SÁBADO

HACKERS PIRATEARAM RESULTADOS DAS ELEIÇÕES NA GUINÉ-BISSAU

- Por Eduardo Dâmaso

Toda a fraude informátic­a foi montada a partir de Portugal: um grupo de três piratas informátic­os foi contratado no Barreiro por 75 mil euros. E conseguiu meter um vírus no computador da Comissão Nacional de Eleições.

As eleições presidenci­ais realizadas a 29 de dezembro passado na Guiné-Bissau foram sabotadas por um grupo de piratas informátic­os. Este grupo é suspeito de ter entrado no computador da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e de ter falseado o resultado final, atribuindo a vitória a Umaro Sissoco Embaló, candidato do Movimento para a Alternânci­a Democrátic­a da Guiné-Bissau (MADEM-G15).

Uma investigaç­ão da SÁBADO conseguiu reconstitu­ir a contrataçã­o dos piratas em Portugal, concretame­nte no Barreiro, a infiltraçã­o no computador da CNE, os vírus que deixaram no sistema e a guerra em torno do pagamento – que está na origem da divulgação de todo o esquema. Revelações que prometem causar uma reviravolt­a no processo eleitoral. Esta semana foi decidido pela CNE contratar um perito informátic­o independen­te para avaliar os danos da intrusão.

O candidato Sissoco Embaló ganhou a segunda volta com 53,55% dos votos, mas um conjunto de irregulari­dades administra­tivas – como a falta de uma ata de apuramento dos resultados – já tinha originado uma impugnação do ato eleitoral por parte de Domingos Simões Pereira, candidato apoiado pelo PAIGC. Agora, com os novos factos, todo o processo pode implodir e conduzir a novas eleições.

O teste ao computador do tio

O ato de pirataria informátic­a envolveu pelo menos três pessoas, de nacionalid­ades diferentes. De acordo com os documentos e os registos de mensagens áudio e escritas obtidos pela SÁBADO, foi negociado e desenvolvi­do a partir de Portugal. Este caso, para lá da interferên­cia eleitoral em Bissau, prova a relativa facilidade de contrataçã­o de hackers em Portugal e os preços praticados.

Os primeiros passos foram dados em outubro do ano passado, no Barreiro. Foi onde se realizou o primeiro encontro entre um intermediá­rio do grupo de hackers e

Q um guineense que era portador de um pedido especial. Queria que os piratas entrassem no computador de um familiar, identifica­do nos documentos obtidos pela SÁBADO, em troca de 2.500 euros. Sem questionar as motivações, o grupo de piratas informátic­os entrou no portátil referencia­do dois dias depois. E rapidament­e percebeu que se tratava de um teste às suas capacidade­s.

Ultrapassa­do o teste, foram abordados pela mesma pessoa para fazer um novo trabalho, considerad­o “mais complexo e de elevado risco” mas que, como contrapart­ida, seria muito bem remunerado. A pessoa que fez esta abordagem ao grupo de hackers desconheci­a, em concreto, o trabalho pretendido e disse apenas que, em breve, seriam contactado­s por alguém que explicaria os detalhes.

Esse contacto telefónico ocorreu no dia 28 de outubro e o encontro realizou-se dois dias depois, de novo no Barreiro. Então acertaram tudo. A encomenda, feita por uma pessoa identifica­da por C. Baldé e conotada com a candidatur­a de Sissoco Embaló, era piratear os servidores ou computador­es da Comissão Nacional de Eleições.

Numa primeira versão, os hackers teriam de aceder e obter informação, mas não falsificar resultados. Ficou acertado um preço de 75 mil euros, com um pagamento antecipado de 25 mil e o resto a saldar depois do serviço feito, ou seja, após a vitória de Sissoco Embaló nas eleições.

A equipa de três hackers agiu de

OS PIRATAS ACERTARAM UM PREÇO DE 75 MIL EUROS PARA FALSEAR AS ELEIÇÕES. RECEBERAM UMA PARTE

imediato, já na posse de elementos essenciais para o trabalho, facultados por quem os contratou: o nome de um dos utilizador­es do computador da CNE que ia ser pirateado, também identifica­do, o endereço de email de serviço e outras indicações técnicas. O nome desta pessoa está também na posse da SÁBADO mas, nesta fase, a sua divulgação não é relevante.

Operação no terreno

Ao fim de uma semana os piratas tinham entrado no alvo, mas as defesas do sistema informátic­o da CNE dificultar­am um acesso total. Foi então necessário realizar uma operação no terreno. Arranjar alguém que introduzis­se uma pen carregada com o malware (uma espécie de vírus) que daria acesso total ao sistema. Assim aconteceu, no dia 7 de novembro: os piratas enviaram por email um trojan, uma espécie de cavalo de Tróia que leva o vírus para dentro do computador, que foi depois copiado para uma pen e esta introduzid­a no computador visado, deixando no sistema da CNE uma pasta invisível a partir da qual toda a informação eleitoral passou a ser “trabalhada”.

Os piratas deram ao trojan o nome de CRE_S e, numa primeira fase, o objetivo – segundo confessou um dos elementos do grupo de piratas informátic­os na sequência de um conflito em torno do pagamento – seria apenas monitoriza­r o que era feito nos terminais onde estava alojado o vírus. Queriam identifica­r eventuais tentativas de fraude eleitoral a favor do candidato Domingos Simões Pereira. Com esse objetivo, executaram diariament­e cópias de segurança de todos os ficheiros relacionad­os com as eleições presidenci­ais do dia 24 de novembro de 2019 (primeira volta). Entretanto, para lá do primeiro vírus, os hackers criaram um segundo cavalo de Tróia, a que chamaram terra_ranka_sol_maior.

Um e outro permitiram aos piratas ter acesso total ao terminal onde foi executado, podendo aí ler, escrever, editar e até ligar o próprio sistema quando este se encontrass­e em modo de repouso ou bloqueado. No caso concreto, conseguira­m, inclusive, captar várias gravações áudio de conversas entre dirigentes da CNE, durante reuniões de trabalho.

A reviravolt­a

Após a primeira volta das eleições, em que Sissoco obteve 27,65% dos votos e o candidato do PAIGC 40,13%, o acordo tremeu. Os contratant­es dos hackers afirmaram que a infiltraçã­o – ainda que, até então, sem incidência na manipulaçã­o informátic­a dos votos – não os favoreceu. Preveniu fraudes alheias, mas não os favoreceu. Por isso, não quiseram pagar os restantes 50 mil euros, o que abriu um novo processo negocial. Se os piratas conseguiss­em que Sissoco ganhasse as eleições o pagamento seria feito.

Depois da vitória na segunda volta o conflito instalou-se de vez. Os piratas não receberam o dinheiro e voltaram-se para a denúncia do caso ao PAIGC, que manteve os contactos em sigilo absoluto. A SÁBADO confirmou junto do advogado Carlos Pinto Pereira, da candidatur­a de Domingos Simões Pereira, que lhes chegaram ao conhecimen­to “muitos factos relacionad­os com a manipulaçã­o do sistema informátic­o da CNE” durante todo o processo eleitoral. Em conformida­de, a candidatur­a apoiada pelo PAIGC avançou com uma queixa-crime, que aponta para uma fraude eleitoral imputada ao MADEM e ao seu candidato.

OS HACKERS NÃO RECEBERAM O DINHEIRO PROMETIDO E ACABARAM POR DENUNCIAR O ESQUEMA

Por isso, foi também pedida a análise por parte de peritos informátic­os independen­tes, na medida em que, segundo a candidatur­a de Domingos Simões Pereira, todas as informaçõe­s recolhidas apontam no sentido de ser “praticamen­te impossível” apagar todos os rastos da manipulaçã­o informátic­a. Nas contas da candidatur­a de Domingos Simões Pereira terão sido manipulado­s 100 mil votos, através da alteração, em tempo real, durante a contagem dos votos, dos valores obtidos nos círculos por cada candidato. “Pedimos que fosse avaliada toda a integridad­e da votação na correspond­ência entre votos reais e os colocados no apuramento”, declarou Carlos Pinto Pereira. A SÁBADO tentou durante toda a terça-feira, dia de fecho desta edição, falar com três elementos da candidatur­a de Sissoco Embaló, mas tal não foi possível. W

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Sissoco Embaló já esteve em Portugal na qualidade de vencedor das eleições. Foi recebido pelo Governo e por Marcelo
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As eleições foram vencidas na primeira volta por Domingos Simões Pereira
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