SURPREENDIDO PELO PECADO
SE O DISSERES NA MONTANHA
k Foi traduzido entre nós o primeiro livro escrito por James Baldwin (1924-1987), o romance autobiográfico Se o Disseres na Montanha, motivo de querela nos círculos académicos anglo-americanos: romance afro-americano ou romance gay?
Nimbado de ressonâncias bíblicas, desde logo a partir do título, mas também ao nível sintático, o plot centra-se na figura de John Grimes, um adolescente do Harlem cujo pai fora pregador pentecostal, como o padrasto do autor. Nunca tendo conhecido o pai biológico, o livro nasce da relação conflituosa que Baldwin mantinha com o marido da mãe, clérigo sulista.
Ao fim de anos persistência, Se o Disseres na Montanha foi terminado em 1951, nos Alpes suíços, em casa de um namorado do autor. Foi nesse cenário em tudo diferente do que fora a sua vida pretérita (em Nova Iorque, onde nasceu, e em Paris para onde foi viver aos 24 anos), que Baldwin, neto de escravos, crente “até ao dia em que o pecado o surpreendeu pela primeira vez”, fixou as memórias que o levaram à descoberta do sexo e à descrença religiosa. Dito de outro modo, um mergulho na infância e pré-adolescência de um rapaz negro, pobre e homossexual, nascido na América dos anos 30.
Dividido em três partes e cinco capítulos, o livro fixa-se nas reflexões do protagonista (um miúdo de 14 anos), na tia, no padrasto, na mãe e de novo no rapaz. Em 1935 a sociedade não reconhecia questões identitárias, a fé era um dogma, e os negros caricaturados com todo o tipo de clichês.
Porque ninguém sai impune da apostasia, um sentimento de culpa percorre o livro: “Odiava o mal que habitava o seu corpo…” O juízo tanto é válido para as reflexões de John (alter ego do narrador) como para os flashbacks relacionados com a família.
Sem surpresa, Se o Disseres na Montanha é justamente considerado um dos pontos de partida do movimento dos direitos civis dos negros americanos. W