rodrigues. As propostas foram apresentadas em carta fechada, numa reunião que terá sido emocional: “Antes de abrirmos as propostas, o Sr. Névoa perguntou se eu estava disponível para ter uma conversa a sós.” Rodrigues anuiu e, depois de as testemunhas e advogados saírem, Domingos pediu-lhe para ficar na Carclasse mais seis meses caso ganhasse. “Eu respondi: ‘Ó Domingos, lamento. Mas se a minha proposta for a ganhadora, eu não te quero lá mais.
Tenho uma equipa para entrar.’ Ele parecia calmo mas agitado. Respondeu-me: ‘Está bem, se é assim, dá-me cinco minutos’”, disse. De acordo com Manuel Rodrigues, terá ido “conferenciar com o diretor financeiro e advogado” e voltou com “uma proposta nova, com a letra dele. Sem dizer qual o valor proposto, por ser “um acordo secreto”, revelou apenas que Névoa apresentou um número 50% acima do seu.
A participação de Manuel Rodrigues foi então transferida para Domingos Névoa. Contudo, ficou acordado que Névoa só pagaria as ações da Carclasse após a venda da Bragaparques, conta Rodrigues. “E mais uma vez a minha mulher me disse: Ó homem, tu estás a facilitar. Queira Deus que amanhã não te arrependas. E ela tinha razão.”
As mentiras de Névoa
A divisão dos ativos imobiliários e de outras sociedades do grupo Rodrigues & Névoa arrastou a negociação da Bragaparques para 2018 – que se tem mostrado ser a mais problemática. À semelhança do que se fez com a Carclasse, as propostas seriam apresentadas em carta fechada, com valores analisados por auditoras da escolha de cada sócio, e ganharia quem tivesse o número mais alto. No dia 26 de março de 2018, foram abertas as propostas: Domingos Névoa ofereceu 65 milhões de euros pela outra metade da Bragaparques, enquanto Manuel Rodrigues apresentou uma oferta de 102,725 milhões, fixando o valor da empresa nos 205,45 milhões de euros. Venceu Rodrigues, com uma diferença de valores que o surpreendeu: “Ele apresentou um valor muito baixo, fiquei estupefacto. Fizemos uma avaliação do valor real das coisas, não queria prejudicar, nem ser prejudicado.”
A partir desse momento, ficou acordado que Manuel Rodrigues teria seis meses para arranjar financiamento para pagar a metade da Bragaparques pertencente a Névoa. Caso não o fizesse no prazo estipulado, Névoa consideraria o contrato nulo e poderia ficar com a empresa pelo valor que oferecera, quase menos de metade do que Rodrigues apresentou. O negócio não aconteceu na data prevista e António Raposo Subtil, advogado de Névoa, disse que Manuel Rodrigues não arranjou financiamento: “Ofereceu um preço muito alto, não conseguiu pagar e teima em não querer desistir.” Manuel Rodrigues diz o contrário: “Arranjámos financiamento do Haitong e Novo Banco e no dia 17 de dezembro, dia da venda das ações da Bragaparques, chegámos ao notário com todos os bancos e o Sr. Névoa não apareceu. Foi uma vergonha, não se fez negócio por capricho!” De acordo com docu- ►
NÉVOA NÃO APARECEU NO DIA DA ESCRITURA DO CONTRATO DE TRANSMISSÃO DA BRAGAPARQUES
mentos consultados, a SÁBADO sabe que ficou registado que Manuel Rodrigues assegurou o financiamento necessário à realização dos contratos acordados com o senhor Domingos Névoa, mediante acordos de natureza privada. No dia da escritura, os representantes dos bancos encontravam-se presentes, e todas as entidades necessárias à sua efetivação. A SÁBADO contactou Domingos Névoa, que não respondeu em tempo útil.
“Desfalque” na Bragaparques
A família de Manuel Rodrigues acusa ainda Névoa de se apropriar, de forma irregular, de dois ativos da Bragaparques. Numa providência cautelar, interposta por Manuel Rodrigues, e um processo de destituição no Tribunal de Famalicão, avançado pela esposa, Fernanda Serino, o clã diz à SÁBADO que o sócio – que tem maioria no CA – terá desviado dinheiro e participações da Bragaparques.
“O Sr. Domingos, através de uma sociedade dele [a Notablebalcony], fez a venda da área ambiente da Bragaparques [Geswater e Criar Vantagens] no dia 10 de julho, sem nenhum pagamento e sem ir a conselho”, diz João Serino Rodrigues, filho de Manuel Rodrigues, que diz também ter detetado 850 mil euros em falta na Bragaparques, “quando fazia uma due diligence (análise de risco de negócio)”, que terão ido para uma conta pessoal de Domingos Névoa.
Já a 26 de agosto de 2019, Manuel Rodrigues dirigiu uma carta ao presidente da mesa da assembleia da Bragaparques, a pedir “a inclusão dos seguintes assuntos na ordem de trabalhos” da reunião de dia 23 de setembro: “deliberar sobre a destituição, com justa causa, do administrador Domingos Gonçalves Névoa” e “deliberar adotar as providências que se mostrem adequadas, bem como intentar todas as ações de responsabilidade que vierem a ser necessárias em face dos atos praticados pelo sócio”. A assembleia-geral para destituição de Domingos Névoa do CA estava marcada para a passada segunda-feira, dia 14, mas acabou por ser adiada para a próxima segunda-feira, dia 21, a pedido do presidente da assembleia-geral, apurou a SÁBADO.
A luta dos herdeiros
Amigos, sócios e compadres, Manuel Rodrigues e Domingos Névoa construíram uma vida juntos ao longo de 45 anos de amizade. Vivem em casas geminadas em Braga, partilhavam o mesmo galinheiro (com mais de 200 galinhas) e “era raro o fim de semana em que não se jantava na casa um do outro”, lembra Manuel Rodrigues. “Comíamos sempre juntos, quando tínhamos oportunidade de jantar. Ao fim de semana era sagrado”, lembrou. Desde que o processo de separação azedou, a irmandade entre os empresários mudou: subiram a vedação que dá visibilidade entre apartamentos – para “aumentar a privacidade”, explica – e as mulheres já não conversam como antes. “Se se encontrarem, cumprimentam-se. Mas não têm mais conversa”, diz Rodrigues. Quando ainda falavam, havia um assunto muito sensível: a de divisão de herdeiros. Como o casal Névoa tem três filhos e o casal Rodrigues tem um, a mulher de Névoa dizia, segundo a família Rodrigues: “O teu filho vai ficar mais rico que os meus.” Névoa achava injusto que os seus três filhos fossem ter direito a apenas um terço de 50% cada um, enquanto o filho único receberia os 50% por inteiro. “Que culpa tenho eu de só ter um filho?! Eu até quis ter mais filhos…”, desabafou. ◯
NÉVOA E RODRIGUES VIVEM EM CASAS GEMINADAS EM BRAGA. QUANDO SE ZANGARAM, AUMENTARAM A VEDAÇÃO