Ângela Marques
5stávamos dois anos atrasados mas chegámos com o entusiasmo da tinta fresca. O jantar que estava no forno esperaria um pouco mais – era urgente fazer uma digressão pela casa nova, mesmo que ela já só fosse nova para nós, os convidados sem agenda nem vergonha na cara. Havendo um terraço, haveria uma pausa para cigarros. Havendo vinho, havia pressa de o abrir. E havendo amizade, houve uma convicção: tudo está bem quando começa bem.
O jantar seria vegetariano – se bem que precedido por um real e regionalíssimo salpicão. À conta do salpicão íamos discutir a beleza e a barbárie da matança de um porco. Depois, tocaríamos num dos nossos assuntos preferidos de 2019, a ecoansiedade. E de assunto fraturante em assunto fraturante, haveríamos de chegar ao Pilates. Afinal, sim ou não? “Fiquei-me pela inscrição”, disse ela.
Com uma crossfiteira à mesa e comigo a servir de exemplo de redenção (confesso-o sempre que posso: não exercitei um músculo até aos 35 anos; de lá para cá sou crente), iniciámos uma intervenção. Tirámos do bolso a calculadora da evangelização: vais dormir melhor, o que te vai regular o metabolismo; vais sentir-te melhor, o que vai anular os efeitos da TPM; vais habituar-te, o que vai fazer com que queiras mais. Imagina!
Nada parecia convencê-la. Decidi então fazer do meu exemplo um livro aberto de autoajuda: “Eu nunca acreditei que um dia pudesse fazer uma flexão.” Ao meu lado direito, a crossfiteira viu uma oportunidade e agarrou-a com os dentes: “Nem eu!” Os dois homens da mesa riram-se. Riram-se genuinamente, sem a mácula do patriarcado, mas riram-se.
E explicaram-se: sempre que ouviam uma mulher falar sobre a impossibilidade física das flexões, lembravam-se dos recreios passados a fazer flexões com os amigos. Para eles essa impossibilidade nunca tinha existido – dois braços suportarem o peso de um corpo não era um desafio, era uma brincadeira de crianças. E foi assim que demos o último salto: amiga, se não tiveres outra motivação, ataca o machismo fazendo flexões. W
DE ASSUNTO FRATURANTE EM ASSUNTO FRATURANTE, CHEGÁMOS AO PILATES. SIM OU NÃO?