O PERFUME MAIS FAMOSO FAZ 100 ANOS
Se a regra da moda é ser efémera, a exceção é o Chanel nº5, criado em 1920 e tornado ícone de requinte ao inaugurar uma ligação às estrelas de cinema que se mantém até hoje – nessa e noutras fragrâncias, como as que sugerimos para o Dia dos Namorados.
COMO MANTER um corpo a cheirar a banho de manhã à noite?, perguntava-se Gabrielle Chanel, que embirrava com o bouquet pouco agradável de restos de perfume e suor com que terminava os dias. Ela, que desde cedo conhecera os vários cambiantes de odor da existência humana – do cheiro a sabão da mãe, lavadeira, às pensões baratas onde a família vivia com o pai, vendedor de roupa interior, passando pelo orfanato de Aubazines onde entrou aos 12 anos, os cabarés de Moulins, onde dançava e cantava aos 18, ou o castelo onde a instalou o seu amante, Étienne Balsan, um aristocrata que cultivava o gosto por cavalos e a caça e a apresentou à nobreza europeia.
Em 1920, com 37 anos, Gabrielle já era Mademoiselle Coco, uma figura lendária não apenas pela forma como traduziu o modernismo numa nova forma de vestir, feita de linhas
Nessa época “uma senhora decente” só usava perfumes cítricos, que se desvaneciam rapidamente. Os elementos mais intensos eram considerados “um convite sexual”
retas evocando atmosferas desportivas e peças simples como calças largas e camisolas às riscas de inspiração marselhesa, mas também pela sua astúcia e coleção de amantes.
Corria 1920 quando, de férias na Côte d’Azur com o seu novo amor, o duque Dmitri Pavlovich, um Romanov exilado em França, conheceu Ernest Beaux, químico de ascendência russa, que já criara perfumes para a família do Czar deposto na revolução de 1917, a quem encomendou “uma fragrância feminina que mantivesse o cheiro a lavado durante o dia todo”.
Nessa época, uma “senhora decente” só usava perfumes cítricos, pois elementos como o almíscar e o jasmim, por serem mais intensos, eram considerados um “convite sexual” e eram
para prostitutas. O problema é que os odores citrinos desaparecem rapidamente, portanto o desafio era criar um que fosse persistente, apesar de elegante, feminino, e Ernest Beaux pôs mãos à obra, no seu laboratório em Grasse, região conhecida pela indústria de perfumes, que então começava a explorar os aldeídos, elemento químico que quando misturado com o carbono consegue extrair cheiros e sabores de ingredientes naturais (hoje é, inclusive, utilizado na indústria alimentar) e os faz durar muito mais tempo.
Depois de vários meses a trabalhar com aromas do agrado de Coco, como lírios do vale, rosas de Maio e baunilha, Beaux compôs ao todo 24 fragrâncias diferentes para ela escolher – e ela, que aliava um certo sentido místico ao seu pragmatismo, escolheu o nº5, porque era o seu número da sorte: as suas coleções eram sempre apresentadas no dia 5 do mês 5, maio.
Curiosamente a fórmula desse nº5 de Beaux continha 19 elementos, entre eles os “proibidos” almíscar e a erva selvagem indiana (vetiver), mas isso não impediu que, a partir de 1929, se tornasse o perfume mais vendido do mundo.
CHANEL Nº5, UM PERFUME Q PARA UMA GUERRA
Porém, não bastava a Coco ter um perfume que “celebrasse a liberdade feminina”. Era preciso dar-lhe “uma nova transparência”, nada que fosse aparentado com os frascos Art Nouveau de Lalique ou Baccarat. Mais uma vez, é a geometria simples do modernismo a triunfar e o frasco, que se tornou tão icónico quanto o perfume, será um pequeno retângulo transparente cuja única decoração é o líquido âmbar do interior. A lenda diz que Coco se inspirou na pequena garrafa portátil de whisky de Arthur Edward Capel, um capitão da alta sociedade inglesa com quem ela manteve uma relação amorosa durante uma década e que morreu num acidente em 1919, mas outras lendas rivalizam com esta. Certo, certo, é que o Chanel Nº5 foi um sucesso mas também uma grande luta na sua vida.
Lançado oficialmente a 5 de Maio de 1921, começou por ser vendido apenas nas lojas Chanel de Paris, Biarritz e Deauville, mas em 1924 chegou às Galerias Lafayette. Aí, o dono, Théophile Bader, apresentou Coco aos sócios-irmãos (e judeus) Pierre e Paul Wertheimer, que conseguiram convencê-la a ceder-lhes os direitos de fabrico, comercialização e distribuição do produto, ficando ela só com 10% para vender nas suas lojas. Quando viu as vendas crescerem, enriquecendo os irmãos, lançou-se numa batalha judicial que duraria mais de 20 anos e que teve o apogeu na Segunda Guerra Mundial: com a França ocupada por Hitler, a criadora mudou-se para o Ritz e usou todo o seu poder “ariano” e influência junto de oficiais alemães para recuperar o controlo sobre o perfume. Em vão: os Wertheimer, entretanto refugiados na América, tinham passado a empresa Parfums Chanel para o nome de um empresário francês cristão, frustrando todas as tentativas de Coco – que mais tarde se confirmou ter sido espia e amante de um diplomata alemão – de aproveitar o destino dos judeus para voltar a deter o nº5.
Com o fim da guerra, o processo conheceria novos desenvolvimentos, com Coco a refugiar-se na Suíça com a ajuda de Churchill e os Whertheimer a ameaçar revelar ao mundo o colaboracionismo de Coco com os nazis, o que destruiria a reputação do perfume.
O acordo entre as partes – 2% dos lucros para ela, que viriam a torná-la a mulher mais rica do mundo à época – aconteceria em 1947, poucos anos antes de, em 1955, Marilyn Monroe contar ao mundo que dormia nua, “vestindo apenas duas gotas de Chanel nº5.”
Seria o início de um duradouro “namoro” entre o histórico perfume e as estrelas de cinema – de Ali MacGraw nos anos 60, Catherine Deneuve nos 70 e Carole Bouquet nos 80, a Nicole Kidman, Brad Pitt, Audrey Tautou e (a atual) Lily-Rose Depp nos 2000 –, mantendo-o na ribalta da fama até hoje... e inspirando muitas outras marcas a fazer investimento idêntico. W
Atrizes como Ali MacGraw, Catherine Deneuve, Carole Bouquet ou Nicole Kidman foram alguns dos rostos da publicidade ao Chanel N.º 5