JOSÉ PACHECO PEREIRA
Nunca achei que a melhor designação para o género conhecido como “ficção científica” fosse mesmo “ficção científica”. Na verdade, os melhores livros do género têm pouco de ciência e muito de ficção criativa tradicional, social, política, filosófica. A parte científica acabava por ser quase sempre distópica, e em muitas histórias de máquinas, de robots, o que estava mal não era o hardware, mas sim o software. E esse problema era mais a “humanização” das máquinas, que aprendiam com os humanos a serem egoístas, violentas e cruéis, do que a “maquinização” dos humanos, que também havia como Charlie Chaplin percebeu nos Tempos Modernos.
Fui, na época em que ler compulsivamente era uma forma de “alimentar o monstro”, um grande leitor de ficção científica. Li os primeiros cem volumes da colecção Argonauta todos, e depois do número duplo do 100, li ainda muitos a seguir até à série azul, em que comecei a deixar muitos por ler. Mas não era só na Argonauta, era também nas histórias aos quadradinhos, no Cavaleiro Andante, no Foguetão, no Flecha, e já quase nada no Tintin, nem nas séries belgas e francesas posteriores que nunca me agradaram especialmente. Mas ainda hoje, se tiver que eleger uma história aos quadradinhos, era a de E.P. Jacobs o Enigma da Atlântida (que li no Cavaleiro Andante) com Blake e Mortimer a chegar à Atlântida pelo caminho açoriano. Desde essa altura que sei o que era um Basileus. Vejam lá como isto funciona… E a par com essa história, o meu Júlio Verne preferido era a A Ilha Misteriosa, não tanto pelo “mistério”, que só mais tarde vim a perceber qual era (na biblioteca familiar não havia o último volume), mas pela maneira como o saber dos náufragos do balão traziam da América em guerra civil, para a ilha a que chamaram Lincoln.
Também fui sempre um bom consumidor de filmes catástrofe, e um interessado pelo tema da catástrofe maior do fim da humanidade, que, mais uma vez, nunca me fez esquecer A Morte da Terra de J.H. Rosny Ainé, também lida na Colecção Argonauta. As epidemias têm, como se sabe, um papel maior nesses cenários de catástrofe.
Algumas das cenas desses filmes catástrofes podemos vê-las hoje na televisão ou da nossa janela: ruas, monumentos, cidades, habitualmente cheias de multidões, desertas. Isto sim, era até agora de filme, e hoje é uma realidade. O mesmo para as cenas de saque, em que multidões para quem já valia tudo, tentavam roubar tudo aquilo que nunca tinham tido. Embora sob a forma de mais pacíficos saques aos supermercados, também era filme e passou à realidade. E depois o medo, o ancestral medo da peste, em que as casas eram marcadas e umas equipas de condenados com máscaras de adunco bico de pássaro, andavam a reco
lher os mortos para as piras funerárias, uma das imagens mais assustadoras da história da humanidade. Isto era passado maldito e passou à realidade com homens e mulheres vestidos com fatos de protecção biológica, e máscaras que nunca trouxeram bom agoiro. E no capítulo do medo, o medo invisível de um inimigo também invisível, à nossa volta, nos botões dos elevadores, nos tampos das mesas, colado aos telemóveis, nos puxadores das portas, nos corrimões, e … nas mãos das outras pessoas. E a resposta seria ridícula se não fosse tudo a sério: encontro de cotovelos, salamaleques à distância ou, como fez Macron (provavelmente a coisa mais imaginativa desde que é Presidente), um gesto oriental de vénia com o “Namaste”. Para estranheza estamos conversados em sânscrito.
Isto é mesmo ficção científica, mas onde os mais imaginativos são os vírus. W