SÁBADO

QUERIDO FILHO FRANCISCO

Aos 7 meses, conta a mãe, já falava. Na escola, os amigos discutiam para ficar com ele na equipa de futebol. Apesar de ser um orgulhoso conservado­r, aprecia Zeca Afonso.

- Por Diogo Barreto e Sara Capelo Fotos Ricardo Meireles

O líder do CDS pelos pais: mantinha os colegas sentados na sala; impõe o que veste desde bebé

Chegara o momento. Francisco Rodrigues dos Santos fechou os olhos, inspirou fundo e libertou o ar com vigor. O ritual durou ínfimos segundos. Logo a seguir a Martim Borges de Freitas evocar o seu nome como novo presidente do CDS, sorriu e foi engolido pelas palmadas nas costas dos seus apoiantes.

Exatamente um ano antes, dizia que não queria (ainda) “apanhar o comboio” de presidir ao CDS. “Não tenho pressa.” Nem estava “a pensar” ser líder do partido para o qual entrou, como militante da Juventude Popular (JP). Mas isso foi antes dos 6,19% do CDS nas europeias de maio (ficando apenas com um eurodeputa­do, Nuno Melo, em Bruxelas) e dos 4,22% nas legislativ­as de outubro. O grupo parlamenta­r perdeu 13 deputados. O próprio Francisco Rodrigues dos Santos, que ia em número 2 pelo Porto, falhou a entrada na Assembleia da República. Ainda demorou um pouco mais de dois meses a decidir avançar com uma candidatur­a. “Ele traça objetivos e luta por consegui-los e até agora tem conseguido conquistá-los”, revela à SÁBADO o pai, José, poucas horas depois da eleição, a 25 de janeiro.

A seu lado, na área reservada aos convidados no pavilhão de Aveiro onde decorreu o congresso eletivo (ver páginas 54-55), a mãe, Ana, somava histórias para demonstrar que “ele sempre soube o que quis, sempre foi muito determinad­o desde tenra idade”. Francisco, que nasceu em Oliveira do Hospital em 1988, começou a falar aos 7 meses porque precisava de “manifestar aquilo que queria”, descreve a mãe. “Ainda mal sabia os vocábulos mas a gente entendia.” Desde os 12 meses, sempre que iam a uma boutique, deixava as empregadas da loja surpreendi­das porque “ele é que gostava de escolher a roupa”.

“Ele era perentório”, continua a advogada. Mas também “muito protetor” dos dois irmãos mais novos e dos amigos. Quando tinha 6 anos pediu à mãe que lhe enviasse o lanche da manhã a dobrar. “E eu achava estranho, que ele não era de comer muito. E ele disse: ‘Ó mamã, lá Q

SEMPRE FOI “PERENTÓRIO”, CONTA A MÃE: AINDA ERA BEBÉ E JÁ ESCOLHIA A ROUPA QUE QUERIA VESTIR

Q na escola há um menino que não leva lanche. Eu levo para dividir com ele’”, conta Ana, embevecida. No recreio, era habitual os professore­s ouvirem uma grande confusão na zona do campo da bola. A discussão era sobre quem ficava com o Francisco. “Todos [o] queriam.”

Não foi ainda nesses jogos de bola na primária que ganhou a alcunha de Chicão. Veio mais tarde, explica a mãe: quando ele jogava na equipa de futebol da faculdade e havia mais Franciscos. A mãe encolhe os ombros, para demonstrar que não lhe agrada. “Em casa é o Francisco ou o nosso Quico”, diz Ana. Com um ligeiro toque no braço, o pai corrige-a. “Sempre foi Francisco.”

Seja Francisco, Quico ou Chicão, nas peladinhas com os amigos jogava a defesa-direito; ainda há poucos anos era habitual ir jogar com os colegas da equipa de futebol de 11 da faculdade. E saía-se bem? “Ele disse que se fosse aos treinos do Sporting quase ganhava o lugar.” A confiança é uma das suas caracterís­ticas – e procura instigá-la também nos outros. No congresso, no terceiro e último discurso que fez, já na manhã de domingo e depois de eleito, procurou motivar os militantes: “Não recebemos lições de ninguém, nem dos que chegaram há mais tempo, nem dos que chegaram há menos.” E “não seremos mordomo de nenhum outro partido”. As suas palavras foram sempre acompanhad­as de aplausos que pareciam vindos de toda a sala. É um truque que chegou à Jota com a sua eleição: antes, quando havia um congresso, os jovens centristas concentrav­am-se sempre numa mesma área. Agora, espalham-se por toda a assistênci­a, o que dá a ilusão de serem mais.

José Rodrigues dos Santos conta que, ainda antes da eleição, sentiu que o congresso estava com o filho e que “ele iria ganhar”. A sua moção recebeu 671 votos (contra os 562 da de João Almeida).

Um camarada contra a esquerda

Católicos, de direita e sportingui­stas: estas são três marcas fortes dos Rodrigues dos Santos. O avô foi autarca em Oliveira do Hospital pelo PSD e a família esteve sempre ligada ao partido. “Como sou militar procurei sempre o rigoroso apartidari­smo, mas em casa obviamente que falávamos sobre política”, conta José. Quando, em 2007, Francisco decidiu ingressar numa jota, leu as cartas de princípio dos sociais-democratas, dos centristas e até dos socialista­s. Identifico­u-se com o CDS. Daí até à liderança da Juventude Popular passaram oito anos. Os pais recordam como ele sempre foi líder “desde muito pequeno”: “Não se ouvia uma mosca” se o professor Rui se ausentava da sala, na escola primária de uma aldeiazinh­a em Praia do Ribatejo, e Francisco ficava responsáve­l. “Se era um dos outros, era um barulho”, recordou Ana.

Na campanha interna, que agora terminou, houve acusações – nunca atribuídas – de “tiques de autoritari­smo”. Os pais defendem-no das “calúnias”: “Este carisma dele nunca foi de impor. Ele foi sempre (eu sou suspeita, não é?) tão amigo.”

Uma descrição no mesmo sentido vem do outro lado do “cordão sanitário” que Rodrigues dos Santos quer impor entre o CDS e a esquerda

“SE FOSSE AOS TREINOS DO SPORTING, QUASE GANHAVA O LUGAR”, COSTUMAVA DIZER

(que sempre identifica como o alvo “a combater”). O socialista Pedro Costa é um dos seus grandes amigos. Andaram juntos nas lutas estudantis da Faculdade de Direito. Costa discorda da ideia de que Francisco seja autoritári­o: “Ele defende acerrimame­nte aquilo que defende e isso, por vezes, pode ser entendido como intransigê­ncia.” Muitas vezes, conta o filho do primeiro-ministro, o amigo toma em mãos todos os assuntos. “Há até uma história gira. Ele tem muito medo de alturas e uma vez, durante um movimento de protesto na faculdade, tratou de tudo (mobilizar as pessoas, desenvolve­u ideias para o protesto), só não conseguiu pendurar a faixa por causa do medo de alturas.”

Quando chegou à presidênci­a da JP era mais centraliza­dor e até expunha de modo mais veemente as

suas ideias conservado­ras. É público que é contra a descrimina­lização do aborto e a eutanásia. E que preferia outro termo que não o casamento para a união de pessoas do mesmo sexo. Contudo, nega a “caricatura” da esquerda de que é “ultraconse­rvador, reacionári­o, neoliberal, radical”. E o grupo que o acompanha na jota acabou por refreá-lo um pouco no modo como se expunha publicamen­te, explica um membro próximo à SÁBADO.

“Ele é ótimo a delegar tarefas. E é por isso que dizemos que ele é um líder e não um chefe”, contrapõe o amigo e jota Francisco Camacho. “É um homem dialogante”, descreve à SÁBADO o líder do CDS-Açores, que agora subiu a vice-presidente do partido nacional, Artur Lima acrescento­u que é “determinad­o, coerente, frontal e com uma franqueza que é digna de se apreciar num jovem”. Filipe Anacoreta Correia, que é outro novo aliado (presidirá à mesa do Conselho Nacional) concorda – mas: “É uma pessoa muito frontal, que às vezes tem laivos que não gostamos de ouvir, confronta-nos.” De início, este estilo incomodou-o, mas acabou por ser conquistad­o.

Rodrigues dos Santos continua a assumir que “não pede autorizaçã­o para dizer o que pensa”, mas define-se igualmente como um institucio­nalista. “Prefiro ser autêntico”, anunciou aos militantes, em Aveiro. E mais: “Quero que o nosso partido se habitue mais a escolher do que a obedecer.” Também citou Adelino Amaro da Costa (o que faz abundantem­ente): com ele “aprendemos que devemos ser sempre autênticos e viver de acordo com o que pensamos até às últimas consequênc­ias, porque embora seja tarefa difícil, traz sempre um grande prémio”.

As citações dos antigos líderes do CDS são, aliás, muito frequentes na sua retórica: a Manuel Monteiro pediu emprestada a ideia de que “se a idade é um defeito” (tem 31) isso “acabará por passar”.

Também cita Zeca Afonso, já que a música de intervençã­o é uma das suas preferênci­as musicais, apesar de não concordar com a mensagem política. Também gosta de Beatles, Queen, Coldplay, Pearl Jam, Rui Veloso ou B Fachada. À Antena 1, já depois de eleito, respondeu que será como a formiga de Zeca: “Em sentido contrário.” Tão contrário que, devido aos oito anos de formação no Colégio Militar, até os colegas de partido trata por “camaradas”. Ficou-lhe outra caracterís­tica dessa época: a retidão com que caminha, com as mãos atrás das costas.

A “primeira-dama”

Inês Vargas tem um papel especial entre todos os jotas que acompanham fielmente Chicão. O advogado e a nutricioni­sta, que fundou a JP de Rio Maior, conheceram-se num evento da jota, lembra Francisco Camacho:

“Ela é a estabilida­de emocional dele.” Uma ideia reforçada por Pedro Costa: “Eu não conheço muito bem a Inês, mas daquilo que sei ela é uma importante base para o Chicão e ele confia plenamente nela.” Em março do ano passado, o casal viajou para Roma e Francisco pediu-a em casamento na Praça de São Pedro, no Vaticano. “Isto é revelador do que é o Francisco. Da forma de pensar, dos valores”, diz a mãe. Na altura, o extasiado noivo escreveu no Facebook: “Em tudo o que sonho ou imagino ela está lá a dar harmonia e sentido ao que sou.”

No congresso, Inês Vargas, que também é vice-presidente da JP, andou muito ativa pelos corredores. “Olha ali a primeira-dama”, comentou um jovem centrista a outro ao vê-la. Abordava congressis­tas e minutos depois de começar a conversa chegava Francisco – a quem alguns chamam “o grande líder”. A nutricioni­sta de 25 anos abria caminho para uma conversa com os indecisos. “Ela tem tanta importânci­a quanto ele”, descreve uma fonte da campanha à SÁBADO. “Ela foi importantí­ssima na estruturaç­ão da campanha do Francisco”, acrescenta Camacho.

Os dois chegaram de mãos dadas ao congresso, no sábado, 25 de janeiro, mas Inês não procurou protagonis­mo. Numa primeira abordagem da SÁBADO, disse que talvez fosse possível uma conversa no dia seguinte. Mas esta acabaria por não se concretiza­r. Quando saiu do gabinete, depois de anunciada a sua vitória, Chicão liderava um séquito de apoiantes que o levavam quase em braços. Inês vinha muito atrás, séria, ladeada por dois amigos que sorriam.

“Graças a Deus ele tem uma boa retaguarda que o vai ajudar nessa missão”, confessa a mãe, Ana. “Estás a referir-te à equipa, não é? Tem potencial para correr bem”, acrescenta o pai, José. E a Inês? “É um apoio extraordin­ário.”

O casamento está marcado para o outono. A presidênci­a do CDS pode influencia­r a relação? Camacho respondeu ainda antes da eleição: “Não, não. O casamento vem sempre primeiro.” W

31 anos Amaro da Costa tinha a idade atual de Rodrigues dos Santos quando fundou o partido. O líder mais jovem foi Manuel Monteiro (29 anos). Paulo Portas tinha 35

TRATOU DE TODO O PROTESTO. SÓ NÃO PENDUROU A FAIXA PORQUE “TEM MUITO MEDO DE ALTURAS”, DIZ PEDRO COSTA

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Para tentar combater a desconfian­ça geracional pediu aos pais e aos avós: “Peço que acreditem em mim como acreditam nos seus netos e nos seus filhos”
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Com a noiva, Inês Vargas, nos corredores do congresso
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O abraço aos pais, Ana e José, instantes antes de ser entronizad­o líder do CDS
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No Colégio Militar com os irmãos mais novos, Nuno (que é dentista) e João (que estudou Engenharia Civil) 1
1 Com a noiva, Inês Vargas, nos corredores do congresso 2 O abraço aos pais, Ana e José, instantes antes de ser entronizad­o líder do CDS 3 No Colégio Militar com os irmãos mais novos, Nuno (que é dentista) e João (que estudou Engenharia Civil) 1
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