A ILHA OCIDENTAL NO MAPA SOVIÉTICO
Após a Segunda Guerra Mundial, Berlim ficou dividida em quatro setores, dentro do território da Alemanha de Leste controlado pela URSS. O muro veio depois.
As condições para a construção do Muro de Berlim começaram a ser criadas nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial, vencida em 1945 por inimigos naturais
que se haviam aliado para derrotar Hitler. A guerra matou um milhão e meio de berlinenses. Assim que acabou, os soviéticos – na altura os únicos ocupantes da capital alemã – pilharam o equipamento industrial pesado e enviaram-no para a URSS. A cidade não conseguia praticamente sustentar-se a si própria, e uma Guerra Fria começava quase de imediato. Vários tratados já haviam determinado o futuro de Berlim: seria dividida em quatro setores, cada um administrado por representantes dos EUA, Grã-Bretanha, França e União Soviética. Segundo estes acordos, toda a cidade, incluindo os setores ocidentais, ficaria em território da Alemanha de Leste controlado pela URSS. Era um plano impossível que só podia causar atritos. Em 1946, os russos vetaram as primeiras eleições livres após a derrota nazi. Dois anos depois adotaram uma estratégia mais
extrema, tentando matar à fome os aliados em Berlim. O bloqueio que impuseram podia ter provocado uma guerra, se as potências ocidentais não estivessem cansadas de lutar. Durante quase um ano, as áreas controladas por americanos, britânicos e franceses subsistiram como se fossem uma ilha, abastecida apenas por via aérea. Assim nasceu uma nova cidade: Berlim Ocidental, que se tornaria o “ponto mais vulnerável” entre o leste e o oeste da Europa.
Em 1 de dezembro de 1946, ergueu-se uma Cortina de Ferro, feita de cimento, arame farpado, alarmes, torres de vigia e vedação elétrica, que se estendia ao longo de 1.400 km entre a Alemanha de Leste e a Alemanha Ocidental, e também entre a Hungria e a Áustria. Em maio de 1952, Estaline delimitou as fronteiras da Guerra Fria, que, em 1959, já eram controladas por milhares de guardas. A Cortina de Ferro tinha, porém, um “defeito”: em Berlim, onde havia livre circulação entre os setores oriental e ocidental, era fácil aos alemães de Leste ter um passaporte para a liberdade.
Em 1961, o número de pessoas que fugiam para Oeste já ultrapassava os cinco milhões. O êxodo deixou o Leste com cada vez menos trabalhadores qualificados e agravou as dificuldades económicas. Nem a venda pelos soviéticos de mais de 50 toneladas de ouro para fazer face a esta perda de capital humano abrandou a corrente migratória.
No final de 1958, Nikita Khrushchev, sucessor de Estaline na liderança da URSS, decidiu apertar “os testículos do Ocidente”, como ele descrevia Berlim. Exigiu às potências ocidentais uma retirada total, anunciando a intenção de assinar um tratado separado com a Alemanha de Leste, o que, na prática, permitiria a Moscovo controlar todos os acessos a Berlim Ocidental. Numa era já atómica, as palavras de Khrushchev foram entendidas como uma ameaça de guerra nuclear. Em 1961, incapaz de conter a fuga de alemães do Leste para o Oeste e com um inexperiente John F. Kennedy na Casa Branca, o irascível senhor do Kremlin decidiu dar ouvidos a Walter Ulbricht, líder da Alemanha de Leste, que tinha vários conselhos para forçar a “rendição” das potências ocidentais. Em março de 1961, Ulbricht ordenara ao seu “número de dois”, Erik Honecker, que armazenasse arame farpado e blocos de cimento armado para construir uma gigantesca barreira à volta de Berlim Ocidental. Ideólogo formado na Escola Internacional Lenine em Moscovo, Honecker já sonhava com um muro desde 1953, quando uma revolta operária levou à fuga de jovens comunistas. As tensões agravaram-se a partir de junho de 1961, sobretudo depois de uma cimeira entre Kennedy e Khrushchev ter “corrido muito mal” para o Presidente dos EUA, como ele próprio confessou. O líder soviético começou a falar em “libertar” Berlim Ocidental. Ulbricht exprimiu o desejo de a “estrangu
lar”. Em 25 de julho, Kennedy falou ao país pela televisão: “Não podemos permitir que os comunistas nos expulsem de Berlim, seja gradualmente ou pela força.” Depois de ler a transcrição do discurso, Khrushchev teve um ataque de fúria. Ameaçou com uma resposta “termonuclear”, segundo um diplomata americano. Uma semana depois convocava uma reunião de líderes do Pacto de Varsóvia para 3 a 5 de agosto, em Moscovo. No entanto, de todos os conselhos que Ulbricht lhe dera – desde cortar os acessos ao aeroporto de Berlim Ocidental com balões gigantes até bloquear os canais de comunicação usados pelos controladores aéreos –, Khrushchev só aceitou um: isolar Berlim Ocidental com arame farpado. E foi isso que começou a ser feito por polícias e soldados do Leste em 13 de agosto de 1961, um domingo, depois de um telefonema de Erich Honecker para o exército na noite anterior. No último dia antes de a vedação ficar concluída, mais de 2.500 pessoas fugiram do Leste (a 23 de agosto, a fronteira seria completamente fechada). Em Washington, pressentindo o início do fim da crise, Kennedy comentou: “A wall is a hell of a lot better than a war” (Um muro é muito melhor do que uma guerra).
A vedação tornar-se-ia, posteriormente, um verdadeiro muro de cimento, com cerca de 155 km e mais de 3 metros de altura. Em constante renovação, sobretudo a partir de 1979, cruzava 24 km de rios, 20 km de bosques e mais de 37 km de áreas residenciais. Interrompia o trajeto de 32 linhas férreas urbanas, 4 de metro, 3 autoestradas e 192 ruas e avenidas, entre Berlim Leste e Berlim Ocidental e entre a RFA e a RDA. Acompanhava-o uma “faixa da morte”, constituída por um fosso, gradeamentos e cercas elétricas, sistemas de alarme, 302 torres de vigia, 20 bunkers e uma faixa rodoviária por onde circulavam, 24h por dia, veículos militares, cães-polícia e soldados munidos de armas automáticas com ordens para atirar a matar.
A primeira vítima, a 17 de agosto de 1962, foi Peter Fechter, um jovem alemão de 18 anos, alvejado quando tentou escalar o muro. A última, em 2 de junho de 1989, foi Chris Gueffroy, de 20 anos.