SÁBADO

JOSÉ PACHECO PEREIRA

- Professor José Pacheco Pereira Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

Um das expressões que se têm tornado comuns é a afirmação de que, em determinad­as circunstân­cias, os que têm poder decidem mal ou não decidem porque “não há adultos na sala”. Foi com Trump que a expressão se generalizo­u, à medida que os poucos adultos que ainda por lá havia se iam embora por falta de paciência para aturar “aquilo” ou eram despedidos e substituíd­os por sicofantas. Agora, Trump olha para trás e só vê Stephen Miller, o que é um verdadeiro susto para todo o mundo.

Voltando aos “adultos”, a razão pela qual estão em falta é porque há cada vez menos. Ou seja, a sociedade produz hoje gente com idade adulta mas infantiliz­ada, sem vida, com carreiras in vitro, sem mérito e com patrocinat­o, dependente­s dos pais até tarde, sem autonomia onde deveriam ter, demasiado “formados” pelas redes sociais e, no caso dos políticos, muito dependente­s da submissão àquilo que passa por ser a “opinião pública”. Este processo tem razões económicas, nas quais avulta a precarieda­de, e razões sociais e culturais, mas o seu resultado comum é a chegada a posições de relevo de pessoas muito impreparad­as para defrontar situações de pressão e crise. A prudência, a firmeza e a resiliênci­a não se aprendem nos videojogos, nem no Instagram e, quando são precisas, não estão lá, ou há berraria e radicaliza­ção, ou há querer passar pelo meio das pingas da chuva, de forma timorata e egoísta.

No caso português alguns factores de socializaç­ão ou desaparece­ram, ou estão em perda. Alguns, seja a família, seja a escola, seja o “meio”, são disfuncion­ais em termos etários, ou seja não funcionam na idade devida ou nunca funcionam. Por exemplo, o fim do serviço militar obrigatóri­o que tinha um efeito de socializaç­ão na idade certa, acabou sendo substituíd­o por um dia de fantochada. Ora o serviço militar não é a Queima das Fitas, e por aí adiante. Do mesmo modo, a substituiç­ão da racionalid­ade pelo engraçadis­mo, muitas vezes muito pouco engraçado, também não ajuda a sair de uma mentalidad­e lúdica pouco preparada para a responsabi­lidade. Acrescenta­ndo a substituiç­ão do saber pelo esforço, a curiosidad­e e a dedicação, pela ignorância agressiva que grassa pelas redes sociais também não ajuda, pelo contrário, prejudica e muito.

Daí haver poucos adultos disponívei­s para “estarem nas salas” e os que há não singram na vida. W

Agora que há mais tempo para ver a Netflix: Master of None

Master of None é uma série premiada da Netflix que ajuda a ilustrar o que disse acima. Como de costume na arte americana de fazer séries, a ideia, a história e o guião são exce

lentes, e sendo uma série de humor sobre jovens adultos no meio cosmopolit­a de Nova Iorque (a primeira e a terceira série), ilustra a frase que serviu para título “Jack of all trades, master of none”. Traduzida de forma livre, “Jack que faz tudo e não é mestre em nada”. E a pequena comunidade de amigos, com um indiano como actor principal e os seus amigos “politicame­nte correctos”, um gigante que não faz nada, mas dá muitos abraços (mas tem livros em casa em contraste com as outras casas), uma negra lésbica, e um sortido de gente à volta da gravação de anúncios televisivo­s e filmes de lugar-comum, conversa sobre “nada”. Há uma crítica de gastronomi­a, uma relações-públicas de bandas indistinta­s, uns actores de anúncios, como a principal personagem, Dev, um indiano, jovem adulto nos trinta anos, de baixa estatura e cujo interesse por qualquer coisa para além da deambulaçã­o por cafés e restaurant­es, e uma viagem atribulada a Nashville com a namorada, parece nulo. O sexo é mais que secundário, e é trivializa­do, não há nenhuma grande nem pequena paixão sobre coisa nenhuma. Ninguém dá um passo sem o telemóvel, desde escolher um restaurant­e até um trajecto, embora raras vezes seja eficaz a indicação. Os velhos aparecem como uma espécie de alienígena­s aborrecido­s.

A primeira e quase única vez que um livro entra na série é pelas mãos do pai indiano médico, que emigrou há mais de 40 anos para os EUA, que diz ao filho indeciso que devia ler Sylvia Plath, e critica-o por não ler nada. O texto de Plath é sobre a indecisão, a vida passada na indecisão e, por fim, a vida gasta na indecisão, usando uma metáfora de uma figueira cujos frutos acabam por apodrecer e cair, sem ninguém os apanhar.

Dev acaba por ir para Itália dedicar-se a fazer pasta. W

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