A GUERRA FRIA EM CINCO FILMES
DR. STRANGELOVE 1964
Comédia de um negro carvão, coescrita pelo sátiro Terry Southern e gerida pelo perfeccionismo maníaco de Stanley Kubrick, marcou uma época na denúncia do absurdo de uma guerra sem fim, presa por fios a ogivas capazes de destruir a Humanidade (e a humanidade que nos resta). Peter Sellers é antológico num triplo papel – que inclui o ex-cientista nazi do título – e Sterling Hayden (Johnny Guitar) quase rouba o filme como um general, Jack D. Ripper (o nome diz tudo), que deseja triturar os russos na mesma voracidade com que mastiga o seu charuto. Quando estreou, a crise dos mísseis de Cuba ainda estava fresca na memória.
GOOD BYE LENIN! 2003
Em 1989, um ativista da RDA (Daniel Brühl) protesta contra a opressão do regime, provocando um ataque cardíaco na mãe, pondo-a em coma. Quando ela acorda meses depois, o muro de Berlim já caiu e a RDA deixou de existir, mas o ativista tem pânico de suscitar novas comoções à progenitora, decidindo fingir que a Alemanha de Leste se mantém inalterada. Farsa deliciosa, baseia-se livremente nos últimos dois anos de vida de Lenine – mas poderia ser Salazar...
O BEIJO FATAL 1955
O melhor filme do truculento Robert Aldrich é o relato febril, em pinceladas expressionistas, da busca do detetive Mike Hammer por uma mala que contém segredos capazes de multiplicar vítimas pelos passeios. Expoente do filme negro quando este já se mostrava moribundo, funciona como formidável parábola da paranoia da Idade Atómica. Influenciou gerações de cineastas, incluindo David Fincher e Tarantino.
AS ASAS DO DESEJO 1987
Na sua mais imortal colaboração com o escritor Peter Handke, Wim Wenders oferece-nos um olhar levitado e gracioso sobre a condição humana pelas mãos – e pelas asas – de um anjo, Damiel (Bruno Ganz), que anseia pela mortalidade após se apaixonar por uma trapezista (Solveig Dommartin). Peter Falk reensina-nos o gosto pelas coisas simples, e a cidade ainda aprisionada ao muro liberta-se (filmar junto ao muro de Berlim era proibido, e Wenders teve de construir excertos de uma réplica).
AS VIDAS DOS OUTROS 2006
Sucesso artístico e comercial irrepetível (o realizador, Florian Henckel von Donnersmarck, nunca mais demonstraria os dotes aqui revelados), é a história tocante, entre o melodrama e a denúncia de um regime autofágico, de Gerd Wiesler (o inesquecível Ulrich Mühe), agente da Stasi que acaba por se envolver emocionalmente com o escritor e a atriz que vigia. Em sombria ressonância da ficção, Mühe acusaria a ex-mulher, a também atriz Jenny Grollmann, de o ter espiado para os serviços secretos da RDA.