OS GRANDES SEGREDOS REVELADOS
Através do Football Leaks, as autoridades obtiveram dados que se revelaram fundamentais em vários processos tributários: Cristiano Ronaldo e Jorge Mendes foram os principais visados.
Quando foi criado, em setembro de 2015, o Football Leaks apresentava-se como uma plataforma disposta a revelar o lado oculto do futebol, mas ninguém imaginava o terramoto que se seguiria. Nos primeiros sete meses de atividade, o responsável pela página de Internet – que se desconhecia ser Rui Pinto – publicou online centenas de documentos, como contratos de jogadores e treinadores ou acordos entre clubes e fundos de investimento. Os primeiros afetaram sobretudo o Sporting, a Doyen, o Futebol Clube do Porto e, em menor dimensão, o Benfica. A esses seguiu-se a publicação de documentos relativos a jogadores de classe mundial como Gareth Bale, ou Mezut Ozil.
Contudo, em abril do ano seguinte, o pirata informático anunciou uma pausa no projeto. Em segredo, tinha fornecido à revista alemã Der Spiegel uma quantidade imensa de dados que os jornalistas passaram meses a analisar juntamente com os parceiros do European Investigative Collaborations (uma rede de órgãos de comunicação
RONALDO PAGOU 18,8 MILHÕES DE IMPOSTOS EM ATRASO E FICOU COM UMA PENA SUSPENSA POR DOIS ANOS
social de que, em Portugal, faz parte o semanário Expresso). O resultado dessas investigações começou a ser publicado em dezembro de 2016. Revelações que acabariam por ter consequências por toda a Europa e lançaram as autoridades em novas pistas que levaram a inúmeras condenações e sanções.
Terramoto em Espanha
Em fevereiro de 2017, os procuradores de Madrid acusaram Cristiano Ronaldo de não ter pago 14,8 milhões de euros ao fisco entre 2011 e 2014. Tinham concluído, na sequência das revelações do Football Leaks, que o conglomerado de empresas na Irlanda e Ilhas Virgens Britânicas servia para esconder os rendimentos de Ronaldo das autoridades fiscais. Ao todo, o então jogador do Real Madrid tinha colocado 150 milhões de euros num paraíso fiscal. Apesar de inicialmente ter negado as acusações, acabou por aceitar pagar 18,8 milhões de euros de impostos em atraso e ficar com uma pena suspensa de dois anos – substituída por uma multa de 365 mil euros.
Para além de Ronaldo, as várias notícias abordaram também a situação financeira de José Mourinho e como o treinador tinha canalizado os rendimentos dos seus direitos de imagem para as Ilhas Virgens Britânicas e para a Irlanda, um processo que envolvia ainda uma fundação na Nova Zelândia. Depois de já ter pago mais de 1 milhão de euros ao fisco espanhol, Mourinho foi acusado de ter fugido ao fisco em 3,3 milhões de euros. Tal como Ronaldo, em fevereiro do ano passado aceitou pagar uma multa de 2 milhões de euros, sendo ainda condenado a um ano de pena suspensa.
Outros jogadores foram também apanhados em esquemas semelhantes. Depois de devolver meio milhão de euros em impostos não pagos, Ricardo Carvalho foi condenado a uma multa de 140 mil euros e sete meses de prisão. Radamel Falcao teve de desembolsar 9 milhões de euros. James Rodríguez ficou-se pelos 4 mi
lhões. Já Ángel Di Maria pagou 2 milhões. O que todos têm em comum? São agenciados pela Gestifute, de Jorge Mendes – facto que também colocou o “superagente” na mira das autoridades tributárias portuguesas, que mantêm uma estreita colaboração com a congénere espanhola. Em Portugal, Mendes e a Gestifute estão a ser investigados por alegada fuga ao fisco.
Para além do universo de Jorge Mendes, também a Doyen – anteriormente liderada por Nélio Lucas, que acusou Rui Pinto de tentativa de extorsão – está a ser investigada.
Ação em França
Após as revelações de dezembro de 2016, as autoridades francesas não perderam tempo e no início do ano seguinte fizeram buscas às casas dos argentinos Di Maria e de Javier Pastore, suspeitos de usar paraísos fiscais para esconder os rendimentos dos direitos de imagem. A sede do Paris Saint-Germain bem como os seus escritórios também foram alvo de buscas. O PSG tornou-se ainda alvo das autoridades francesas por outros dois casos revelados pelo Football Leaks: o primeiro dizia respeito à classificação por etnias dos jovens futebolistas em avaliação pelo departamento de recrutamento; o segundo à violação pelo clube das regras de fair play financeiro pela FIFA. Segundo as revelações do Football Leaks, estas violações teriam também sido encobertas pelo então presidente da UEFA, Michel Platini e pelo presidente da FIFA, Gianni Infantino.
Contratos com menores
Em Inglaterra, houve pelo menos dois clubes afetados pelas revelações do Footbal Leaks. Tal como o PSG, em França, o Manchester City enfrenta um processo por suspeitas de ter violado as regras do Fair Play financeiro com o financiamento ilegal através dos seus proprietários do Médio Oriente e pode mesmo ser excluído da
O CHELSEA FOI PROIBIDO DE CONTRATAR DURANTE DOIS ANOS POR CONTORNAR A PROIBIÇÃO DE CONTRATAR MENORES
Liga dos Campeões. Por sua vez, o Chelsea FC foi mesmo proibido de contratar jogadores durante dois anos depois de ter sido noticiado que o clube contornava as regras que impediam a contratação de jogadores menores de idade de outros países. Entre os casos denunciados estavam o de Thierno Ballo, Traoré e Karlo Ziger.
Corrupção arquivada
Os membros do EIC revelaram que o Presidente da FIFA, Gianni Infantino, teria convidado o procurador suíço Rinaldo Arnold para jogos do Campeonato do Mundo de 2018, para um congresso no México em 2016 e para a final da Liga dos Campeões em Milão. Os convites seriam uma moeda de troca para Arnold facilitar o contacto entre Infantino e o procurador-geral da suíça, Michael Lauber, que estava a investigar casos de corrupção contra a FIFA. Neste caso, a investigação da procuradoria suíça terminou em arquivamento, com os procuradores a concluírem que não houve qualquer tipo de corrupção.
A queixa de violação
Uma das revelações com mais impacto do consórcio liderado pela Der Spiegel afetou novamente Cristiano Ronaldo. A alegada tentativa de violação da americana Kathryn Mayorga. De acordo com os documentos – e o testemunho da própria – obtidos pela revista alemã os dois conheceram-se numa discoteca em Las Vegas e a noite terá culminado no abuso sexual cometido pela estrela portuguesa – que, na época, aceitou pagar 333 mil euros em troca do seu silêncio. As autoridades americanas reabriram as investigações que acabaram por ser encerradas por a culpa não ter sido provada para além da “dúvida razoável”. No entanto Ronaldo enfrenta ainda um caso na justiça civil.