Reportagem nas Beiras para conhecer o novo Dão
A SÁBADO andou pelo centro do País entre vinhedos, aldeias remotas e uma cidade histórica tatuada pela criatividade da street art.
Há um novo Dão a surgir e a Caminhos Cruzados, com a sua adega moderna, é desde 2017 uma porta aberta para o descobrir
INDO VAGAROSAMENTE pela N231, com o maciço central da serra da Estrela a envolver-nos, tropeçamos noutro maciço central, desta feita esculpido em betão e rodeado de vinhas. É a adega da Caminhos Cruzados, um edifício em forma de X com assinatura do arquiteto Nuno Pinto Cardoso e projetado para abrigar os vinhos da Quinta da Teixuga.
Liderada por Lígia Santos, a Caminhos Cruzados, com a sua adega moderna, é desde 2017 uma porta aberta para descobrir o novo Dão. Visitas à adega com provas de vinhos (a partir de €6), almoços vínicos com pratos regionais temperados por mão caseira e provas acompanhadas pela enóloga
Carla Rodrigues (€35 por pessoa), piqueniques (€25) e peddy papers (€20) na vinha, atividades lúdicas como “E hoje o enólogo sou eu”, onde cada participante cria o seu próprio blend (a partir de €25), ou o jogo dos aromas para identificar cada casta da região (€15), são alguns dos programas que a mãe dos vinhos Titular e Teixu
ga tem. Se o tempo for curto, dê um passeio pela quinta e descubra os simpáticos animais a que a Caminhos Cruzados dá abrigo. No fim da visita, com ou sem souvenires da loja de vinhos, regresse à N231 para continuar a viagem até Viseu.
Viseu e a street art
Quando Grão Vasco pintou em 1506 o retábulo de São Pedro para a capela lateral direita da Sé de Viseu estava longe de imaginar que em 2016 o artista italiano Basik se ia inspirar na sua obra para pintar um mural na fachada lateral de uma casa antiga da Rua Serpa Pinto. A cidade onde o nome maior da pintura renascentista portuguesa exerceu quase toda a sua atividade, sob o mecenato do bispo D. Miguel da Silva, é hoje a cidade dos Tons de Primavera, um festival de arte urbana que em quatro anos espalhou 59 obras por Viseu.
Escolas, mercados, quintas vínicas, juntas de freguesia foram reinventadas e abriram-se a novas linguagens.
Passear hoje por Viseu é mais do que ir à Feira de São Mateus, em agosto e setembro, visitar o Museu Nacional Grão Vasco, para ver as principais pinturas e retábulos do mestre Vasco Fernandes ou espreitar a Cava de Viriato, onde se insurge a estátua do líder Lusitano. Há que ir atento pelas ruas, de olhos postos em prédios e paredes outrora devolutos, hoje convertidos em mostras de arte urbana.
É o que acontece com uma das esquinas da Rua Augusto Hilário, no centro histórico, perto do restaurante tradicional O Cortiço, onde o portuense Frederico Draw desenhou em 2015 o rosto de uma mulher, como se fosse um esquisso a carvão, com os dedos entrelaças num cacho de uvas. “Este é um dos murais mais fotografados da cidade”, diz Henrique Ribeiro, do departamento de Turismo da Câmara, que, por falar n’O Cortiço, nos guia até à homenagem a D. Zeferino, o fundador do restaurante cinquentenário que faleceu em 1983.
“É uma das personalidades mais admiradas na cidade” e não por acaso a dupla Draw Q
Passear hoje por Viseu é mais do que ir à Feira de São Mateus, visitar o Museu Nacional Grão Vasco e espreitar a Cava de Viriato
Q & Contra pintou-o na Rua Ponte de Bau, junto ao funicular. Finando o périplo pelas obras e pelo centro histórico, não se esqueça de parar na confeitaria Amaral para comer o bolo em forma de “V” que homenageia o herói Viriato.
Pelas curvas da serra
Deixamos a street art para seguir pela serra de São Macário até à Aldeia da Pena. A viagem é digna de paragens, ora para espreitar o miradouro de São Macário, com vista para a serra da Freita, ou para contemplar as planícies em altitude que por alturas do calor estão repletas
Depois do périplo pelas obras de street art em Viseu, tem de parar na confeitaria Amaral para comer o bolo em forma de V, de Viriato
de queiró, a “planta que dá o melhor mel”, segundo o Sr. Arouca, que encontramos na oficina e na loja que tem na Aldeia da Pena.
António molda xisto e ardósia com olho clínico, construindo casas em miniatura que fazem lembrar as reais que dão encanto a esta aldeia do concelho de São Pedro do Sul. “São feitas como deve ser, tudo à mão”, diz, “não há uma igual à outra”.
Desde que a aldeia foi nomeada para as Sete Maravilhas de Portugal, na categoria de aldeias remotas, há mais curiosos a arriscar a descida íngreme para a visitar e muitos são os que levam de recordação uma das casinhas do Sr. Arouca (€20) ou outro dos produtos artesanais que ele e a mulher, Augusta (73 anos), moldam neste cantinho.
Uns passos abaixo, é a hospitalidade de Ana e Alfredo Brito que nos recebe na Adega Típica da Pena. Neste restaurante de mesas e bancos corridos, esplanada a dar para um vale com ovelhas e cabras a pastar, há grelhados feitos na brasa por Alfredo, como costelinhas de vitela, cabrito ou fêveras de porco, “tudo de criação própria” (€10). Durante o fim de semana, ou por marcação, Ana dá largas à vitela ou ao cabritinho assado no forno a lenha, ao pica no chão e a outros pratos tradicionais de confeção mais demorada (média €20).
Além dos pergaminhos do restaurante, aberto corria o ano 1999, a história de Ana e Alfredo merece que nos sentemos para a ouvir com atenção. Há 20 anos decidiram deixar Lisboa para morar nesta aldeia recatada, “ainda os pais de Ana eram vivos”, ela que é natural da Pena, ele de Cova da Beira. “Arrisquei”, continua Alfredo, “porque gosto de estar isolado e em contacto com a natureza”.
Desse risco nasceu um restaurante, algum artesanato, licores e Mariana, o primeiro bebé da Aldeia da Pena em 39 anos de marasmo. Hoje Mariana, que estuda em Viseu de segunda à sexta e vem para casa ao fim de semana, já tem 18 anos e uma irmã mais nova, a Margarida, de 12. W