O QUE ESTÁ A CORRER MAL E BEM
É um processo de aprendizagem em curso, assumiu Marta Temido. Na saúde, faltam equipamentos, não se testam doentes e reduziu-se a burocracia. Na educação, quase todos estão online – mas procuram-se soluções para quem está off. Por Sara Capelo
É tempo de balanço: máscaras a preços exorbitantes, doentes por testar em lares e professores motivados pela tecnologia
Se o doente estava infetado com a covid-19 era impossível saber. Foi levado do hospital para a unidade de cuidados continuados sem nenhum teste prévio. E no seu histórico de saúde nada o indicava. Quando lá chegou, referiu que contactara com uma pessoa infetada. E só ao fim de algumas horas essa informação veio – por telefone – do hospital.
Nesse espaço de tempo, o novo utente podia ter contactado com outros doentes, todos de grupos de risco, ou infetado o pessoal. Não aconteceu porque o gestor da unidade, José Bourdain, decidira que todas as novas entradas ficariam isoladas em quarentena. Casos como estes não se repetirão, assumiu Marta Temido, no sábado, 21 de março. A partir de agora, todos os pacientes enviados para estes centros serão testados. “Estamos todos os dias a aprender”, repetiu por duas vezes a ministra da Saúde nessa conferência de imprensa. A pandemia é uma situação “dinâmica e ajustável”, tem referido o seu secretário de Estado, António Sales.
Também na educação, assume à SÁBADO o secretário de Estado João Costa, os “desafios” são diários. “Ninguém sabia como é que isto se fazia.” Veja o que está a correr bem e mal nestas áreas:
SAÚDE
Testar ou não testar?
h Quando percebeu que o doente poderia estar infetado, José Bourdain,
AS UNIDADES DE CUIDADOS CONTINUADOS “SÃO UM BARRIL DE PÓLVORA”, ALERTA JOSÉ BOURDAIN
que administra duas unidades de cuidados continuados, ficou com um problema difícil em mãos. “Nós não temos forma de fazer o teste à pessoa” que necessita de hemodiálise três vezes por semana. E como esse tratamento acontece no hospital, seria necessário o transporte dos bombeiros. Mas estes “escusaram-se a transportá-lo mais do que uma vez. E o senhor vai ter que fazer hemodiálise rapidamente ou morre”. A SÁBADO sabe de outro doente que recebeu alta hospitalar e foi deixado numa unidade sem ser testado.
As unidades de Cuidados Continuados são “um barril de pólvora, não temos as condições que os hospitais têm”, lamenta-se José Bourdain, que preside à Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC), que representa 20% do setor. Um dos principais problemas é a falta de mão de obra qualificada, que trabalha pelo salário mínimo, em prestação de serviços – e sem formação. Numa fase aguda como esta, muitos “estão a recusar-se a trabalhar”. A SÁBADO chegou a ouvir de um enfermeiro que é difícil, até para os profissionais de saúde, acostumarem-se ao novo paradigma de higiene e proteção individual.
Hemodiálise, lares e máscaras
O panorama é semelhante nas clínicas de hemodiálise e nos lares – uma realidade que o secretário de Estado, António Sales, referiu ser uma fonte de preocupação, dada a idade e a saúde frágil dos que ali vivem. “Qualquer pessoa trabalha em lares, a formação não é exigida. Falar de uma assépsia dentro de um? As pessoas não sabem o que é”, diz Rui Fontes. E nos lares ilegais, onde o Estado tem maior dificuldade em chegar, “vai ser mais dramático”, profetiza. Não há números concretos – o próprio Ministério da Segurança Social disse à SÁBADO “que a expressão quantitativa de lares ilegais existentes não é passível de apuramento” mas que, “dada a imperiosa necessidade de, na atual situação, proteger os mais velhos, a fiscalização destas estruturas assume especial prioridade.” O Instituto da Segurança Social atuará “sempre que se justifique”.
Pessoal de saúde sem equipamento tem sido notícia frequente. É
uma situação “absolutamente crítica”, definiu o bastonário dos médicos, Miguel Guimarães. E a escassez de equipamento de proteção individual (os EPI) não se verifica apenas no Serviço Nacional de Saúde. “Estamos mal”, exclamou à SIC Manuel Lemos, da União das Misericórdias. Já Rui Fontes conta que nos lares têm-se improvisado máscaras com guardanapos e desinfetantes com lixívia, sal e vinagre.
Estes equipamentos também rareiam nos cuidados continuados, que se dizem ignorados pelo Estado
– e comprá-los tornou-se para todos impossível porque os fornecimentos estão a demorar duas ou três semanas e uma caixa de 1.000 máscaras cirúrgicas, que há poucos meses ficava por 50 euros, agora custa 600, 700 euros. O mesmo ocorreu com material desinfetante. O diretor técnico de uma unidade no Norte, que tem stock garantido até ao fim de abril, recebeu a doação de 30 máscaras FFP2 (com respirador e adequadas para tratar um doente com covid-19) através de um pedido nas redes sociais. Também recebeu gel desinfetante, luvas e fatos. A Unidade de Cuidados Continuados de Farminhão pediu materiais às clínicas dentárias e veterinárias, que estão fechadas.
À Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, que trata uma das populações de risco, também têm chegado doações. No dia 20, já só tinha máscaras para três dias de trabalho (as consultas não urgentes estão a ser dadas por teleconferência, mas fazem tratamentos aos pacientes com pés em ferida). As compras que foram fazendo, já com os preços “5, 10, 15 vezes mais elevados”, tinham promessas de entrega a uma semana. “Mas depois não vêm nessa semana, nem em 15 dias”, lamenta-se João Raposo, da direção clínica.
E tentando “acautelar” este período de isolamento e para evitarem deslocações aos seus serviços, enviaram para os domicílios consumíveis (como as bombas de insulina). O Infarmed deu-lhes uma autorização urgente para que tal acontecesse. “Deu-nos a resposta para irmos avançando e trataríamos da parte burocrática mais à frente. Nesta altura devemos ser expeditos”, conclui João Raposo.
Dois e se o doente tossir?
Os covidários começaram a funcionar na segunda-feira, 23 – ainda timidamente – em Lisboa e Vale do Tejo. Nesse mesmo dia, as autoridades de saúde libertaram os números de profissionais de saúde infetados (165, cerca de 8% dos casos então registados). Estes “covidários”, numa designação coloquial
NOS LARES TÊM-SE IMPROVISADO MÁSCARAS COM GUARDANAPOS E DESINFETANTES COM LIXÍVIA E SAL