Mary Higgins Clark (1927-2020)
Exímia autora de suspenses e mistérios, resistiu a uma vida de contrariedades para se tornar uma das mais famosas escritoras da atualidade. Tinha 92 anos
Pode vir a ser encarado como o caso paradigmático de resiliência, e uma inspiração para os idealistas que acreditam que nunca é tarde para perseguir os sonhos que nos movem: resistiu ao infortúnio financeiro e à trágica morte de familiares e, não se deixando demover pelos anos de buscas inférteis e rejeições sucessivas, sagrou-se uma das mais bem-sucedidas autoras de ficção contemporâneas. “Rainha do Suspense” cujos 56 livros se tornaram, sem exceção, bestsellers nos Estados Unidos e em diversos países da Europa, Mary Higgins Clark morreu na passada sexta-feira, 31, aos 92 anos, em sua casa na cidade de Naples, na Flórida.
Nascida Mary Theresa Eleanor Higgins na véspera de Natal de 1927, no Bronx, e de ascendência irlandesa, Higgins Clarke habituou-se desde cedo a escrever, mantendo escrupulosamente um diário desde os 7 anos de idade. Gozou de uma infância próspera até aos 11, quando, com a Grande Depressão e a morte do pai – a primeira de uma série de tragédias que permeariam a sua vida –, foi obrigada, juntamente com os irmãos, a trabalhar para ajudar a mãe, na altura já com 52 anos. Cinco anos depois morreria o irmão mais velho, Joseph, que se alistara na Marinha e contraíra meningite, o que levou Mary a estudar e, pouco depois, começar a trabalhar como secretária numa firma publicitária. Desistiu do rumo para concretizar o sonho de viajar pelo mundo como comissária de bordo e, de volta aos EUA um ano depois, casou-se com Warren Clark, seu vizinho, com quem teria os cinco filhos.
É também por essa altura, com 22 anos, que começa a tirar um curso de escrita criativa na Universidade de Nova Iorque, onde desenvolve um estilo baseado em extrapolações de notícias de jornal. O seu primeiro conto, Stowaway, de 1950, é adulado pelos professores, mas apenas publicado em 1956, após múltiplas tentativas frustradas, pela modesta quantia de $100. Em 1959, Warren é diagnosticado com uma angina que o mataria, após sucessivos enfartes, cinco anos depois, no mesmo dia em que Higgins Clark aceitou um emprego a escrever contos para a rádio em que desenvolveria outra das suas técnicas de assinatura – a escrita concisa e de suspense.
ENTROU NA FACULDADE AOS 43 E, APÓS VÁRIOS FRACASSOS, ESCREVEU O PRIMEIRO SUCESSO AOS 45
Fracasso e aclamação
A partir de 1965, com o mercado das short stories a colapsar, o dinheiro era uma preocupação constante, e Mary passou os três anos seguintes a pesquisar e a escrever o seu primeiro livro: Aspire to the Heavens, uma versão ficcionada da vida do Presidente George Washington, foi lançado em 1968. A notícia do seu fracasso comercial coincidiu com a da morte da sua mãe, Nora. Numa mostra de obstinação, e apesar das dificuldades económicas, ingressou aos 43 anos na Universidade de Fordham, licenciando-se em Filosofia, e, aos 45, editou o seu primeiro suspense de sucesso, Where Are the Children?, até hoje o seu mais conhecido título – vendeu 100 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos.
Foi o início de uma trajetória de ascensão ininterrupta: os direitos deste livro valeram-lhe 100 mil dólares; os do romance seguinte, A Stranger Is Watching, foram vendidos por 1,5 milhões.
De lá para cá escreveu outros 53 livros, a grande maioria de suspense e mistério e todos eles bestsellers nos Estados Unidos. Na Europa, obteve particular aclamação em França, onde foi distinguida com diversos prémios literários e onde, desde 2010, os seus romances são regularmente alvo de adaptações cinematográficas pela produtora La Sabotière. Em 2002, publicou uma autobiografia, Kitchen Privileges,e em 2006 o seu primeiro livro infantil, um sonho desde que começou a escrever. Foi casada por duas outras vezes, com Raymond Ploetz (“um desastre”, segundo a própria) e John Conheeney, de 1996 até à morte deste, em 2018. Sobrevivem-lhe os cinco filhos: Marilyn Higgins Clark e Warren Clark Jr., ambos juízes, Patricia, executiva de Wall Street, David, CEO de uma empresa de marketing, e Carol Higgins Clark, também autora e com quem Mary escreveu uma série de suspenses de Natal. Numa das suas últimas aparições públicas, como anfitriã da marcha de St. Patrick, em Nova Iorque, disse: “Deixem que os outros decidam se escrevo bem ou não. Só sei que sou uma irlandesa boa contadora de histórias”.