“O MEU GOLO FOI USADO COMO BANDEIRA DO REGIME COMUNISTA”
Jürgen Sparwasser, autor do golo na histórica vitória da RDA sobre a RFA no Mundial de Futebol de 1974, consegue evadir-se em 1988, um ano antes da queda do Muro. “Já não aguentava tanta mentira e propaganda enganosa.”
Hamburgo 74 significa o quê para si? Preferia que não tivesse sido golo?
Digamos que esse golo causou-me mais problemas do que benefícios. A partir do momento em que bati Maier, a minha vida mudou. E eu corri como um maluco a julgar que tinha feito uma grande coisa. À medida que os anos foram passando, percebi algumas coisas. No plano desportivo, a RDA ficou em primeiro lugar do grupo e foi parar ao grupo da segunda fase com Holanda, Brasil e Argentina, enquanto a RFA evitou esses tubarões e meteu-se num grupo mais acessível. Fora o resto. [A RFA, país anfitrião, conquistaria o título mundial em 1974].
Qual resto?
Isso agora... é muita coisa. Era imensa a contestação ao regime da RDA, mas feita por uma maioria silenciosa. Mais de metade da população da RDA apoiava a RFA. Acredita que depois desse golo fui assobiado nos estádios da RDA? [Sparwasser jogou no Magdeburgo, o seu único clube, entre 1965 e 1979 e marcou dois golos ao Sporting na meia-final da Taça das Taças, 1973/74].
Outros tempos, não é?
Acredita que esse golo foi utilizado como bandeira do regime comunista e que me impediu, por exemplo, de aceitar uma proposta do Bayern de Munique? Porque eu era a cara da RDA, era filho de uma família trabalhadora e desprezava o luxo e o dinheiro. E aquela história de me terem dado uma televisão, um carro e uma casa pelo golo à RFA é mentira. O futebol nunca me enriqueceu. Nem podia.
Por isso é que se evadiu em janeiro de 1988, aproveitando um torneio de veteranos na RFA?
Sim, já não aguentava tanta mentira e propaganda enganosa. O início do fim foi quando tentaram usar-me. Eu era professor na Universidade Pedagógica de Magdeburgo e queria fazer a tese de doutoramento. No fim dos anos 80, a contestação estava cada vez mais forte e eles [do regime] ofereceram-me o cargo de treinador do Magdeburgo [com fortes conotações políticas]. Recusei e impediram-me de fazer a tese. Eles nunca se importaram com a nossa vontade, desejo ou
E porque não se evadiu antes?
Houve oportunidades, de facto, como os jogos do Magdeburgo em Munique, ou os da seleção da RDA no estrangeiro. Mas o regime da RDA não deixava as mulheres acompanharem os jogadores nessas viagens. Alguém ficava em casa. Portanto, nunca faria uma coisa dessas, a não ser que a minha mulher estivesse do outro lado do muro. Como não estava, tinha de jogar pelo seguro. Mas é preciso dizer que aquele plantel do Magdeburgo foi uma experiência única. Estávamos todos no mesmo saco, rimos e chorámos juntos. Essa convivência não tem preço.