AS NOVAS “CORTINAS DE FERRO”
Em 1989, quando o Muro caiu, previa-se que a globalização conduziria a “um mundo sem fronteiras”. Não foi o que aconteceu. Terminada a Guerra Fria, sobreviveram 12 muros. Nas décadas seguintes, sobretudo depois dos atentados de 11 de Setembro e das “primaveras árabes” de 2011, mais do que triplicou o número de barreiras, vedações e fortificações. Serão agora pelo menos 70 no mapa mundial do século XXI. Destacamos as principais. 1 ESTADOS UNIDOS | MÉXICO
Praticamente não existiam barreiras físicas ao longo da fronteira de 3.200 km que se estende do Golfo do México, no Texas, ao oceano Pacífico, na Califórnia, quando Bill Clinton começou, em 1994, a fechar algumas zonas de passagem nos EUA para travar a entrada de drogas e de migrantes. Primeiro entre El Paso e Ciudad Juaréz, depois entre San Diego e Tijuana e a seguir no Arizona. Após os atentados de 11 de Setembro de 2001, veio o receio de que terroristas se pudessem infiltrar através das regiões mais remotas usadas por migrantes económicos. Em outubro de 2006, George W. Bush assinou uma lei autorizando a construção de mais de 1.000 km de barreiras, com vedações reforçadas, câmaras, projetores e sensores. Houve quem duvidasse da viabilidade do projeto, em parte porque os custos por quilómetro (1 a 2 milhões de dólares) eram proibitivos. Donald Trump chegou à Casa Branca em 2016 com a promessa de construir um muro e obrigar o México a pagá-lo. Inicialmente, queria que cobrisse toda a fronteira, mas depois esclareceu que seria apenas metade, confiando a segurança da restante à natureza (montanhas, rios, etc.). Até maio de 2019, tentando impor ao Congresso de maioria democrata a sua xenófoba agenda anti-imigração, o republicano Trump garantiu
fundos de 6.100 milhões de dólares para edificar e renovar mais de 540 km de barreiras. As primeiras construções arrancaram no Vale do Rio Grande, Texas. Ninguém sabe bem qual será o custo final do muro ambicionado por Trump, descrito pelo arquiteto Ronald Rael, professor na Universidade da Califórnia, como “um território de paradoxo, horror, transformação e fluxo, numa escala maior do que a do Muro de Berlim”. As estimativas variam entre 12 mil e 70 mil milhões de dólares. Uma sondagem do Pew Research Center revelou, entretanto, que uma maioria de americanos (58%) se opõe à expansão do que Bush iniciou.
2 BRASIL
Constituída por 16 condomínios fechados em Barueri, na Grande São Paulo, com cerca de 60 mil moradores, Alphaville é uma comunidade rodeada por 64 km de muros, que existe desde 1978. O projeto foi concebido para elites urbanas cansadas da criminalidade. Em Alphaville 3, por exemplo, onde, em 2013, viviam cerca de 4.000 pessoas protegidas por 60 guardas privados e apoiadas por unidades da polícia militar estacionadas nas redondezas, o muro estende-se por 4 km e tem 2,5 m de altura.
3 CEUTA | MELILLA
Europa e África estão separadas em Ceuta e Melilla, dois enclaves espanhóis na costa marroquina, por muros paralelos com 6 m de altura, cobertos de lâminas de arame farpado, com torres de vigia, caminhos militares, sensores subterrâneos de ruído e movimento, câmaras de videovigilância e equipamento de visão noturna. O muro de Ceuta estende-se por 8 km e o de Melilla por 11. Foram construídos em 1998 e custaram milhões de euros. Embora tenham contribuído para diminuir o número de migrantes, a realidade é que centenas continuam a chegar aqui para tentar entrar na União Europeia. Estatísticas oficiais indicam que 3.344 menores não acompanhados chegaram a Ceuta em 2018, a maioria proveniente de Tétouan e Tânger (Marrocos). Porque muitos ficam gravemente feridos ao tentar escalar os muros, o Governo espanhol anunciou este ano que vai elevar as vedações para 10 m de altura, substituir o arame farpado por “material menos perigoso” as câmaras de vigilância por sistemas de reconhecimento facial.
4 MARROCOS | SAHARA OCIDENTAL
A mais antiga e longa “barreira de segurança” em funcionamento – um muro de areia e pedra, com rolos de arame farpado, bunkers e campos de minas – separa o Reino de Marrocos do Sahara Ocidental (o outrora Sahara Espanhol) – a “última colónia em África”. Neste território perdura um conflito iniciado em 1973, quando a Frente Polisário iniciou a resistência ao domínio de Madrid. Em 1975, o ditador Franco firmou um acordo secreto, dividindo a sua antiga possessão entre Rabat e Nouakchott. Pressionado pela Marcha Verde de 35 mil “voluntários” mobilizada pelo Rei Hassan II para ocupar o que, em 1976, seria proclamada como República Árabe Saharaui
Democrática, o generalíssimo preferiu ignorar um apelo da ONU a um referendo sobre a autodeterminação. Com menos homens e armas, a Polisário, apoiada por Argel, forçou a retirada das tropas mauritanas em 1979 e destruiu várias unidades militares marroquinas em arrojadas operações de guerrilha. Perante repetidos reveses, Rabat mudou de estratégia com a ajuda de França, Israel (que forneceu a tecnologia) e dos EUA: a cada conquista na sua frente oriental ia erguendo muros com minas terrestres, para assegurar o controlo. Em 1991, quando as Nações Unidas negociaram um cessar-fogo e enviaram uma força de paz para a região, já haviam sido erguidos seis muros, numa extensão de quase 6.500 km.