Direita, esquerda, e Angola
Durante muito tempo, em nome do realismo e do interesse nacional, PSD e PS (mas sobretudo PSD) cultivaram boas relações com Luanda, mesmo quando esta representava uma forma de estalinismo africano.
O apoio do PCP e da restante família em torno de Angola parecia natural. O que a esquerda criticava eram as tentativas de “ingerência imperialista” (leia-se dos EUA) na “República Popular”, e o facto de os governos de Lisboa permitirem a existência de uma delegação da UNITA na capital portuguesa.
A verdade é que Angola foi, durante duas guerras civis, massacres internos, destruição maciça, Estado totalitário e outras desgraças, um “paraíso socialista” para as esquerdas nacionais. Nunca as vimos contestar a “cleptocracia”, o poder ilimitado do MPLA, as viagens dos generais, o enriquecimento duvidoso, a economia delinquente.
A contemporização e as boas relações pregadas pelo PSD e pelo PS baseavam-se, assim, não na comunhão de ideias entre Lisboa e Luanda, mas precisamente no esquecimento das divergências, em nome de um bem maior, que permitisse, por exemplo, a entrada de empresas nacionais, ou o trabalho para muitos portugueses, e manutenção da língua comum.
Já a solidariedade das esquerdas se fundamentava na cumplicidade de doutrinas, projetos, meios e fins.
Quando caiu o que pelo mundo se chamava de comunismo, Angola mudou o seu sistema, para se adaptar à marcha dos tempos. Falhada a perestroika e a reconciliação de 1992 (que redundou numa eleição presidencial contestada, numa segunda volta adiada, e no massacre do Q
Q Dia das Bruxas), só em 2003 se começou a selar uma verdadeira transformação.
Mas estes últimos 14 anos (até à eleição de João Lourenço) trouxeram frutos amargos.
O sistema económico alegadamente libertou-se do socialismo centralizado, os partidos políticos começaram a funcionar timidamente, mas cresceram as oligarquias pseudoprivadas, arguidas de malbaratar fundos públicos, de criar empresas-fantasmas controladas por familiares, de usar o aparelho do Estado para fins pessoais, e de perpetuar estruturas essencialmente corruptas.
João Lourenço prometeu mudança, jurou que nenhuma governação se voltaria a basear no poder de clãs de sangue, anunciou a reforma judicial e a escrupulosa separação de poderes, a introdução de firmes garantias dos direitos e liberdades enunciados na Constituição, a recuperação de bens públicos desviados, e a integração plena do país num sistema internacional de sociedades decentes, regidas por leis objetivas, e não pelos caprichos dos homens.
É aqui que estamos. A UNITA pedia mais (por exemplo, um imposto de 45% sobre os bens repatriados, mesmo voluntariamente, em vez de amnistia), outros diziam que ir remexer no passado era ou desnecessário, ou inútil, ou perigoso.
Os laços entre Angola e Lisboa são cruciais, nos factos relevantes para a Justiça, em processos como o Luanda Leaks – seja Rui Pinto o único infrator em nome da verdade, ou não – e os que se seguirão.
É que grande parte dos bens em causa passam por nós. É preciso apurar se são lícitos, ou fruto de crimes.
O BE tomou a dianteira na denúncia do nepotismo angolano, desde que o poder de Luanda colocou o “socialismo” na gaveta. Quanto ao período 1975-2002, o que lá vai, lá vai.
O PCP tem estado silencioso. PSD e PS, que nunca quiseram “irritantes”, pelas razões atrás expostas, declaram uma política de não interferência: o que o Estado angolano decidir, está bem decidido. Falta aqui o CDS.
Sempre disse o que sentia: em Luanda instalara-se uma ditadura de partido único, pela força das armas, e o controlo dos meios de produção e das riquezas naturais é o antepassado de todos os calvários, e do escândalo em curso.
Por outras palavras, pequeno, minúsculo, desaparecido, “partido do táxi” com Adriano Moreira, ou interventor e força de charneira, com Freitas e Lucas Pires, o CDS não mudou de posição. Só Portas se aproximou mais da ambiguidade realista. W