Kenny Rogers (1938-2020)
Já era famoso na América quando Portugal se rendeu à sua voz, no dueto com Sheena Easton, We’ve Got Tonight. Retirado desde 2015, morreu na sexta-feira, 20 de março
Tinha 12 anos quando uma das irmãs mais velhas, ao sair de casa para ir ver um concerto de Ray Charles com os amigos, foi intercetada pela mãe, que lhe disse: “Leva o teu irmão.” Um pouco contrariada, a rapariga obedeceu. O miúdo, que viria a ter uma carreira de seis décadas recheada de êxitos, vendendo mais de 120 milhões de discos em todo o mundo, voltou para casa transformado: encantado com a energia da música e do público, decidiu que também ele seria uma estrela.
Quarto de oito filhos de uma assistente de enfermagem e de um carpinteiro, católicos de origem irlandesa, Kenneth Ray Rogers começou logo a treinar a voz, ao espelho, e em 1956, mal terminou o liceu, em Houston, Texas, onde nasceu (a 21 de agosto de 1938) e cresceu, fundou uma banda chamada Scholars, estreando-se em disco com The Poor Little Doggie.
Muito dedicado, mas ainda à procura do seu estilo próprio, lançou-se a solo em 1958 com o single That Crazy Feeling, passou pelo grupo de jazz de Bobby Doyle e, em 1966, era a alma dos New Christy Minstrels, banda de folk em que, além de cantar, tocava baixo e contrabaixo. O primeiro êxito chegaria em 1967 com Just Dropped In (To See What Condition My Condition Was In), tema de rock psicadélico, o género que ele e outros membros dos New Christy Minstrels resolveram abraçar, fundando os First Edition, onde Kenny, que para dar nas vistas deixou crescer a barba que jamais raparia até morrer e se tornaria a sua imagem de marca, era líder incontestável.
Portanto terá sido dele a ideia de impregnar o seu rock de country music, em Ruby, Don’t Take Your Love to Town, de 1969, novo êxito que firmaria para sempre o seu estilo. A banda acabou em 1976 e a partir daí, já a solo, foi só somar êxitos comerciais – os críticos, esses, jamais se renderam ao seu charme, acusando-o de ceder a melodias fáceis e excessivamente sentimentais.
EM 2008 ADOTOU UMA CABRA COMO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. DAVA-LHE “A CALMA DE QUE PRECISAVA”
A estrela que apreciava Trump
A sua parceria com Lionel Richie, iniciada em 1980 com Lady, e os seus duetos de 1982 e 1983 – com a estrela da música country Dolly Parton, Islands in the Stream (escrito pelos irmãos Gibb, dos Bee Gees), e com Sheena Easton, jovem escocesa então em ascensão, We’ve Got Tonight – deram-lhe projeção mundial, mas nessa altura já Kenny Rogers era uma vedeta nos Estados Unidos, graças à sua versão de 1978 de The Gambler, um hit country que Johnny Cash também gravou. Valeu-lhe um Grammy e tornou-se o seu tema mais emblemático, inspirando até uma saga televisiva de sucesso, homónima, onde assumiu o papel titular, um jogador de póquer do Velho Oeste.
Fez mais uma série de filmes e milhares de concertos, foi um dos mentores da histórica canção contra a fome em África de 1985, We Are the World (que inclusive foi gravada no seu estúdio em Los Angeles), gravou dezenas de álbuns, colecionando prémios e lugares nos tops e em listas várias de “artistas influentes”, até que, em 2008, começou a abrandar o ritmo: mudou-se para uma casa de campo na Geórgia e adotou uma cabra como animal de estimação, uma ligação que acarinhava por lhe proporcionar “a calma de que precisava, depois de uma vida de stress constante”, como referiu na sua autobiografia, editada em 2012, Luck or Something Like It: A Memoir.
A sua quinta (e última) mulher, Wanda Miller, com quem se casou em 1997 e se manteve até à morte, de causas naturais, na sexta-feira, 20 de março, na sua casa, na Geórgia, também terá tido algum peso na decisão. Depois de quatro casamentos falhados (com Janice Gordon em 1958, Jean Rogers em 1960, Margo Anderson em 1964 e Marianne Gordon em 1977), sempre a viajar e a dar muito pouca importância aos três filhos (invariavelmente criados pelas mães), em 2015 abandonou definitivamente os palcos e os estúdios, justificando-se aos fãs em numerosas entrevistas – em que chegou a confessar o seu apreço por Donald Trump, “porque ele tem dinheiro e coragem suficientes para ser presidente e nunca ficar a dever nada a ninguém” – dizendo que queria “dar atenção à família”, e sobretudo aos dois filhos gémeos, então com 11 anos, e não continuar a ser como era o seu próprio pai, que nunca lhe ligou, nem aos irmãos, “o que deixou muitas mágoas”. W