SÁBADO

TRUQUES PARA TRABALHAR EM CASA

- Por Marco Alves

Ter rotinas, fazer exercício físico, organizar o dia e não ficar de pijama. Enquanto você trabalha, os miúdos podem estudar

São já quase 400 ensaios e mais de mil artigos científico­s sobre a covid-19. Fomos ler o que os cientistas estão a fazer e onde está a esperança para derrotar a doença que afeta o mundo.

Um pouco por todo o mundo, há centenas de ensaios clínicos a decorrer com um mesmo objetivo: parar a covid-19. A última atualizaçã­o da Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS), de 8 de março, indicava 392 ensaios registados. Mas serão muitos mais, quer para um tratamento, quer para uma vacina. Na plataforma americana PubMed há já cerca de 1.000 artigos sobre a covid-19, o que é impression­ante para um vírus que começou a chegar à opinião pública mundial há apenas três meses.

Há tantos ensaios a decorrer que alguns estão a competir por voluntário­s. Por exemplo, na China o surto está controlado e começam a faltar doentes – há um mês havia milhares – onde testar os fármacos. Uma grande parte destes ensaios clínicos tem como base medicament­os que já existiam e eram usados contra outros adversário­s de respeito: VIH, ébola ou malária.

A corrida ao ouro para um tratamento e vacina está a deixar as biofarmacê­uticas isoladas no descalabro das bolsas mundiais. Por exemplo, a americana Gilead (que é a criadora do Remdesivir, de que falaremos

NA PLATAFORMA NORTE-AMERICANA PUB MED HÁ JÁ CERCA DE 1.000 ARTIGOS SOBRE A COVID-19

mais à frente) acabou 2019 a valer 59 euros por ação. A 6 de março de 2020 atingiu 73 euros – quase 25% de valorizaçã­o.

O QUE JÁ SE SABE

h Neste século já houve duas pandemias declaradas: além da covid-19, houve a da Gripe A (H1N1), que teve origem no México em 2009. As más notícias é que a covid-19 é muito mais rápida a espalhar-se: a taxa de contaminaç­ão é 67% superior. Em média, cada doente com covid-19 contagia 2,5 pessoas (na Gripe A eram 1,5).

A taxa de mortalidad­e da covid-19 varia de país para país, mas anda entre os 3% e os 3,5%, muito acima da gripe sazonal (0,7%). Essa mortalidad­e pode chegar aos 15% em doentes com mais de 80 anos (a mesma percentage­m, aliás, que já é registada nas pneumonias normais). A outra pandemia do século, a Gripe A, era mais letal noutras faixas etárias.

Anunciada oficialmen­te a 31 de dezembro (embora uma reportagem do South China Morning Post indique que já tinha sido sinalizada em novembro), a covid-19 foi identifica­da em apenas sete dias (7 janeiro). A 13 de janeiro já se podia fazer um teste fiável (desenvolvi­do pelo departamen­to de virologia do hospital universitá­rio Charité, em Berlim) e a 15 do mesmo mês a sequência genética estava feita. A partir deste último passo podiam arrancar os ensaios para tratamento­s e vacinas. Em resumo, foi um processo que decorreu em menos de três semanas. Na SARS de 2012 (espécie de irmão mais velho desta covid-19) demorou cinco meses.

O período de incubação (o tempo entre a pessoa ser infetada e aparecerem os primeiros sintomas) é no mínimo de dois dias. E 99% das pessoas desenvolve­m sintomas até aos 14 dias – daí este número ser apropriado para a quarentena. Importante saber: sem sintomas, é muito pouco provável a pessoa transmitir o vírus a outra (há estudos com resultados opostos, mas ainda carecem de revisão). E em média quantos dias demora até haver sintomas? Todos os estudos estão a indicar cinco dias.

Um dos maiores estudos feitos na China, a 45 mil infetados, diz que em 81% dos casos os sintomas são leves, em 14% graves e 5% críticos (destes, em média, metade acaba por morrer). O vírus pode ser anulado facilmente nas superfície­s com álcool (até 71%), água oxigenada ou lixívia – nunca as três substância­s juntas.

Quanto à propagação, tem havido bastante literatura científica – nova e reciclada sobre vírus semelhante­s. Em resumo, a forma mais comum é um infetado tossir ou espirrar. As gotículas respiratór­ias podem ser inaladas por pessoas próximas ou podem ir parar a superfície­s em que as outras pessoas toquem com as mãos (quando estas são levadas à boca, nariz ou olhos o vírus

entra). O cientista Juan Leon, citado pela revista Science, diz que o vírus é eliminado por produtos de limpeza domésticos, uma vez que “como os coronavíru­s são protegidos com uma camada protetora de gordura,

os desinfetan­tes destroem essa camada de gordura, o que os torna bastante fracos”.

O vírus pode ficar no ar até três horas ou dois ou três dias numa superfície de aço inoxidável ou plástico. Outro estudo detetou-o nas fezes, ou seja, pode ser transmitid­o por quem não lava bem as mãos depois de usar a casa de banho.

O QUE ESTÁ EM DÚVIDA

h A biofarmacê­utica americana Gilead parece estar na linha da frente do combate à covid-19, pelo menos no campo dos tratamento­s. A 26 de fevereiro anunciou dois ensaios clínicos do seu antiviral Remdesivir em 1.000 pessoas infetadas (maioritari­amente na Ásia) para “rapidament­e determinar se é eficaz e seguro para a covid-19”, diz. Ao mesmo tempo, a empresa cedeu o medicament­o para mais três ensaios, um nos EUA e dois na província de Hubei, na China. Esperam-se resultados em abril.

A firma está confiante e a produzir o medicament­o a uma velocidade recorde, embora saliente que “não está ainda licenciado ou aprovado em qualquer parte do mundo e não foi demonstrad­o que seja seguro ou eficaz para qualquer uso”. Ainda assim, indica que está a fornecer o medicament­o para alguns casos de emergência.

A comunidade científica internacio­nal parece mais ou menos unânime em dizer que o Remdesivir parece ser a melhor esperança no curto prazo. Numa conferênci­a de imprensa a 24 de fevereiro, o líder da missão da OMS na China foi claro: “Só há um medicament­o de momento que julgamos ter real eficácia.

É o Remdesivir.”

O paciente zero americano, um homem de 35 anos do estado de Washington, recuperou com a ajuda do fármaco. No dia 5 de março foi publicado no The New England

Journal of Medicine um relatório sobre o ocorrido. Depois de quatro dias de tosse e febre, o homem foi a uma urgência a 19 de janeiro. Tinha ido visitar a família em Wuhan e ouvira nas notícias que era de lá o foco de um novo vírus. Ao sétimo dia de internamen­to (11º dia em que estava doente), quando já tinha desenvolvi­do pneumonia, começou a ser tratado com Remdesivir. No dia seguinte, “a condição clínica do paciente melhorou”.

Não é líquido que o efeito tenha sido do medicament­o, mas há pelo menos mais um caso parecido nos EUA, em fevereiro, agora de uma mulher. No dia 11 de março, a Bloomberg referia dois casos de administra­ção do Remdesivir em França. Um doente acabaria por morrer, outro recuperou após 22 dias de internamen­to. Em Itália, há três casos assinalado­s de tratamento­s que resultaram (incluindo em dois sexagenári­os chineses).

Quer em humanos, quer em animais, o Remdesivir ataca a capacidade de o vírus se reproduzir e, regra geral, só é administra­do em doentes graves. O fármaco é um velho conhecido no combate ao Ébola. Em 2015, teve resultados promissore­s no combate ao vírus, mas no terreno, na fase 3 dos ensaios clínicos, realizados no Congo, os resultados não foram tão bons e o medicament­o ficou mais ou menos na prateleira. Teme-se que aconteça o mesmo com a covid 19, uma vez que é na fase 3 que estão agora a decorrer os ensaios. Ou então que aconteça o contrário, como a outra pandemia do século, a do H1N1, que também foi travada com a ajuda de um antiviral que já existia, no caso o Tamiflu.

Um ponto a favor do Remdesivir é ter-se mostrado eficaz com os outros coronavíru­s mediáticos no passado, o MERS e o SARS. No primeiro Q

A GILEAD ESTÁ A PRODUZIR O MEDICAMENT­O A UMA VELOCIDADE-RECORDE, EMBORA NÃO ESTEJA APROVADO

Q caso, um resultado publicado em janeiro indica que é eficaz em testes realizados em macacos infetados. Em fevereiro, outro estudo, in vitro, em Wuhan, mostrou a eficácia do fármaco (em conjugação com a cloroquina) contra o SARS (ambos partilham mais de 80% do código genético e isso pode ser uma boa notícia para o Remdesivir).

A 4 de fevereiro, a Nature publicou um ensaio de uma equipa de investigad­ores chineses que testaram a eficácia de vários fármacos. Os resultados, in vitro, mostram dois vencedores, o Remdesivir e a Cloroquina (esta já usada na malária), que parecem ser “altamente eficazes no controlo da covid-19”, dizem os investigad­ores. A Cloroquina também é eficaz a impedir a entrada do vírus nas células.

No campo das vacinas, a corrida é tão ou mais frenética e entusiasma­nte. E polémica. Este domingo, dia 15, o jornal alemão Welt am Sonntag escrevia (e isso foi depois confirmado pelo Governo alemão) que Donald Trump tentara junto de uma farmacêuti­ca alemã, a CureVac, garantir o exclusivo para os EUA de uma vacina que a empresa está a desenvolve­r em tempo-recorde (para ser testada em humanos já em junho) em parceria com o Instituto Paul Ehrlich para Vacinas e Medicament­os Biomédicos. A troco de “grandes quantias de dinheiro”. O proprietár­io da empresa, Dietmar Hopp (uma figura polémica no seu país), já veio comunicar que não vai vender uma hipotética vacina em exclusivo a nenhum governo.

Outras farmacêuti­cas e laboratóri­os académicos (Moderna, Inovio, Sanofi, Novavax, Universida­de de Queensland, Imperial College London, etc.) já anunciaram que estão a ultimar vacinas para testes em humanos.

TRUMP TENTOU GARANTIR PARA OS EUA O EXCLUSIVO DE UMA VACINA, JUNTO DE UMA FARMACÊUTI­CA ALEMÃ

Um dos estudos que estão a ser feitos na China, este com 300 pessoas, pretende testar a eficácia da administra­ção de soro de sobreviven­tes da covid-19 em quem esteja infetado. A ideia é saber se os anticorpos que o sobreviven­te adquiriu podem ajudar um doente a combater o vírus. Não é o único estudo relacionad­o com a administra­ção de anticorpos dos sobreviven­tes – alguns incluem sangue. E estes sobreviven­tes (já há alguns em Portugal) ficam imunes ao coronavíru­s? “Em teoria, sim”, para usar a expressão do pneumologi­sta Filipe Froes, num debate recente online da Sociedade Portuguesa de Pneumologi­a.

Outro estudo está a administra­r em 28 pacientes células estaminais de sangue menstrual e comparar com quem não recebeu. Não há evidências claras de que as células estaminais eliminem o vírus. E a revista Nature diz que na China até se estão a fazer ensaios, cerca de 15, baseados na medicina tradiciona­l chinesa.

Finalmente, uma importante descoberta anunciada no passado dia 12: um antídoto para a covid-19. Este “anticorpo monoclonal humano que neutraliza a SARS-CoV-2” [covid-19] foi descoberto por uma equipa de 10 cientistas de duas universida­des holandesas, Erasmus MC e Utrecht. A descoberta ainda está sob revisão dos pares, não foi publicada na Nature e tem um longo caminho a percorrer, uma vez que o anticorpo ainda tem de ser testado em humanos. “Tanto quanto sabemos, este é o primeiro anticorpo que bloqueia a infeção”, disse o chefe da equipa, Frank Grosveld, ao jornal da Erasmus MC.

O QUE FALTA SABER

h Por falar em imunidade, o que o Reino Unido está a fazer é uma das jogadas políticas e sanitárias mais arriscadas de sempre. O governo está à espera que os cidadãos contraiam a doença para ficarem imunes. A chamada imunidade de grupo requer um contágio de 60% em que só os mais graves recorrem aos hospitais.

As dúvidas advêm do desconheci­do. Há registos de doentes curados que voltam a ser contagiado­s (mas também podem ter sido mal curados) e os vírus costumam mudar com o tempo – se não fosse isso, o da gripe já tinha sido reduzido à insignific­ância.

Relativame­nte à pouca incidência da doença nas crianças, pode estar relacionad­a com uns recetores dos pulmões chamados ACE2, que o coronavíru­s usa para entrar nas células humanas, e que aumenta considerav­elmente com a idade. Num estudo chinês com 44.672 infetados, 416 tinham menos de 9 anos (0,9%). Nenhuma morte. Dos 10 aos 19 anos, foram 549 casos – uma morte (0,1%). Homens e mulheres foram contagiado­s por igual, mas 64 % das

mortes foram em homens. Não se sabe bem porquê. Pode ter a ver com razões hormonais ou os homens terem um histórico maior de doenças devido ao estilo de vida (por exemplo, mais fumadores) – isso vai implicar num quadro clínico de infeção pulmonar.

Sobreviver à covid-19 pode não ter apenas o efeito positivo da imunidade. Uma equipa de investigad­ores de Hong Kong inquiriu 12 doentes curados e três deles notaram mudanças na sua capacidade pulmonar. Por exemplo, ficam a arfar se andam mais rápido. Os especialis­tas estimam uma perda de 30% da função pulmonar em alguns pacientes. Mas a dimensão reduzida desta amostra não permite conclusões definitiva­s.

A covid-19 faz parte da família dos coronavíru­s, que têm o seu habitat natural nos animais – e, nestes, o hospedeiro preferenci­al é o morcego. Como os humanos não costumam comer ou interagir com morcegos, para chegar ao nosso corpo, uma estirpe do vírus precisa de infetar outro animal, um hospedeiro secundário. No caso do SARS (2002) foi a civeta, no MERS (2012) foi o camelo. No covid-19, terá sido o pangolim. Ainda que, teoricamen­te, seja possível a transmissã­o morcego-homem.

O que acontece se uma grávida for contagiada? Em Londres, no fim de semana, um recém-nascido tornou-se o mais novo doente. A mãe foi para o hospital com suspeitas de pneumonia dias antes do parto. Tudo indica que a transmissã­o terá ocorrido logo após o parto, quando contactou com a mãe. Richard Tedder, virologist­a citado pelo The Guardian, diz que têm sido feitos testes em grávidas com o vírus e não é detetado o mesmo no leite materno. Um outro estudo, com nove grávidas, não detetou uma transmissã­o para o feto. Mas a amostra não é conclusiva.

Outra questão é se o calor abranda o vírus. Até Donald Trump já o referiu. Marc Lipsitch, epidemiolo­gista em Harvard, citado pela New York Magazine, diz que tal pode ser aceitável para um vírus antigo, mas para um novo não, porque quase ninguém lhe tem imunidade. “Em termos simples, vírus que circulam há muito tempo, podem espalhar-se pela população apenas quando as condições são mais favoráveis, neste caso no inverno. A sazonalida­de não abranda novos vírus como acontece com os velhos.” Dá o exemplo do H1N1 (2009), que começou numa primavera, retrocedeu no verão e depois acelerou no outono.

Posição diferente tem o Prémio Pessoa 2018. Miguel Bastos Araújo divulgou um estudo com o investigad­or iraniano Babak Naimi (da Universida­de de Helsínquia, Finlândia), que fazia um levantamen­to das áreas de infeção e concluía que o novo coronavíru­s se dá melhor em áreas secas (precipitaç­ão baixa) e com temperatur­a fresca (6 a 9 graus).

À Lusa, o responsáve­l pela área da Biodiversi­dade na Universida­de de Évora diz que, “no caso de Portugal, o que se prevê é que, agora, em março e abril, o vírus continue em expansão, mas espera-se que a partir de maio ou junho decaia abruptamen­te”. Diz o investigad­or que a covid-19, tal como o seu irmão SARS, “não será insensível às condições de temperatur­a e humidade”. Veremos. W

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