TRUQUES PARA TRABALHAR EM CASA
Ter rotinas, fazer exercício físico, organizar o dia e não ficar de pijama. Enquanto você trabalha, os miúdos podem estudar
São já quase 400 ensaios e mais de mil artigos científicos sobre a covid-19. Fomos ler o que os cientistas estão a fazer e onde está a esperança para derrotar a doença que afeta o mundo.
Um pouco por todo o mundo, há centenas de ensaios clínicos a decorrer com um mesmo objetivo: parar a covid-19. A última atualização da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 8 de março, indicava 392 ensaios registados. Mas serão muitos mais, quer para um tratamento, quer para uma vacina. Na plataforma americana PubMed há já cerca de 1.000 artigos sobre a covid-19, o que é impressionante para um vírus que começou a chegar à opinião pública mundial há apenas três meses.
Há tantos ensaios a decorrer que alguns estão a competir por voluntários. Por exemplo, na China o surto está controlado e começam a faltar doentes – há um mês havia milhares – onde testar os fármacos. Uma grande parte destes ensaios clínicos tem como base medicamentos que já existiam e eram usados contra outros adversários de respeito: VIH, ébola ou malária.
A corrida ao ouro para um tratamento e vacina está a deixar as biofarmacêuticas isoladas no descalabro das bolsas mundiais. Por exemplo, a americana Gilead (que é a criadora do Remdesivir, de que falaremos
NA PLATAFORMA NORTE-AMERICANA PUB MED HÁ JÁ CERCA DE 1.000 ARTIGOS SOBRE A COVID-19
mais à frente) acabou 2019 a valer 59 euros por ação. A 6 de março de 2020 atingiu 73 euros – quase 25% de valorização.
O QUE JÁ SE SABE
h Neste século já houve duas pandemias declaradas: além da covid-19, houve a da Gripe A (H1N1), que teve origem no México em 2009. As más notícias é que a covid-19 é muito mais rápida a espalhar-se: a taxa de contaminação é 67% superior. Em média, cada doente com covid-19 contagia 2,5 pessoas (na Gripe A eram 1,5).
A taxa de mortalidade da covid-19 varia de país para país, mas anda entre os 3% e os 3,5%, muito acima da gripe sazonal (0,7%). Essa mortalidade pode chegar aos 15% em doentes com mais de 80 anos (a mesma percentagem, aliás, que já é registada nas pneumonias normais). A outra pandemia do século, a Gripe A, era mais letal noutras faixas etárias.
Anunciada oficialmente a 31 de dezembro (embora uma reportagem do South China Morning Post indique que já tinha sido sinalizada em novembro), a covid-19 foi identificada em apenas sete dias (7 janeiro). A 13 de janeiro já se podia fazer um teste fiável (desenvolvido pelo departamento de virologia do hospital universitário Charité, em Berlim) e a 15 do mesmo mês a sequência genética estava feita. A partir deste último passo podiam arrancar os ensaios para tratamentos e vacinas. Em resumo, foi um processo que decorreu em menos de três semanas. Na SARS de 2012 (espécie de irmão mais velho desta covid-19) demorou cinco meses.
O período de incubação (o tempo entre a pessoa ser infetada e aparecerem os primeiros sintomas) é no mínimo de dois dias. E 99% das pessoas desenvolvem sintomas até aos 14 dias – daí este número ser apropriado para a quarentena. Importante saber: sem sintomas, é muito pouco provável a pessoa transmitir o vírus a outra (há estudos com resultados opostos, mas ainda carecem de revisão). E em média quantos dias demora até haver sintomas? Todos os estudos estão a indicar cinco dias.
Um dos maiores estudos feitos na China, a 45 mil infetados, diz que em 81% dos casos os sintomas são leves, em 14% graves e 5% críticos (destes, em média, metade acaba por morrer). O vírus pode ser anulado facilmente nas superfícies com álcool (até 71%), água oxigenada ou lixívia – nunca as três substâncias juntas.
Quanto à propagação, tem havido bastante literatura científica – nova e reciclada sobre vírus semelhantes. Em resumo, a forma mais comum é um infetado tossir ou espirrar. As gotículas respiratórias podem ser inaladas por pessoas próximas ou podem ir parar a superfícies em que as outras pessoas toquem com as mãos (quando estas são levadas à boca, nariz ou olhos o vírus
entra). O cientista Juan Leon, citado pela revista Science, diz que o vírus é eliminado por produtos de limpeza domésticos, uma vez que “como os coronavírus são protegidos com uma camada protetora de gordura,
os desinfetantes destroem essa camada de gordura, o que os torna bastante fracos”.
O vírus pode ficar no ar até três horas ou dois ou três dias numa superfície de aço inoxidável ou plástico. Outro estudo detetou-o nas fezes, ou seja, pode ser transmitido por quem não lava bem as mãos depois de usar a casa de banho.
O QUE ESTÁ EM DÚVIDA
h A biofarmacêutica americana Gilead parece estar na linha da frente do combate à covid-19, pelo menos no campo dos tratamentos. A 26 de fevereiro anunciou dois ensaios clínicos do seu antiviral Remdesivir em 1.000 pessoas infetadas (maioritariamente na Ásia) para “rapidamente determinar se é eficaz e seguro para a covid-19”, diz. Ao mesmo tempo, a empresa cedeu o medicamento para mais três ensaios, um nos EUA e dois na província de Hubei, na China. Esperam-se resultados em abril.
A firma está confiante e a produzir o medicamento a uma velocidade recorde, embora saliente que “não está ainda licenciado ou aprovado em qualquer parte do mundo e não foi demonstrado que seja seguro ou eficaz para qualquer uso”. Ainda assim, indica que está a fornecer o medicamento para alguns casos de emergência.
A comunidade científica internacional parece mais ou menos unânime em dizer que o Remdesivir parece ser a melhor esperança no curto prazo. Numa conferência de imprensa a 24 de fevereiro, o líder da missão da OMS na China foi claro: “Só há um medicamento de momento que julgamos ter real eficácia.
É o Remdesivir.”
O paciente zero americano, um homem de 35 anos do estado de Washington, recuperou com a ajuda do fármaco. No dia 5 de março foi publicado no The New England
Journal of Medicine um relatório sobre o ocorrido. Depois de quatro dias de tosse e febre, o homem foi a uma urgência a 19 de janeiro. Tinha ido visitar a família em Wuhan e ouvira nas notícias que era de lá o foco de um novo vírus. Ao sétimo dia de internamento (11º dia em que estava doente), quando já tinha desenvolvido pneumonia, começou a ser tratado com Remdesivir. No dia seguinte, “a condição clínica do paciente melhorou”.
Não é líquido que o efeito tenha sido do medicamento, mas há pelo menos mais um caso parecido nos EUA, em fevereiro, agora de uma mulher. No dia 11 de março, a Bloomberg referia dois casos de administração do Remdesivir em França. Um doente acabaria por morrer, outro recuperou após 22 dias de internamento. Em Itália, há três casos assinalados de tratamentos que resultaram (incluindo em dois sexagenários chineses).
Quer em humanos, quer em animais, o Remdesivir ataca a capacidade de o vírus se reproduzir e, regra geral, só é administrado em doentes graves. O fármaco é um velho conhecido no combate ao Ébola. Em 2015, teve resultados promissores no combate ao vírus, mas no terreno, na fase 3 dos ensaios clínicos, realizados no Congo, os resultados não foram tão bons e o medicamento ficou mais ou menos na prateleira. Teme-se que aconteça o mesmo com a covid 19, uma vez que é na fase 3 que estão agora a decorrer os ensaios. Ou então que aconteça o contrário, como a outra pandemia do século, a do H1N1, que também foi travada com a ajuda de um antiviral que já existia, no caso o Tamiflu.
Um ponto a favor do Remdesivir é ter-se mostrado eficaz com os outros coronavírus mediáticos no passado, o MERS e o SARS. No primeiro Q
A GILEAD ESTÁ A PRODUZIR O MEDICAMENTO A UMA VELOCIDADE-RECORDE, EMBORA NÃO ESTEJA APROVADO
Q caso, um resultado publicado em janeiro indica que é eficaz em testes realizados em macacos infetados. Em fevereiro, outro estudo, in vitro, em Wuhan, mostrou a eficácia do fármaco (em conjugação com a cloroquina) contra o SARS (ambos partilham mais de 80% do código genético e isso pode ser uma boa notícia para o Remdesivir).
A 4 de fevereiro, a Nature publicou um ensaio de uma equipa de investigadores chineses que testaram a eficácia de vários fármacos. Os resultados, in vitro, mostram dois vencedores, o Remdesivir e a Cloroquina (esta já usada na malária), que parecem ser “altamente eficazes no controlo da covid-19”, dizem os investigadores. A Cloroquina também é eficaz a impedir a entrada do vírus nas células.
No campo das vacinas, a corrida é tão ou mais frenética e entusiasmante. E polémica. Este domingo, dia 15, o jornal alemão Welt am Sonntag escrevia (e isso foi depois confirmado pelo Governo alemão) que Donald Trump tentara junto de uma farmacêutica alemã, a CureVac, garantir o exclusivo para os EUA de uma vacina que a empresa está a desenvolver em tempo-recorde (para ser testada em humanos já em junho) em parceria com o Instituto Paul Ehrlich para Vacinas e Medicamentos Biomédicos. A troco de “grandes quantias de dinheiro”. O proprietário da empresa, Dietmar Hopp (uma figura polémica no seu país), já veio comunicar que não vai vender uma hipotética vacina em exclusivo a nenhum governo.
Outras farmacêuticas e laboratórios académicos (Moderna, Inovio, Sanofi, Novavax, Universidade de Queensland, Imperial College London, etc.) já anunciaram que estão a ultimar vacinas para testes em humanos.
TRUMP TENTOU GARANTIR PARA OS EUA O EXCLUSIVO DE UMA VACINA, JUNTO DE UMA FARMACÊUTICA ALEMÃ
Um dos estudos que estão a ser feitos na China, este com 300 pessoas, pretende testar a eficácia da administração de soro de sobreviventes da covid-19 em quem esteja infetado. A ideia é saber se os anticorpos que o sobrevivente adquiriu podem ajudar um doente a combater o vírus. Não é o único estudo relacionado com a administração de anticorpos dos sobreviventes – alguns incluem sangue. E estes sobreviventes (já há alguns em Portugal) ficam imunes ao coronavírus? “Em teoria, sim”, para usar a expressão do pneumologista Filipe Froes, num debate recente online da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Outro estudo está a administrar em 28 pacientes células estaminais de sangue menstrual e comparar com quem não recebeu. Não há evidências claras de que as células estaminais eliminem o vírus. E a revista Nature diz que na China até se estão a fazer ensaios, cerca de 15, baseados na medicina tradicional chinesa.
Finalmente, uma importante descoberta anunciada no passado dia 12: um antídoto para a covid-19. Este “anticorpo monoclonal humano que neutraliza a SARS-CoV-2” [covid-19] foi descoberto por uma equipa de 10 cientistas de duas universidades holandesas, Erasmus MC e Utrecht. A descoberta ainda está sob revisão dos pares, não foi publicada na Nature e tem um longo caminho a percorrer, uma vez que o anticorpo ainda tem de ser testado em humanos. “Tanto quanto sabemos, este é o primeiro anticorpo que bloqueia a infeção”, disse o chefe da equipa, Frank Grosveld, ao jornal da Erasmus MC.
O QUE FALTA SABER
h Por falar em imunidade, o que o Reino Unido está a fazer é uma das jogadas políticas e sanitárias mais arriscadas de sempre. O governo está à espera que os cidadãos contraiam a doença para ficarem imunes. A chamada imunidade de grupo requer um contágio de 60% em que só os mais graves recorrem aos hospitais.
As dúvidas advêm do desconhecido. Há registos de doentes curados que voltam a ser contagiados (mas também podem ter sido mal curados) e os vírus costumam mudar com o tempo – se não fosse isso, o da gripe já tinha sido reduzido à insignificância.
Relativamente à pouca incidência da doença nas crianças, pode estar relacionada com uns recetores dos pulmões chamados ACE2, que o coronavírus usa para entrar nas células humanas, e que aumenta consideravelmente com a idade. Num estudo chinês com 44.672 infetados, 416 tinham menos de 9 anos (0,9%). Nenhuma morte. Dos 10 aos 19 anos, foram 549 casos – uma morte (0,1%). Homens e mulheres foram contagiados por igual, mas 64 % das
mortes foram em homens. Não se sabe bem porquê. Pode ter a ver com razões hormonais ou os homens terem um histórico maior de doenças devido ao estilo de vida (por exemplo, mais fumadores) – isso vai implicar num quadro clínico de infeção pulmonar.
Sobreviver à covid-19 pode não ter apenas o efeito positivo da imunidade. Uma equipa de investigadores de Hong Kong inquiriu 12 doentes curados e três deles notaram mudanças na sua capacidade pulmonar. Por exemplo, ficam a arfar se andam mais rápido. Os especialistas estimam uma perda de 30% da função pulmonar em alguns pacientes. Mas a dimensão reduzida desta amostra não permite conclusões definitivas.
A covid-19 faz parte da família dos coronavírus, que têm o seu habitat natural nos animais – e, nestes, o hospedeiro preferencial é o morcego. Como os humanos não costumam comer ou interagir com morcegos, para chegar ao nosso corpo, uma estirpe do vírus precisa de infetar outro animal, um hospedeiro secundário. No caso do SARS (2002) foi a civeta, no MERS (2012) foi o camelo. No covid-19, terá sido o pangolim. Ainda que, teoricamente, seja possível a transmissão morcego-homem.
O que acontece se uma grávida for contagiada? Em Londres, no fim de semana, um recém-nascido tornou-se o mais novo doente. A mãe foi para o hospital com suspeitas de pneumonia dias antes do parto. Tudo indica que a transmissão terá ocorrido logo após o parto, quando contactou com a mãe. Richard Tedder, virologista citado pelo The Guardian, diz que têm sido feitos testes em grávidas com o vírus e não é detetado o mesmo no leite materno. Um outro estudo, com nove grávidas, não detetou uma transmissão para o feto. Mas a amostra não é conclusiva.
Outra questão é se o calor abranda o vírus. Até Donald Trump já o referiu. Marc Lipsitch, epidemiologista em Harvard, citado pela New York Magazine, diz que tal pode ser aceitável para um vírus antigo, mas para um novo não, porque quase ninguém lhe tem imunidade. “Em termos simples, vírus que circulam há muito tempo, podem espalhar-se pela população apenas quando as condições são mais favoráveis, neste caso no inverno. A sazonalidade não abranda novos vírus como acontece com os velhos.” Dá o exemplo do H1N1 (2009), que começou numa primavera, retrocedeu no verão e depois acelerou no outono.
Posição diferente tem o Prémio Pessoa 2018. Miguel Bastos Araújo divulgou um estudo com o investigador iraniano Babak Naimi (da Universidade de Helsínquia, Finlândia), que fazia um levantamento das áreas de infeção e concluía que o novo coronavírus se dá melhor em áreas secas (precipitação baixa) e com temperatura fresca (6 a 9 graus).
À Lusa, o responsável pela área da Biodiversidade na Universidade de Évora diz que, “no caso de Portugal, o que se prevê é que, agora, em março e abril, o vírus continue em expansão, mas espera-se que a partir de maio ou junho decaia abruptamente”. Diz o investigador que a covid-19, tal como o seu irmão SARS, “não será insensível às condições de temperatura e humidade”. Veremos. W