Jared Kushner
Este conselheiro da Casa Branca gosta de correr riscos. Até agora, tem-se saído bem. Mas desta vez pôs o mundo árabe contra si e o acordo que desenhou não deve sair do papel.
Judeu, influente e genro de Donald Trump
Jared Kushner é judeu. E esse não é um pormenor na sua biografia. Os avós escaparam aos nazis, a família faz parte daquilo a que nos Estados Unidos se chamam “os construtores do Holocausto” – judeus que entraram no negócio da construção quando chegaram à América e aproveitaram as oportunidades do pós-guerra – e o pai chegou a financiar Benjamin Netanyahu. A religião é tão importante para Kushner que se Ivanka Trump não se tivesse convertido ao judaísmo, Jared não seria hoje o genro do Presidente norte-americano. A sua ambição é ficar na História como o judeu que resolveu décadas de conflito israelo-palestiniano. Mas as reações de repúdio no mundo árabe à sua solução mostram que talvez este não seja bem o “grande
acordo” que Trump anunciou.
Traçar um plano de paz para o Médio Oriente é uma tarefa ambiciosa, que alguns poderiam temer. Mas não Jared Kushner. O genro do Presidente Donald Trump, que é também um dos seus principais conselheiros, vem de uma família com uma história de superação do impossível que o faz acreditar que correr riscos é a melhor forma de alcançar o sucesso.
Os avós escaparam a um gueto – em território que hoje é da Bielorrússia –, num grupo que usou colheres e pedaços de madeira para escavar um túnel, ao mesmo tempo que escondia os sacos de terra nas paredes das casas para não levantar suspeitas. Atravessaram depois a Europa, numa fuga que os levou a passar “os Alpes e várias fronteiras a pé, de comboio ou por qualquer
FAZ PARTE DAS TAREFAS DE KUSHNER NA CASA BRANCA DESENHAR ACORDOS COMERCIAIS E REFORMAR A JUSTIÇA
outro meio de transporte disponível”, como se conta num livro organizado pelos netos para celebrar os 75 anos da avó Rae. Tal como muitos dos refugiados que a política de Trump hoje tenta impedir de entrar no país, os avós de Kushner recorreram a estratagemas duvidosos: mentiram para entrar nos Estados Unidos, fingindo ser ambos filhos do pai de Rae e afirmando terem fugido da Alemanha, para obterem mais facilmente um visto.
A forma como a família amealhou uma fortuna depois de ter chegado à América com apenas dois dólares também ajudou Jared a acreditar que não há impossíveis. E o gosto pelas jogadas arriscadas inspirou-o a tomar decisões empresariais que pareciam pouco sensatas, como comprar, em 2006, o edifício 666 da Fifth
Avenue por 1,8 mil milhões de dólares (o valor mais alto que alguém tinha dado até aí por um imóvel em Nova Iorque) ou tornar-se dono do jornal New York Observer, um ano mais tarde, quando a crise já se tinha instalado nos jornais em papel.
Em qualquer destes casos, as jogadas valeram-lhe publicidade e poder. Mas Jared nunca gostou de estar debaixo dos holofotes e, apesar da importância que tem na Casa Branca, tem falado pouco: só se desdobrou em entrevistas para defender o seu plano para o conflito israelo-árabe. Aprendeu a fugir da imprensa, graças ao escândalo que atingiu a família. O pai, Charles Kushner, foi um dos maiores financiadores do Partido Democrata e caiu em desgraça depois de os irmãos terem denunciado a forma como se apropriou indevidamente de dinheiro das empresas para pagar despesas como férias, bilhetes para ver os New Jersey Nets ou uma consultora para ajudar Netanyahu a voltar ao poder depois de ter deixado de ser primeiro-ministro de Israel.
A disputa familiar foi feia. Levou Charles a pagar a uma prostituta para montar uma armadilha ao cunhado e assim tentar pressionar a irmã, mas acabou com o próprio a cumprir, em 2005, um ano de prisão. Jared Kushner assumiu então os negócios da família e passou a evitar a exposição excessiva.
Como dono de um jornal, Jared não hesitou porém em usar o poder mediático para conquistar amigos ou tentar vingar-se de inimigos. Apostado em publicar peças sobre os podres de empresários concorrentes ou artigos elogiosos para aqueles a quem queria agradar, não tinha uma relação fácil com a redação. Nos 10 anos em que foi proprietário do Observer, o jornal teve cinco editores. Um deles, Kyle Pope, disse ao New York Times que Jared Kushner “nunca conseguiu perceber que se pode escrever uma história negativa sobre alguém e continuar a ser poderoso nesses círculos”. Mas ser proprietário de um jornal aumentou a lista de amigos influentes do rapaz que muito novo conviveu com políticos e milionários. O poderoso empresário dos media Rupert Murdoch tornou-se muito próximo de Jared e, segundo a New Yorker, o milionário de 88 anos e o conselheiro da Casa Branca de 39 anos falam quase todos os dias.
O DINHEIRO USADO PELO PAI DE JARED PARA AJUDAR NETANYAHU ESTEVE NO CENTRO DE UMA DISPUTA FAMILIAR
Murdoch não é o seu único amigo mais velho. Segundo a Esquire, a idade média dos convidados do seu 35º aniversário rondava os 70 anos. Talvez por Jared nunca ter vivido como a maioria das pessoas da sua idade. O pai não o deixava usar calças de ganga e punha-o a tratar de assuntos das empresas em todas as folgas da faculdade. Segundo o livro Kushner Inc., Charles pedia mesmo a um sócio para ir jantar regularmente com o filho e garantir que não se metia na droga ou namorava raparigas que não fossem judias.
Apesar desse controlo, Jared e Ivanka começaram a namorar em 2007, depois de se conhecerem por causa de negócios imobiliários. Tinham ambos muito em comum, moviam-se numa espécie de realeza da construção e eram filhos de pais massacrados por escândalos mediáticos. Mas o facto de ela não ser judia ditou o fim do namoro durante uns tempos. Acabariam por se reaproximar e, depois de ela se converter, casaram. Têm três filhos.
Hoje, são talvez o casal mais poderoso da América. Jared ocupa um dos melhores gabinetes na Casa Branca e o Presidente Trump pôs-lhe nas mãos não só a paz no Médio Oriente, mas tarefas como a negociação de acordos comerciais, a reforma da Justiça, a modernização do Governo, o combate às drogas e a reforma dos cuidados prestados aos veteranos de guerra. W