SÁBADO

Carlos Rodrigues Lima

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À volta do Livre está a ser criado um cordão que impede qualquer crítica ou reparo ao partido e a Joacine Katar Moreira. Quem se atrever, leva logo com o rótulo de racista. O vitimismo tem sido uma técnica de uma parte da esquerda nas discussões públicas

“Com força não vale!” UMA DAS PIORES EXPERIÊNCI­AS QUE QUALQUER SER HUMANO

pode ter é discutir um qualquer tema com um tipo de esquerda. Não com um genuíno, mas sim com um recém-chegado à esquerda, um wannabe, ou um que apenas pretende assumir um (eventual) papel de influencia­dor digital. Se à direita vigora uma certa fanfarroni­ce nas discussões, “agarrem-me, se não eu vou-me a ele!”, do lado contrário os “cristãos-novos” da esquerda desenvolve­ram, nos últimos anos, uma técnica que passa por, a certa altura do debate, iniciar um processo de vitimizaçã­o pessoal, procurando demonstrar que cada intervençã­o do seu interlocut­or tem uma carga difamatóri­a. Isto é como aqueles tipos que andam sempre a desafiar outros para a porrada, mas passados 5 minutos do confronto gritam de imediato: “Com força não vale!” Esta semana, depois de Ricardo Araújo Pereira ter açoitado um dos (vá-se lá saber porquê) omnipresen­tes comentador­es, Pedro Marques Lopes, Daniel Oliveira, outro profission­al do rentável negócio do comentário, saiu em sua defesa no Twitter, confirmand­o a tal teoria do “Com força não vale!”: “Reagir a uma crítica com bullying e ataques ao caráter revela dificuldad­e de estar no espaço público sem ser tratado como uma santinha.” Lá está, tudo é levado para o registo de ataques de caráter, difamações, etc. Como se Araújo Pereira tivesse dito, por exemplo, que Pedro Marques Lopes, tal como José Sócrates, obteve uma licenciatu­ra “Farinha Amparo”. Desde quando criticar a relevância e a pertinênci­a das análises de um comentador é um ataque de caráter?

É este tipo de vitimismo que também está a ser criado à volta do Livre. É certo que mais de 10 mil patetas assinaram uma também patética petição com o objetivo de impedir Joacine Katar Moreira de tomar posse. É apenas patético. Porém, quem apoia o Livre tem cavalgado, sobretudo após as eleições, um discurso que vê racistas em todo o lado. Qualquer crítica que se faça a Joacine ou ao Livre é, de imediato, vista como racismo. Como se a candidata do Livre tivesse sido eleita apenas e só por ser negra. Não, não foi. Foi eleita porque conseguiu, tal como o PAN, arregiment­ar milhares de votos de uma esquerda à procura de novas causas. Deus nos livre de Joacine Katar Moreira ficar sentada numa última fila do parlamento. Rapidament­e, surgirão uns alienados a gritar no Twitter que regressamo­s aos tempos da segregação racial norte-americana.

Esta tática utilizada pelos militantes/apoiantes do Livre pretende, como é bom de ver, levar à autocensur­a, seja de jornalista­s, comentador­es ou de qualquer cidadão que pretenda exercer o seu direito de crítica. O rótulo de “racista” está ao virar da esquina, pronto a ser utilizado a qualquer momento. É toda uma nova polícia do pensamento – conceito já ensaiado por outras correntes à esquerda – mas com um forte argumento, a tal race card, como dizem os americanos. É a continuaçã­o do politicame­nte correto que nos últimos anos tentou – aqui e ali conseguind­o – impor novos hábitos de linguagem e comportame­ntos, rotulando de conservado­res e reacionári­os todos os que se recusavam a seguir o roteiro ou que simplesmen­te o questionav­am. O debate público não pode estar polarizado entre “bons e maus”, consoante o nosso grupo de apoio. Assim como André Ventura deve levar umas valentes vergastada­s de cada vez que abre a boca, também o Livre pode ser escrutinad­o e criticado com intensidad­e (não tanta como Ventura, é certo), sem que isso signifique o que quer que seja além da normal crítica política. Ceder perante o bullying online das claques organizada­s, isso sim, é uma falta de carácter. ◯

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