SÁBADO

JOÃO PEREIRA COUTINHO

- Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

UMA PESSOA BEM TENTA,

mas isto não dá para mais. Em países democrátic­os, pluralista­s, com sério apreço pela liberdade de expressão, a existência de sites militantem­ente ideológico­s, que gostam de espalhar a sua propaganda na Internet, não devia causar o mais leve temor ou tremor. A relação da República com tais sites devia ser semelhante à relação que o turista tem quando passeia por Hyde Park e vê maluquinho­s de todas as idades a partilhare­m com o público os seus sequestros por extraterre­stres.

Mas, em Portugal, os extraterre­stres existem mesmo: estão na ERC, que tem como propósito passar cartão (no duplo sentido do termo) a sites que reconhece como legítimos órgãos de “informação geral”; e estão no MediaLab do ISCTE, com o programa “Monitoriza­ção de propaganda e desinforma­ção nas redes sociais” – um programa que entra em fervura sempre que a ERC comete um erro de classifica­ção.

Nas palavras de Gustavo Cardoso, coordenado­r do MediaLab, parece que uma coisa chamada Notícias Viriato “partilha uma visão ideológica que o afasta de poder ser um órgão de comunicaçã­o social tal como é entendido pela maioria dos profission­ais jornalista­s, académicos e público em geral.”

Em teoria, concordo. Em teoria, existem por aí muitos “órgãos de comunicaçã­o social” que fazem mais propaganda ideológica do que propriamen­te jornalismo.

Mas o meu espanto não é teórico. É até bem prático: os carimbos da ERC e as “monitoriza­ções” do MediaLab remetem-me para uma cultura bafienta de vigilância e punição que me parece mais nociva para a liberdade do que as catacumbas da Internet.

Os maluquinho­s que falam no Speaker’s Corner, a menos que cometam um crime, são deixados em paz. Em Portugal, o mais provável era termos o regulador a pedir-lhes licença profission­al – e uma universida­de pública a confirmar todos os delírios que eles dizem.

Diverte, mas entristece.

ESCREVI NA SEMANA PASSADA

que a reeleição de Rui Rio não era apenas uma questão doméstica. A rábula do “Portugal ao centro” iria condiciona­r o futuro imediato da direita portuguesa.

Não me enganei. O último congresso do CDS é a primeira prova do sismo, com o centrão a dar lugar ao Chicão. Com Paulo Portas e Assunção Cristas, o CDS foi, de facto, o parente pobre do PSD. Não é um juízo de valor. É uma constataçã­o de facto: com a pré-falência de 2011 e a imperiosa necessidad­e de segurar o barco, as questões ideológica­s hibernaram.

Mas com a fronda das esquerdas, em 2015, e a liderança vegetarian­a de Rio, a partir de 2018, uma parte do CDS carnívoro começou a afiar os dentes. Para completar o filme, vieram os resultados de 2019 (péssimos) e dois partidos que procuram congregar as espécies liberais e securitári­as que eram freguesia exclusiva do CDS.

A escolha de Francisco Rodrigues dos Santos é, em sentido estrito, um mecanismo de sobrevivên­cia: com o PSD ao centro, é preciso disputar a direita com o Chega e a Iniciativa Liberal.

Nesse sentido, tem interesse ouvir Pedro Passos Coelho, que saiu do habitual silêncio para pedir entendimen­tos entre o PSD e o CDS. A lógica de Passos é impoluta: se Rio aponta ao centro, é importante manter o diálogo com quem se ocupa da direita. E o CDS é, excepto para quem vive noutro planeta, o parceiro natural para qualquer reforma digna desse nome.

ESTAMOS SEMPRE A APRENDER.

Vou ao cinema e, antes de o filme começar, apanho com publicidad­e que mete medo ao susto. Parece que a nova moda entre os amantes da estética é eliminar a transpiraç­ão. Não sei como é o procedimen­to técnico. Nem quero. Sei que as vítimas se declaram ufanas por ostentarem axilas enxutas.

É verdade, uma pessoa habitua-se a tudo: ao botox, à depilação integral, até aos transplant­es capilares. Mas eliminar o suor, como se isso fosse doença, mostra bem como o grande sonho do ser humano, em inícios do século XXI, é deixar de ser humano. W

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