TEMOS DE DEIXAR OS TEMOS DE DEIXAR OS MIÚDOS BRINCAR TEMOS DE DEIXAR OS MIÚDOS BRINCAR
Chapinhar na água ou na lama só lhes faz bem. Segundo os especialistas, quanto mais liberdade as Chapinhar na água ou na lama só lhes faz bem. Segundo os especialistas, quanto mais liberdade as crianças tiverem para atividades melhor desenvolvem o raciocí
Num canto do jardim da sua casa, Andreia Davide lembrou-se de pôr os filhos, Guilherme, de 5 anos, e Laura, de 3, a fazer jardinagem. Juntaram os utensílios e as sementes e calçaram as galochas. Semearam um canteiro, demorada e atentamente, mas quando chegou a altura de o regar as coisas descontrolaram-se: ficaram a chapinhar até se encherem de lama. “Estiveram duas horas a brincar e o que me fez esquecer toda a sujidade foram as enormes gargalhadas que se ouviam na vizinhança”, conta Andreia, que é autora do blogue No Colo da Mãe, onde partilha brincadeiras fáceis e divertidas de realizar em casa.
Utilizando produtos muito simples, como farinha e arroz, Andreia sempre fez atividades com os filhos, inspiradas no Método Montessori (ver caixa), que partilhava nas redes sociais. As pessoas queriam saber como fazia e, no ano passado, criou as Okapibox, que são caixas de atividades didáticas, adequadas a diferentes idades, uma dos 12 aos 36 meses e outra dos 3 aos 6 anos, que ajudam as crianças a desenvolverem a criatividade, enquanto aprendem! “Defendo que devemos sempre deixar as crianças brincar, e isso vem acima de qualquer atividade. Brincar é aprender! Correr no parque, explorar o mundo, estarem ao nosso lado nas tarefas domésticas ou do dia a dia, tudo isso é aprender.” Todos os meses é lançada uma caixa com um tema, como jardinagem, gelo ou cores do arco-íris. A última é sobre os estados do tempo. Lá
ANDREIA DAVIDE: “BRINCAR É APRENDER. SEJA A CORRER NO PARQUE OU A AJUDAR NAS TAREFAS DOMÉSTICAS”
dentro, há uma roda de madeira, um dado e cartões com os diversos estados meteorológicos para ajudar a compreender e a identificar, diariamente, o estado do tempo. Andreia começou por fazer 300 caixas a cada mês, que vende online, por cerca de 30 euros, e que se esgotam em duas ou três horas. Hoje, já produz quase o dobro. Embora deem prioridade aos brinquedos didáticos, os filhos de Andreia também brincam com outras coisas: “Não vivemos numa bolha! O Guilherme, por exemplo, tem carrinhos e uma consola para jogar jogos de futebol que adora. Cozinhamos juntos, fazemos bolinhas energéticas, pizzas, tartes e passamos o maior tempo possível ao ar livre.”
Cartazes 3D e bolachinhas
Mãe de cinco filhos – João, de 12, Inês, de 11, Rita, de 8, Tiago, de 3, e Ana, de 1 –, Sara Soares estimula as crianças desde bebés e faz muita pesquisa sobre o que há de novo, de acordo com as fases de desenvolvimento ao nível cognitivo e de motricidade. Descobriu as Okapibox e todos os meses encomenda uma. “O Tiago é o que gosta mais, mas todos participam, com os mais velhos a ajudar.” Sara – que optou por deixar a multinacional em que trabalhava, como diretora de departamento, quando nasceu o terceiro filho – faz muitas coisas com eles, como trabalhos manuais, cartazes em 3D sobre temas que estão a dar na escola. Cozinham ainda bolachinhas e panquecas “para lhes incentivar a autonomia e a responsabilidade”. Para esta fa
Q mília, há uma atividade essencial: a leitura. “Leio imenso para eles em voz alta. Desde sempre que uma fatia do orçamento mensal é destinada a livros.”
Quanto mais liberdade os miúdos tiverem para brincar melhor se desenvolvem. Esta é uma opinião generalizada entre psicólogos, pediatras e educadores. “Crianças mais criativas nas suas brincadeiras são geralmente menos stressadas e apresentam melhores competências sociais. As brincadeiras livres, sem limites e sem tema restritivo promovem a criatividade, melhoram a linguagem e exercitam a memória”, lê-se no livro À Descoberta do Seu Bebé, de Margarida Lobo Antunes (pediatra) e de Andreia Vidal (educadora de infância). Para a psicóloga Cristina Valente, as atividades nos infantários são estruturadas e não dão oportunidade aos miúdos de usarem a criatividade no seu máximo: “A criança tem de brincar sozinha e construir a sua visão do mundo, sem lhe impormos o nosso mapa mental.”
Um bloco e canetas de feltro ou uma paleta de aguarelas é tudo o que Madalena, de 7 anos, precisa para se entreter uma tarde inteira. “Desde muito pequena é capaz de ficar horas a desenhar animais, princesas, a mãe, o pai ou a mana, e nem se lembra que tem tablet. Depois, vem oferecer-nos os desenhos, orgulhosa”, conta à SÁBADO Marisa Horta, que também é mãe de Maria, de 2 meses. Cozinhar pizzas e construir puzzles, com mais de 100 peças, com o pai ou a mãe, é outro dos desafios preferidos de Madalena, que frequenta o 1º ano, e que também gosta de fazer colares e pulseiras de contas coloridas – uma das atividades que, segundo os especialistas, melhor desenvolve a motricidade fina.
Os primeiros cinco anos da criança são o momento de maior e mais rápido desenvolvimento, quando o seu cérebro está a fazer mais de um milhão de sinapses (ligações entre os neurónios), formadas a cada segundo. O cérebro do bebé nasce por desenvolver e a fase inicial da vida é que vai mol
FAZER COLARES E PULSEIRAS DE CONTAS COLORIDAS DESENVOLVE A MOTRICIDADE FINA, DIZEM OS ESPECIALISTAS
dar a sua estrutura. Ao fim de 12 meses, mais de 70% do cérebro está definido, e no fim dos 3 anos chega a 85%. Então, que tipo de atividades promovem o desenvolvimento saudável durante esta fase? Clementina Almeida, psicóloga especialista em bebés, entende que, em primeiro lugar, o poder da interação positiva é essencial entre as crianças e os adultos que cuidam delas: “Sempre que nos conectamos com a criança, não são apenas os olhos que brilham – são também os seus cérebros, num autêntico fogo de artifício de ligações entre neurónios. Experiências positivas com adultos fortalecem as conexões que a criança constrói e ajudam-na a querer aprender mais, garantindo assim o seu sucesso escolar e profissional no futuro. A isto chama-se construção do cérebro, que não requer dinheiro ou brinquedos sofisticados.”
Criar laços mais fortes
Entre os 3 e os 36 meses (e para sempre) os livros são da maior relevância. “É muito importante lermos para os bebés. Não só porque isso começará a criar hábitos de leitura, mas também porque os livros são uma forma de os ajudar a desenvolver a linguagem e a potenciar o desenvolvimento cerebral”, revela Clementina Almeida. E acrescenta: “Além disso, nos momentos que passamos com os nossos filhos ao colo, a ler para eles, criamos laços mais fortes. Quando a criança estiver calma, sente-se
com ela, coloque-a no seu colo, e leia para ela. Enquanto o faz, mostre-lhe as imagens do livro e faça sons engraçados, relacionados com o que está a acontecer na história.” Aos 4 anos e até aos 6, como a criança já pega bem num pincel, poderá estimular a pega correta com a atividade sugerida pela psicóloga: “Pegue em pequenas coisas que foi recolhendo nas idas ao rio ou ao mar, como conchinhas, búzios ou pedras. Junte tintas, pincéis e esponjas, e deixe que o seu filho pinte ao gosto dele.”
O mar é enfatizado por Cristina Valente como uma sugestão “muito potente” para o desenvolvimento do cérebro das crianças porque produz mais endorfinas. “Está provado que passear junto ao mar tem um impacto enorme no desenvolvimento da parte emocional. E em termos de neurociência é das melhores coisas porque consegue abarcar de uma forma muito forte os três sistemas representacionais: o azul do mar tem um efeito na visão, que leva ao cérebro; o som das ondas tem um som hipnótico, que no cérebro configura o mesmo que a meditação; e o cheiro da maresia consegue acalmar”, revela a psicóloga, autora de vários livros e que vai lançar agora Coaching Emocional para Pais. Mãe de dois adolescentes, Tiago, de 16 anos, e Constança, de 13, Cristina Valente tem uma opinião “contra a corrente” sobre a questão das atividades a fazer com os miúdos: “Não sou a favor de manter a criança sempre ocupada. Do ponto de vista da neurociência, o desenvolvimento do cérebro dos miúdos nas várias idades requer uma inatividade muito grande. O sono, sendo um imperativo biológico, é provavelmente a maior ferramenta de desenvolvimento cerebral que existe.”
Sono e momentos de partilha
A psicóloga diz que há muitas crianças com problemas de aprendizagem e de desenvolvimento que não são inatos. Ao serem analisadas as suas rotinas, verifica-se que dormem pouco. “O nosso cérebro tem 5% direcionado para a parte cognitiva, para as competências racionais, escolares, e o resto está ligado à parte emocional/inconsciente. Hoje, estamos mais focados em desenvolver os 5%. O que eu digo aos pais é para pararem com as atividades, se querem um cérebro bem desenvolvido. Para a neurociência, o sono será a atividade mais importante num cérebro em crescimento e isto é muito pouco falado.” Segundo a Associação Americana de Pediatria, as crianças, entre os 2 e os 6 anos, deveriam dormir no mínimo 11 horas; entre os 6 e os 11 anos, o aconselhável são 10 horas; e os adolescentes, 11 a 12 horas. “Em Portugal, os miúdos dormem menos do que é recomendado e isso tem consequências no cérebro. Há um estágio a meio da noite cuja função é solidificar a aprendizagem que a criança teve durante o dia e essa aprendizagem pode ser de uma disciplina ou de um hábito, como, por exemplo, aprender a lidar com a frustração”, explica.
Outra das coisas que Cristina Valente refere neste novo livro, como sendo da maior importância, é “simplificar a agenda”. O estar sem fazer nada e criar momentos de partilha é o que possibilita a relação entre as pessoas. E o que são momentos de partilha? “É uma altura em que consigo tirar estrutura e previsibilidade às coisas, e falar com o meu filho/a sobre tudo. Pode ser a cozinhar, a fazer um piquenique, a montar a cavalo ou a acampar, o que for o contrário do dia a dia. O importante é os pais fazerem, com os filhos, atividades de que também gostem porque o que está em jogo é a emoção.” W
CRISTINA VALENTE: “DIGO AOS PAIS PARA PARAREM COM AS ATIVIDADES SE QUEREM UM CÉREBRO BEM DESENVOLVIDO”