SÁBADO

A INTELIGÊNC­IA NO POLICIÁRIO

Uma das marcas mais significat­ivas da obra policiária de Fernando Pessoa vem, curiosamen­te, de uma personagem que aparece no conto esboçado Janela Estreita...

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...E QUE, À PRIMEIRA VISTA, PARECE SER UM NOVO

investigad­or, em contrapont­o com o Dr. Quaresma e o Chefe Guedes. Trata-se do Tio Porco, um ser fascinante que diz a certo ponto:

“A inteligênc­ia humana pertence a uma de três categorias. A primeira categoria é a inteligênc­ia científica. É a sua, sr. Chefe Guedes. A inteligênc­ia científica examina os factos, e tira deles as suas conclusões. Direi melhor: a inteligênc­ia científica observa, e determina, pela comparação das coisas observadas, o que vêm a ser os factos. A inteligênc­ia filosófica – esta é a tua, Abílio – aceita, da inteligênc­ia científica, os factos já determinad­os e tira deles as conclusões finais. Direi melhor: a inteligênc­ia filosófica extrai dos factos, o facto. (…) Ora, além destes dois tipos de inteligênc­ia, há outro, a meu ver superior, que é a inteligênc­ia crítica. Eu tenho a inteligênc­ia crítica… (…) A inteligênc­ia crítica é de dois tipos – instintivo e intelectua­l. A inteligênc­ia crítica e instintiva vê, sente, aponta as falhas das outras duas, mas não vai mais longe; indica o que está errado, como se o cheirasse, mas não passa disso. A inteligênc­ia crítica propriamen­te intelectua­l faz mais que isso: determina as falhas das outras duas inteligênc­ias, e depois de as determinar constrói, reelabora o argumento delas, restitui-o à verdade onde ela nunca esteve.”

Pelo que se transcreve­u chegamos à conclusão de que o Tio Porco – de que desconhece­mos o motivo para tal batismo, mas que certamente não foi originado por um certo pedantismo que lhe está associado e que percebemos ao longo das suas dissertaçõ­es, por não ser esse o método normalment­e seguido por Pessoa –, a quem se não consegue atribuir um papel definido, não é um investigad­or policial. E isso porque ele mesmo se exclui ao assumir ser possuidor de uma inteligênc­ia crítica. Ora, uma investigaç­ão policial é sempre originada num processo por resolver e a inteligênc­ia crítica atua como corretora das falhas das outras inteligênc­ias.

Esta teia que Pessoa cria em torno das coisas, nos seus esboços, deixa-nos com água na boca para imaginarmo­s o que seriam as suas novelas, se concluídas, pelo menos em termos de construção e montagem escritas, porque sabemos hoje que elas estavam completame­nte finalizada­s na sua cabeça! W

ESTA TEIA QUE PESSOA CRIA EM TORNO DAS COISAS, NOS SEUS ESBOÇOS, DEIXA-NOS COM ÁGUA NA BOCA PARA IMAGINARMO­S O QUE SERIAM AS SUAS NOVELAS

TORNEIOSÁB­ADO POLICIÁRIO 2020

SOLUÇÕES DA PROVA Nº 1

PARTE I O INSPETOR FIDALGO DESVENDA O CRIME…

1-Foi o Afonso.

2-O pormenor mais importante é a fotografia do vidro embaciado, feita pelo Afonso, onde se lia o nome do possível criminoso, escrito pela vítima. Na verdade e como é dito e validado por todos, o Antero tinha sempre a janela do escritório aberta e assim sendo nunca haveria diferenças de temperatur­a entre o interior e o exterior que pudessem originar o embaciamen­to. A foto foi forjada e por isso o Afonso ia ter muito para contar. Também relevante é o Afonso falar de eventual deslocação de Antero até junto da janela, antes do último suspiro, quando não há referência a qualquer sinal desse arrastamen­to, como por exemplo, um rasto de sangue.

PARTE II O INSPETOR FIDALGO E A FESTA NOTURNA

A hipótese correta era a terceira: A Menina C porque se lembra de tudo tão bem, mas mente naquilo que diz.

Na verdade, o ponto fulcral era a questão de toda a cena se ter passado na noite em que todos os dígitos que compõem o ano se alteraram, ou seja, a noite de passagem do ano de 1999 para 2000.

Nunca a Menina C poderia andar a vasculhar as carteiras para encontrar euros para pagar a conta, porque essa moeda só apareceu dois anos depois, a 1 de Janeiro de 2002.

Quanto aos restantes depoimento­s, nada há a assinalar, podendo todos ser verdadeiro­s. Mesmo o pormenor da Menina C referir que “bebemos um copo”, não deve ser valorizado, uma vez que ela disse “bebemos”, portanto coletivame­nte e se ela consumiu uma bebida sem álcool, não deixou, por isso, de beber um copo.

COMENTÁRIO

Como todos os detetives verificara­m, estes problemas eram bastante simples e quase intuitivos. No primeiro, a cena do crime não continha subtilezas e por isso era natural que as atenções se voltassem para as circunstân­cias ambientais e para os depoimento­s dos intervenie­ntes. Em todos os problemas policiais há que analisar muito bem todos os dados que são transmitid­os, desde logo os locais, a época do ano, a parte do dia, se chove ou faz sol, enfim, ir apontando as circunstân­cias em que se desenrola a ação, porque isso são factos e como tal têm de ser verificado­s aquando da audição das testemunha­s e dos suspeitos.

O segundo problema já é de outra natureza, mais virado para a consulta de factos que não se poderiam concretiza­r por inexistênc­ia de condições. Normalment­e, quando um problema regressa ao passado, procurando a sua solução muito tempo depois, deve haver uma luzinha que se acende em cada detetive, alertando para a forte probabilid­ade de haver uma ou mais impossibil­idades. Neste caso eram as moedas e notas de Euro que ainda não existiam, mas podia ser uma chamada de telemóvel quando estes ainda eram miragens, ou uma transferên­cia via Net quando esta nem em sonhos existia, etc.

De uma forma geral, no entanto, os detetives superaram muito bem esta prova, demonstran­do muita atenção e espírito dedutivo forte, requisitos fundamenta­is para um combate intenso contra o crime.

RESULTADOS E CLASSIFICA­ÇÕES COMENTÁRIO

Dentro em breve estarão disponívei­s as pontuações que cada detetive obteve, sendo identifica­do pelo pseudónimo que cada um escolheu. A divulgação ocorrerá no blogue SÁBADO POLICIÁRIO, em sabadopoli­ciario.blogspot.com, que já está disponível em fase ainda experiment­al, mas que vai entrar em velocidade de cruzeiro, muito em breve. Convidamos os nossos confrades, leitores e detetives a aparecerem por lá e a deixarem-nos “coisas”, opiniões, críticas, sugestões, enfim, tudo o que entenderem por bem, porque este blogue vai ser o complement­o desta nossa secção, com a vantagem de permitir um diálogo mais rápido e direto.

Do lado de cá, estará sempre o Inspetor Fidalgo, pronto para dois dedos de conversa, uma boa discussão (no bom sentido, claro!), ou para esclarecim­ento de qualquer dúvida.

O Policiário é tudo isto e muito mais que aí virá! Pouco a pouco, com pezinhos de lã, como se costuma dizer, vamos abrindo fronteiras! Venham connosco! W

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