André, 40 anos
CHEFE DE CABINE DE UMA COMPANHIA AÉREA
Tenho voado cinco dias por semana, sempre para a Europa. Desde que a situação se complicou já fiz uns oito ou nove voos. No início o assunto foi tratado com leveza, passava um asiático e ouvia-se logo uma piada: “Tudo em apneia, não respirem.” Agora já não é assim: na quarta-feira [dia 11] começou a embarcar álcool, gel e passámos a ter de usar luvas em todo o serviço, não só para recolher. Mas só agora a companhia está a reforçar os cuidados: no início nem sempre havia álcool, tínhamos de ter cuidado para as luvas durarem até ao fim do voo – havia sempre poucas – e não estávamos autorizados a usar máscara porque podia gerar o pânico. Tenho uma filha pequena e tirei o fim de semana para pensar se continuava a voar ou se punha baixa. Decidi continuar. A minha mulher pode ficar em casa e eu vou ajudar a companhia e as pessoas. Acho que vamos funcionar numa espécie de bolsa de serviços mínimos, para garantir repatriamentos e voos indispensáveis, mas ainda ninguém sabe como vai ser. Sabe que nós, os tripulantes, achamos um bocadinho que somos invencíveis, chegamos sem dormir e vamos brincar com os filhos, essas coisas. Mas é verdade que já tenho algum receio. Ainda na sexta fui num avião que tinha acabado de chegar de Madrid. É verdade que o oxigénio filtra mais de 99% das bactérias, mas já viu um avião a ser limpo? É varrido a correr, passa-se um pano húmido e já está. E não é só isso: no embarque as pessoas passam a 40 centímetros de nós, é comum entregar e recolher 144 bandejas num serviço...