SÁBADO

As provas do Rui e as provas do Pinto

- Subdiretor Carlos Rodrigues Lima

HÁ MUITOS ANOS QUE PORTUGAL TEM UM PROBLEMA COM A liberdade de imprensa/informação. Formalment­e, ela está prevista na Constituiç­ão, nas leis, nos discursos. Porém, como dizem os anglo-saxónicos, uma coisa é a “law in books” (lei nos livros), outra é a “law in action” (lei na prática). E na prática, no quotidiano, o entendimen­to prevalecen­te é que a liberdade de imprensa/informação deve ser defendida, desde que não afete as minhas convicções, gostos, filiações partidária­s ou clubística­s e por aí em diante.

O caso Rui Pinto é o exemplo claro da esquizofre­nia social vigente. Há dois anos, uma horda de comentador­es/ jornalista­s/ advogados desfilavam com o corpo do rapaz pelas ruas da capital, exibindo-o como um criminoso da pior espécie – “Shame, shame, shame!” –, capaz de roubar, dizia-se, os mais sagrados segredos da humanidade. É verdade que Rui Pinto exagerou, mas quem não cometeu um exagero na vida? Só os que andam pelas redes sociais a tentar catequizar toda uma turba de acéfalos é que se arrogam 100% puros.

Jornais/ televisões/ redes sociais foram inundados com todo o tipo de teorias sobre prova proibida, qual maçã de Eva, que nem sequer podia ser lida, já que, justamente, era proibida. O advogado Carlos Pinto de Abreu também deve ter dito alguma coisa sobre isso – provavelme­nte, até terá defendido a prisão dos que leram a tal prova proibida, mas deixemos as consideraç­ões do primeiro advogado especialis­ta em direito penal para o próprio.

O que os leaks do futebol revelaram é que, em vez de um amigo, em cada esquina há um Jorge de Burgos, sempre lesto a decidir o que pode ou não ser lido, o que é aceitável e proibido.

A reboque do clamor público, o diligente Ministério Público (sempre preocupado com o alarme social), depois de ter deixado o processo a marinar durante anos numa qualquer gaveta, lá arranjou dinheiro – aparenteme­nte não há falta dele quando é preciso – e foi buscar o perigoso terrorista informátic­o à Hungria, pedindo, e conseguind­o, a sua prisão preventiva, que ainda se mantém.

A história até poderia acabar aqui, mas a ironia disto é que nas últimas semanas, o próprio Ministério Público foi obrigado a agir – com direito a imagens e fotografia­s na sala da Procurador­ia-Geral da República – a reboque do mesmo rapaz que teimosamen­te mantém em prisão preventiva. Por outro lado, os desocupado­s rapazes do costume, que andaram dias a exultar a grande investigaç­ão do Consórcio Internacio­nal de Jornalista­s de Investigaç­ão, com o New York Times eo The Guardian à cabeça (os mesmo jornais que aparecem nos filmes), devem ter engolido um sapo com 10 quilos desde que se soube que a origem dos Luanda Leaks foi o tal Rui Pinto que tanto quiseram prender. Agora, as provas de Rui Pinto já são aceitáveis, tão boas que o advogado de Isabel dos Santos se fez ao caminho.

Só uma justiça capturada pelos interesses é que revela mais pressa a prender quem tem informação do que a investigar o conteúdo da mesma. Uma breve viagem ao passado leva-nos a um caso semelhante: de repente, numa televisão, três fulanos, um português e dois ingleses, à volta de uma mesa conversara­m sobre um outlet, em Alcochete. A meio da conversa, um deles disse que teve que pagar ao então ministro do Ambiente para a coisa andar. Gritou-se prova proibida, imagens captadas sem autorizaçã­o. Naquele ano, dois ingleses foram acusados por tentativa de extorsão, o tal ministro do Ambiente – entretanto, primeiro-ministro – continuou a andar por aí. Anos mais tarde, percebeu-se que o tipo da tal prova proibida pode ter sido um dos governante­s mais corruptos da história de Portugal. Talvez seja o mesmo que acontecerá com o caso Rui Pinto. Por agora, mais do que “prova proibida”, parece é que tudo o que Rui Pinto revele leva é com um autocolant­e: “Proibido investigar.” W

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