Canal Parlamento Entretenha-se: faça um bingo com os debates
Já era tempo de o Canal Parlamento poder finalmente ser útil aos portugueses: agora a entreter em casa. Os deputados repetem-se: jogue com isso.
Guarde o cartão acima. Caso esteja em casa por força dos tempos de isolamento social, vai precisar de se distrair. Embora a política possa em regra ter funções mais nobres do que essa – até responder a pandemias – pode também servir para isso. Propomos-lhe um bingo parlamentar. Os políticos e sobretudo a forma
A “VERDADE” É INVOCADA COM FREQUÊNCIA CANSATIVA. “A VERDADE É QUE” CHEGA A PARECER UM REFRÃO
como se expressam são quase sempre (suspiro) previsíveis: há palavras e expressões (e até disparates) que sabemos que mais tarde ou mais cedo alguém vai proferir com ar sério. Assim, pode usar o cartão acima para fazer “linha”, ou “bingo” à medida que os protagonistas do debate estiverem em curso e forem debitando as muletas da praxe. E se o parlamento fechar? Não vale a pena esmorecer: o Canal Parlamento, a ARtv, à partida com pouco potencial lúdico, pode agora, finalmente, servir para passar o tempo – e fazer bingo.
Se vir, para debates mais recentes, poderá rapidamente cruzar “coronavírus” no seu cartão. Mas isso é conjuntural: já entre o que é estrutural no linguajar parlamentar, há constantes praticamente garantidas. Dia 13 houve debate a pedido do CDS, sobre o coronavírus. Efetivamente. Efetivamente houve e “efetivamente” foi dito (e redito) logo aos três minutos da primeira intervenção, de Telmo Correia (CDS). O primeiro-ministro António Costa também pratica o “efetivamente”. Enche e dá ênfase.
Alguém começa a falar e diz “a minha primeira palavra é para” (Costa abriu assim o debate quinzenal de 4 de março aos sete minutos e 56 segundos). Há sempre a “primeira palavra” e “uma palavra ainda para” ou mesmo “uma palavra final para” (Costa, tudo no mesmo
debate). Já Telmo Correia disse duas vezes na mesma intervenção “uma palavra para” e, por fim, “uma última palavra para”.
Tão garantida como a “palavra” é a “verdade”. Não há debate sem “verdade” (sem ironia). “A verdade é que” (Jerónimo de Sousa, do PCP), “não é verdade que” e “também é verdade que” (mesmo autor e tudo de seguida). A verdade é de tal forma importante que “não podemos deixar de dizer” que... e Catarina Martins, do BE, por exemplo, não pôde deixar de dizer várias coisas.
“Este é o momento”: é sempre
Em qualquer debate fica-se também a saber que “este é o momento”. Não interessa qual porque é sempre “este”: “Este é o momento”, garantiu Marta Temido, ministra da Saúde, com minutos de intervalo do “este é o momento” de Telmo Correia. É sempre o momento.
Há coisas fáceis: Ferro Rodrigues, que pouco intervém, diz sempre
“queira concluir, faxavor” mais de 10 vezes em cada debate. Por vezes varia: “tem que terminar, faxavor”, ou “culmine faxavor”. O que desencadeia a natural reação do “com isto concluo”, por vezes em repeat (Catarina Martins) ou “vou concluir”. Conclua, conclua.
“Conclua, ‘faxavor’”
No campo das idiossincrasias pessoais, o equivalente ao “faxavor” ferrista é o “máior” ou “máiores” de Rio Rio. Mas nesta área é largamente batido por António Costa. Basta estar atento, porque “constção” e “leslatura”, “leslação” são clássicos absolutos. Saem sempre. Exemplo prático real: temos “leslação” para o coronavírus e para sua quarentena, a “constção” não a impede. Por vezes, tem lapsos de dicção mais exóticos, como “massagem” (não consta se seja tratamento para os pacientes de Covid 19, seria “mensagem”, no arranque do último debate quinzenal), mas por serem imprevisíveis não os incluímos no cartão. No entanto, consta lá o “ah ver”, mas é só para os mais atentos, porque passa facilmente despercebido. Mas a verdade é que o primeiro-ministro começa algumas respostas com esta espécie de abreviatura de “ora vamos lá a ver” (presumimos). Também o fez na entrevista à SIC, dia 16. Também continua a dizer “memo” (“é memo o SNS robusto que nós desejamos”) e “tamém”, mas convém que o primeiro-ministro não monopolize o jogo.
Depois, há a “garantia” e seus derivados (ou os pedidos de que garanta o que quer que seja, por parte da oposição). Exemplo: André Ventura (Chega) a proferir, de rajada na mesma intervenção, que “garantias pode dar”, “é necessário garantir”, “garantindo que” e é “urgente garantir que” e “como vai o governo garantir”. E vamos concluir (isto contagia-se). W
HÁ SEMPRE “UMA PRIMEIRA PALAVRA PARA” E “UMA ÚLTIMA PALAVRA PARA”. OU APENAS “UMA PALAVRA PARA”