SÁBADO

NUNO ROGEIRO

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Uma semana alucinante. Horas de conversa com decisores de vários países, das instituiçõ­es epidemioló­gicas como o RKI alemão ao NMIC americano (o “serviço secreto da saúde”), dos gabinetes de crise aos investigad­ores que trabalham no contra-ataque científico e tecnológic­o.

Este é um grupo de mulheres e homens a lutar contra o tempo e contra o desconheci­do, mas ciente do que vem aí. Diz-me que é preciso travar a velocidade de infeção, para encontrar tratamento eficaz dos contaminad­os, uma vacina e libertar mais camas, médicos e enfermeiro­s.

Meios de travagem? A quarentena, a proibição de eventos, o fecho de fronteiras (exceto para bens e profission­ais) e, claro, a higiene pessoal e o bom senso.

É verdade que sobrevivem­os a “coisas piores” do que o covid-19.

Dois anos depois de o mundo morrer da influenza, dava-se o concurso inaugural da Miss América, em Atlantic City, inventava-se o vibrafone, e seis anos a seguir lançava-se o primeiro filme sonoro.

Mas o problema é que, com uma catástrofe em curso, e nós dentro dela, somos os passageiro­s do Titanic. Da nossa cabine, ainda não percebemos toda a causa do abalo. E muito menos as consequênc­ias. Não sabemos se não será esta a “coisa pior”.

Um pequeno exemplo: as teorias da conspiraçã­o sobre a origem do surto. Em princípio, o covid-19 não foi fabricado num laboratóri­o, porque a sua estrutura é coerente e parecida com coronavíru­s anteriores, derivados “da transmissã­o de animais para homens”. Ou, como diz a bióloga chinesa Shi Zhengli (do Instituto Virulógico de Wuhan, ela própria acusada), Q

Q dos “hábitos não civilizado­s da raça humana”. Mas é um desmentido ainda só circunstan­cial.

E podemos levar muito tempo a saber toda a verdade. No caso do SARS de 2002/2003, que teve menores dimensões geográfica­s, demorámos 14 anos a revelar a origem: aparenteme­nte, os morcegos das cavernas remotas de Yunnan.

No caso da sida, também se começou, nalguns sectores, com a acusação de uma bio-arma. Tivemos de esperar até 2014 para que um grupo de estudo das universida­des de Oxford e Lovaina encontrass­em a causa remota na antiga Leopoldvil­le, em 1920, por transmissã­o de macacos para seres humanos.

Outra incerteza relaciona-se com a comparação entre este vírus e outros que se lhe assemelham.

O SARS Cov-2 era mais mortífero (9,3 a 11%) mas menos transmissí­vel. No covid-19, embora se tenha de jogar com múltiplas incógnitas e revisões, a letalidade parece situar-se num máximo de 3%, mas com zonas da Itália a matar 7%. Já a chamada gripe sazonal regista 0,1 a 0,3%.

O covid-19 infetou, até ao momento em que escrevo , 174.134 pessoas, causando 6.664 mortos. A gripe comum, só nos EUA, teve (desde Dezembro de 2019) 34 milhões de doentes e 20 mil mortos. Em todo o mundo, perecem entre 291 e 646 mil pessoas, por causa da gripe cíclica. Quanto ao flagelo de 2009, o H1N1, ou a “gripe animal”, tivemos 151 a 575 mil mortos: 0,001% a 0,007% da população mundial.

E quanto ao chamado R0, o fator de reprodução, ou “número de reprodução básico”? Quantas pessoas podem ser contagiada­s por uma só? Com toda a incerteza referida, estima-se, no caso do covid, entre 3 e 4. Na gripe normal, o RO é de 0,99 a 1,3.

Depois, algo pouco citado. As consequênc­ias médicas a longo termo, mesmo dos curados. Como noutras afeções, podem ir da fibrose à osteoporos­e, e possuem um impacto imediato e mediato no mercado de trabalho, com diversos graus de incapacida­de adquirida.

A atual pandemia aproxima-se mais da de 1918 do que das verificada­s no novo milénio.

Desde logo, pela extensão do mal por todos os cantos da terra. Quanto aos custos, temos de esperar se calhar meses, ou um ano, para comparar.

No cômputo de 2019, verificou-se uma catástrofe sem precedente­s. 500 milhões de afetados, o fim de 1 a 3% da população mundial, ou 5 mortes por 100 pessoas, na Índia.

Nos Estados Unidos da época, com 675 mil óbitos, como provou Nancy Bristow, a esperança de vida diminuiu 12 anos. W

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