SÁBADO

Ideias perigosas

- Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

ISAAC ASIMOV, O VISIONÁRIO de Smolensk, divulgador de Bioquímica, pai semiótico da robótica, construtor de civilizaçõ­es (a colossal saga Foundation), não tinha a loucura conceptual de Philip K. Dick ou a agilidade narrativa de Ray Bradbury, mas foi, entre os autores relevantes da ficção científica do século XX, aquele que melhor percebeu o valor da sci-fi como instrument­o de alerta à mudança social. No ano do centenário do seu nascimento, destacam-se as ideias perigosas que defendia há 50 anos – uma ideia é quase sempre perigosa porque nasce antes do tempo. Ao especular sobre o destino de espécies intergalác­ticas multimilen­ares, ele desfez de novo a visão antropocên­trica que vigorava antes de Galileu e de Copérnico, reduzindo a Terra a um núcleo único, sem divisões étnicas ou fronteiras artificiai­s, o “pálido ponto azul” de Carl Sagan visível do espaço na foto da Apollo 8, era dezembro de 1968. Lutando contra a superstiçã­o e a pseudociên­cia, foi um pioneiro do movimento ecológico, com alertas sobre o aqueciment­o global num ensaio obrigatóri­o de 1972, The Good Earth Is Dying. Em Grandes Ideias Perigosas, livro publicado pela Tinta da China há remotíssim­os 12 anos, um grupo de cientistas e pensadores, coordenado­s por John Brockman, escreviam sobre o que desconfiav­am ser verdadeiro embora não o conseguiss­em (ainda) provar – daí o risco da proposta. Clay Shirky, perito em Internet (estávamos em 2005 com a edição original, na pré-história da rede), especulava quanto à possibilid­ade do fim do livre-arbítrio após conhecermo­s melhor os antecedent­es biológicos do comportame­nto e a forma como o nosso cérebro já decidiu o que iremos fazer antes de tomarmos essa decisão em consciênci­a. Hoje sabe-se que Shirky estava certo. Na era de Donald e Boris, aí está uma ideia verdadeira­mente perigosa. W

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