A primavera da Praga
Omelhor cenário, acusado de servir “os interesses instalados”, diz, muito simplesmente, o seguinte: esta infeção não é intrinsecamente diferente do H5N1 (1996), e do SARS (2002/03), oriundos da China, o H1N1 e associados (2009), ou “gripe suína”, iniciada nos EUA e no México, ou o MERS (2012) da Arábia Saudita.
E, se as outras epidemias não destruíram o mundo, obrigando apenas a sistemas de saúde mais zelosos e farmacêuticos mais competentes, também esta não será o fim. Pontos da teoria: a) A melhoria global do clima trará menos pessoas infetadas, e menos pessoas contagiadas debilitadas por outras doenças. b) A ciência e a técnica descobrirão uma vacina até Janeiro de 2021 e antes disso um tratamento eficaz com retrovirais e antibióticos, e nova profilaxia.
c) A adoção de medidas de isolamento social e cancelamento de eventos de massas já produziram o abrandamento desejado da curva epidémica ascendente (o “pico”).
d) É preciso urgentemente relançar a economia, para não associar uma crise psicológica e social a uma depressão, com perda maciça de empregos, e um novo ciclo de desespero, desordem e desejo irracional de conflito.
e) As grandes potências rearranjarão os seus acordos, voltarão à interdependência e colaborarão no que um otimista chama de “Nova Ordem Sanitária”.
Vários fundamentalistas dos dois capitalismos mais conhecidos da atualidade, o americano e o chinês, propõem mesmo o seguinte: regressar rapidamente à produção e aos serviços, reabrir todo o comércio e todo o circuito de viagens, mesmo sob risco de propagar “em patamares míni
Q mos” a covid-19, mal esse compensado pelo grande bem que é a salvação global de postos de trabalho, a possibilidade de voltar a gerar riqueza e de “relançar o mundo”.
Destes teóricos, alguns ousam um programa politicamente ainda mais discutível: procuram uma campanha de “informação de massa sem pânico”, que convença as pessoas “a não deixar de trabalhar, assim como não deixam quando ouvem falar de gripe, cancro, cólera e outras maleitas” . A síntese deste pensamento é: “Se tomarmos medidas de higiene pessoal, e se houver políticas normais de desinfeção, voltar ao trabalho é lutar contra o vírus.”
Por outro lado, temos a tese do pior possível, atacada como “catastrofista e alarmista”.
Diz o seguinte: a) Esta pandemia é diferente de todas as conhecidas, sendo a mais próxima a da “gripe espanhola” de 2018, que teve efeitos devastadores na Europa e no mundo. Não é limitada geograficamente como o SARS ou MERS, mata muito mais infetados do que a gripe normal, e origina uma taxa de contágio nunca vista.
b) As incógnitas sobre quase todos os aspetos da doença e do vírus levam a que os tratamentos sejam experimentais, as medidas preventivas incompletas, as políticas públicas sujeitas a revisão diária.
c) A ausência de testes suficientes cria um fator ainda mais devastador: em boa verdade, não sabemos que percentagem das populações totais de cada estado está verdadeiramente infetada.
d) Alguns países estão a minimizar a extensão do contágio, e a reportar por defeito à OMS, por conveniência política ou real incapacidade.
e) O envelhecimento de grande parte do “novo epicentro”, a Europa, agrava todo o cenário.
f) Se uma vacina não for encontrada até Dezembro, entramos no inverno doentes, e com este como multiplicador do mal.
g) O fecho de fronteiras torna um regresso à organização internacional antecedente quase impossível.
h) A possibilidade de uma recessão americana agrava tudo.
i) Face à necessidade de quarentena generalizada, as ruas podem ser tomadas por bandos, as polícias hão de precisar das forças armadas para a ordem pública, e a criação de zonas proibidas urbanas tornar-se-á comum.
No meio, Portugal. Com fronteiras curtas, e só um vizinho, parece tão fácil defendê-lo.
Sobretudo se soubermos coordenar-nos com Espanha e aproveitar a posição estratégica insular.
Mas planeamos para além do horizonte visível? W