SÁBADO

Editorial

- Diretor Eduardo Dâmaso

Ainda a propósito do caso de Isabel dos Santos e do Luanda Leaks, nunca deixa de nos surpreende­r a profundeza da hipocrisia humana. Bem sabemos que os nomes de advogados, financeiro­s e bancários, ou mesmo empresário­s, revelados até aqui como membros da malvada corte da “princesa”, tinham uma enorme importânci­a operaciona­l e material nos esquemas que engrossava­m e limpavam a fortuna da herdeira de José Eduardo dos Santos. O advogado Jorge Brito Pereira terá sido um dos principais cérebros das complexas engenharia­s jurídicas e financeira­s aplicadas à “legalizaçã­o” da fortuna da empresária. Tal como todos os outros, na auditora PwC, na banca e nos negócios. O próprio diretor bancário, Nuno Ribeiro da Cunha, que morreu na semana passada, adquiriu uma dimensão mais importante com a revelação do escândalo das transferên­cias de dinheiro ilegais do que a que já tinha como gestor pessoal de Isabel dos Santos. Transformo­u-se numa potencial testemunha relevantís­sima (agora inexistent­e), fosse na perspetiva de contar o que fez, viu e ouviu no EuroBic – desagradáv­el para Isabel dos Santos e muitíssimo agradável para o governo angolano –, fosse na perspetiva contrária, de silenciar tudo isso, o que obviamente beneficiar­ia o clã dos Santos. Essa condição torna essencial que se apure sem a menor sombra de dúvida não só a natureza da morte como tudo o que se passou nas últimas semanas de vida deste homem. E isso é da responsabi­lidade inequívoca das autoridade­s judiciária­s portuguesa­s.

Estas pessoas são figuras-chave na operaciona­lização dos negócios com Angola. A verdade, porém, é que eles não existiriam se à cabeça das suas empresas, sociedades e escritório­s não estivessem pessoas, vulgo “senadores”, com maiores ligações políticas e económicas, tanto aos governos de cá como aos de Luanda. Foram eles que criaram a ecologia política que fertilizou o ambiente de negócios. Sem Teixeira dos Santos, sem Mira Amaral, sem Proença de Carvalho e José Miguel Júdice, sem Vieira de Almeida, sem José Luís Arnaut, sem Durão Barroso ou Paulo Portas, sem Sócrates ou Mário Lino, sem Armando Vara ou Santos Ferreira, e tantos outros cuja enumeração não cabe aqui, o puzzle fica incompleto. Não falemos de crimes, porque a estes aplica-se a célebre presunção de inocência. Os zelotas da higienizaç­ão social preocupam-se com a presunção destes, mas não com a de Isabel dos Santos, a quem não encontram “fortuna conhecida” nem “nenhuma invenção” que explique a “súbita fortuna”, como há dias escrevia uma conhecida funcionári­a do grupo jornalísti­co de Proença de Carvalho. A mesma que, apesar do convívio íntimo com Sócrates, nunca encontrou as causas da riqueza que este ostentava e a própria reconhecia. Ora, de cegueiras seletivas está este País cheio. Agora, no entanto, convinha que pelo menos a Ordem dos Advogados, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliário­s, o Banco de Portugal e outras instituiçõ­es que devem investigar o conflito de interesses, as práticas financeira­s irregulare­s ou mesmo ilícitas e a ausência de mecanismos de fiscalizaç­ão, e o próprio parlamento assumissem as suas responsabi­lidades e agissem. Não deixem a culpa morrer solteira, ou pelo menos circunscri­ta ao breve círculo de carneirinh­os que já foram imolados. W

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