O que deve fazer para proteger o seu dinheiro
Q gement, que gere uma carteira de dezenas de milhões de euros em imobiliário. “Não há visitas a casas e não há notários para fazer escrituras”, explica. Os proprietários que querem vender não abrem as portas de casa a estranhos, os compradores também não se mexem e só metade dos notários está a funcionar e com limitações. Entre os agentes há muita preocupação. O congelamento afeta também os negócios já contratualizados e ainda por finalizar – há milhares de contratos promessa com escrituras pendentes.
O que vai acontecer aos preços das casas?
Os analistas, gestores e agentes ouvidos pela SÁBADO destacam a dificuldade de fazer previsões no meio de tanta incerteza, mas de um modo geral não parecem ter dúvidas: o mercado vai cair pela primeira vez desde os anos da troika. O choque nos rendimentos de milhares de pessoas vai reduzir a procura doméstica – que até aqui excedia a oferta de casas centrada nas usadas – e deverá aumentar a pressão vendedora de quem precisa de liquidez ou de quem não consegue, depois das moratórias concedidas pelos bancos, suportar os empréstimos.
“Nos últimos anos foram concedidos montantes muito significativos de crédito pelos bancos, muito próximos do limite da taxa de esforço”, diz Nuno Rico, da Deco/Proteste, que admite preocupação com a subida prevista no desemprego. A situação será um teste também para quem investiu com crédito da banca em imobiliário para alojamento local. “Vendemos dezenas de apartamentos assim”, conta João Nuno Magalhães. O diretor-geral da Predibisa, no Porto, admite que o segmento de luxo aguente e que o produto para a
NO IMOBILIÁRIO “ESTÁ TUDO PARADO”, DIZ PEDRO COELHO. ENTRE OS AGENTES, HÁ MUITA PREOCUPAÇÃO
PREVÊ-SE UMA QUEBRA DE 10% DO PIB PARA ESTE ANO. E O DESEMPREGO PODERÁ SUBIR PARA OS 14%
classe média sofra mais, mas esta visão não é consensual.
Para Ricardo Guimarães, que lidera a Confidencial Imobiliário, a crise de 2008 mostrou que os abalos grandes são sentidos em todos os segmentos. Ninguém quer fazer previsões numéricas. “Vai depender do tempo que isto [a incerteza induzida pela pandemia] durar”, diz Pedro Coelho. João Nuno Magalhães acrescenta o papel da banca. “Isto vai acender as luzes vermelhas nos bancos”, avisa. Na China, um mercado diferente, o novo coronavírus levou a quedas superiores a 30% no volume de vendas – e a quedas nos preços, ainda por divulgar.
O que fazer? Se puder, não venda
Ricardo Guimarães recorda o exemplo da última crise para ilustrar o seu ponto: quem não for forçado pelas circunstâncias a vender, deve ficar quieto. “Quem vendeu na crise porque assumiu que a ausência de compradores e expectativas iria durar arrependeu-se”, diz. Os próximos meses prometem ser duros, mas “o mercado imobiliário é de longo prazo, é uma maratona”, lembra este analista. O diretor da Confidencial admite, sempre sublinhando a incerteza que rodeia estas previsões, que dois anos podem ser suficientes para recuperar das des
O MERCADO IMOBILIÁRIO “É UMA MARATONA”, MAS DOIS ANOS PODEM SER SUFICIENTES PARA RECUPERAR
valorizações que vão ocorrer agora – e concorda que, para quem possa, esta vá ser uma fase boa para comprar. Para quem esteja no polo oposto, sob pressão financeira para cumprir a dívida, é sempre melhor falar com o banco antes de vender (leia a parte do crédito mais à frente neste trabalho).
DÍVIDAS AO BANCO
A intervenção do Estado
h O impacto da paralisação económica está a deixar milhares de pessoas sem liquidez para cumprir as suas obrigações com o banco – um gerente de um balcão no centro do país, de um dos maiores bancos, conta que “o telefone não tem parado” com pedidos de clientes para acederem à moratória no pagamento dos créditos. A associação de defesa do consumidor Deco narra o mesmo cenário. O Governo, o Banco de Portugal e a Associação Portuguesa de Bancos estão a finalizar um decreto-lei sobre moratórias no pagamento de prestações dos créditos de pessoas e pequenas e médias empresas, mas nem todos serão beneficiados. Há, depois, outro efeito. A resposta dos bancos centrais à crise económica, anunciando mais injeção de dinheiro na economia, fez mergulhar ainda mais as taxas de juro, que deverão ficar negativas por mais tempo.
Quem pode beneficiar?
O decreto-lei que o Governo está a preparar vai definir o mínimo Q
Q que todos os bancos terão de fazer para aliviar as obrigações financeiras das pessoas – a ideia base é que as pessoas deixem temporariamente de pagar a prestação. Até ao fecho desta edição, a versão de trabalho mais recente da lei ainda em redação punha a moratória a durar pelo menos seis meses, estando o Governo ainda a estudar se seria estendida até ao final do ano. A ideia – num documento ainda sujeito a eventuais mudanças – é suspender o pagamento de capital e de juros, mas só no crédito à habitação, empurrando o prazo do crédito para a frente.
No caso dos particulares nem todos podem aceder. A moratória será para quem está em regime de lay-off (a receber 66% do venci
HÁ UMA VIA IMPORTANTE A SEGUIR: FALAR COM O BANCO ANTES DE ENTRAR EM INCUMPRIMENTO NO CRÉDITO
Crédito Os bancos vão fechar a torneira?
O presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Faria de Oliveira, não espera que a banca mude de forma drástica os critérios para concessão de crédito às famílias. O consultor financeiro Rui Cunha Santos partilha o ponto de vista: a banca terá muita liquidez, fornecida pelos bancos centrais e custo muito baixo, e o crédito é o negócio onde podem fazer margem financeira. Mas um gerente de um balcão de um grande banco no centro do País, ouvido sob anonimato, admite que possam ser apertados critérios como a taxa de esforço elegível (o peso da prestação no rendimento), mas não tinha ainda diretrizes sobre o que fazer. A incerteza é enorme: uma queda brutal da economia vai dinamitar as carteiras de crédito e o capital da banca. O efeito é difícil de prever. mento base bruto) ou para quem tenha perdido o emprego. As pessoas terão de pedir ao banco a moratória, apresentando um formulário simples atestando a sua situação laboral e que não têm dívidas à Segurança Social e ao Fisco. Pequenos empresários por conta própria estão também entre os abrangidos. A lei pode ainda mudar, mas em princípio o regime será para os mais prejudicados pelo impacto económico da covid-19. A lei cria um chão comum e não impede cada banco de ir mais longe: a Caixa Geral de Depósitos, por exemplo, já anunciou que irá alargar a moratória ao crédito ao consumo. Se não puder aceder a este regime há outros caminhos possíveis.
Fale com o banco antes de não conseguir pagar
Para o período após a moratória – ou para quem não seja abrangido pela moratória e esteja sob pressão financeira forte – há uma via im
portante a seguir: falar com o banco antes de entrar em incumprimento no crédito. “O poder negocial de quem já incumpriu é muito menor”, explica Nuno Rico, analista da Deco/Proteste. Caso o banco não responda saiba que o pode obrigar a fazê-lo ao abrigo do PARI, o Plano de Ação para a Prevenção do Incumprimento. “O banco fica obrigado a apresentar uma solução de pagamento alternativa para tentar evitar o incumprimento”, diz Nuno Rico. Pode ser o próprio banco a acionar o PARI, caso perceba sinais de degradação financeira no cliente. Se a dificuldade em pagar for real o banco terá incentivo em flexibilizar para não afundar o cliente. Se o banco mesmo assim não der resposta faça queixa ao regulador, o Banco de Portugal. Lembre-se: antecipe dificuldades e comunique. Faz diferença.
A hora “h” para renegociar…
A descida das taxas de juro para valores ainda mais baixos e por mais tempo oferece uma via importante de poupança para as famílias que tenham créditos à habitação e ao consumo por renegociar – estas prestações são das despesas fixas maiores das famílias e este é o tempo para apertá-las.
Quem tiver uma hipoteca com um spread acima de 1,5% deve renegociar com o banco – o spread mais baixo em vigor, para os melhores clientes, está em 1%. A forma de fazê-lo é recolher ofertas alternativas de outros bancos e apresentá-las ao seu banco. “Na maioria dos casos o banco prefere nego
QUEM TIVER UMA HIPOTECA COM UM SPREAD ACIMA DE 1,5% DEVE RENEGOCIAR COM O BANCO
QUEM QUISER PEDIR UM CRÉDITO A TAXA FIXA TEM UMA OPORTUNIDADE DOURADA – VÃO CAIR ABAIXO DOS 2%
ciar a perder o cliente”, explica Nuno Rico. Rui Cunha Santos, consultor da Doutor Finanças, empresa que reorganiza e renegoceia crédito e outros produtos financeiros, prevê que este interesse da banca aumente num tempo em que escasseiam outros produtos para gerar lucro. “Nas renegociações as pessoas já pagaram parte do crédito e o rácio de financiamento sobre a garantia até é mais atraente”, explica. Olhe também para os seguros de vida do seu crédito à habitação – pode também renegociar aí e transferir para outra instituição. Se não o quiser fazer por si saiba que há empresas que comercializam esse serviço, como a Doutor Finanças ou a Reorganiza.
… e para refinanciar créditos pessoais
Na vertente de crédito ao consumo o caminho não é renegociar – a taxa é fixa – mas refinanciar: contrair um novo empréstimo que pague os créditos anteriores (pessoais, do cartão de crédito, descobertos bancários autorizados) a taxa mais elevada. A poupança mensal é grande. O exemplo narrado por Cunha Santos para a SÁBADO em setembro passado “mantém-se atual”, diz o consultor. Uma pessoa que pediu 38 mil euros de crédito pessoal para pagar dívidas de cartões e um descoberto autorizado de 6 mil euros passou de uma taxa média de juro de 16% para 8% - é passar de 1.700 euros para 840 euros mensais.
Taxa fixa: uma oportunidade única
Chamam-se taxas swap e servem de referência à taxa de juro nas hipotecas a taxa fixa. O impacto da covid-19 voltou a fazer mergulhar estas taxas até quase ao zero absoluto – isto significa que quem quiser pedir um crédito a taxa fixa tem uma oportunidade dourada. As taxas fixas vão cair bem abaixo dos 2% - há bancos, como o BPI, a fazerem 1,75% para os melhores clientes. Vai ficar a pagar mais do que com taxa variável (que está negativa), mas vai “blindar” a prestação mensal a uma taxa baixa por muito tempo – está a fazer um seguro a bom preço.
Se a crise presente não lhe tiver roubado toda a margem este é um “extra” de despesa mensal que pode valer a pena para dormir descansado. Nota final: a taxa fixa só compensa para períodos longos e para quem não tiver margem para amortizar antecipadamente (a comissão sobre amortizações antecipadas é de 2% na taxa fixa e de 0,5% na variável). Caixa, Bankinter, BPI, Novo Banco e Unión de Creditos Inmobiliarios são exemplos de bancos com opções a 30 anos. Se tiver um crédito recente com spread baixo e taxa variável considere também mudar para este seguro – pergunte que taxa lhe oferece o seu banco e peça uma simulação para perceber se pode acomodar esse gasto adicional.
POUPAR E INVESTIR
O mundo a afundar
h O impacto da paralisação económica está a afundar as bolsas mundiais – a portuguesa está em mínimos de 1993 e a norte-americana no valor mais baixo em quatro anos. Os fundos que investem em ações e em dívida (obrigações) Q
Q estão a sofrer perdas pesadas, incluindo os PPR mais agressivos. As taxas de juro estão a acentuar os valores muito baixos.
Apesar de tudo, não entre em pânico
É difícil assistir à desvalorização diária do património investido sem reagir – vários investidores estão a fazer isso, vendendo nesta fase de pânico e pondo tudo em liquidez (o “dash for cash”). Contudo, para quem tiver um plano automático de poupança numa carteira diversificada e não precise de desbloquear esses fundos, o conselho é
“NÃO ENTRE EM PÂNICO VENDENDO INDISCRIMINADAMENTE TODOS OS ATIVOS”, RECOMENDA JOÃO SOUSA
para não vender e para manter os reforços, caso estes sejam de pequenas quantias. “Não entre em pânico vendendo indiscriminadamente todos os ativos”, recomenda João Sousa, analista financeiro da Deco. “É muito difícil fazer previsões sobre a evolução das bolsas a curto prazo, sobretudo numa altura histórica e inédita como esta. Porém, no longo prazo, as oscilações de curto prazo tenderão a diluir-se”, acrescenta numa nota divulgada pela associação, na qual recomenda “não ir atrás das subidas ou descidas repentinas”.
As crises das empresas tecnológicas em 2000 e financeira em 2008 são exemplos de quedas enormes, seguidas de recuperações efusivas. David Almas, analista financeiro e autor da newsletter de finanças pessoais “Tlim”, partilha este ponto de vista. “O mercado caiu 33% desde o pico e para voltar a esse pico terá de subir 50%”, explica. “Se o investidor acreditar que o mercado vai voltar a esse pico dentro de seis anos, por exemplo, a taxa de retorno anual será muito boa, de 6,9%”, acrescenta. A crise abre também uma oportunidade para afinar a gestão da carteira – pode aproveitar eventuais menos-valias para trocar de fundo de investimento, para um melhor que tinha em vista, sem ter de pagar o imposto.
Não tem fundo de emergência? Faça um
Esta crise está a testar a liquidez das famílias portuguesas e é exemplificativa sobre a necessidade de ter um fundo de emergência que seja líquido – numa conta a prazo, por exemplo. Para muitas famílias atiradas para uma situação de pressão grande esta não é altura para fazer um fundo – simplesmente não conseguem. Para quem tem margem, contudo, e não tem ainda liquidez assegurada para cobrir no mínimo as despesas de seis meses (ou de um ano se for trabalhador independente) este é o tempo para desenhar esse fundo – não só por segurança, mas porque lhe permite não ter de tomar medidas lesivas (como vender com perdas, por exemplo, ou contrair créditos pessoais caros) para fazer face às despesas. A poupança mensal que conseguir amealhar pode ser desviada de forma automática para esse fundo – por exemplo, com uma ordem de transferência de 5% do ordenado que aterra na sua conta, para uma conta poupança.
DESPESAS
Escola fechada: devo pagar?
h É uma pergunta que milhares de pessoas estão a fazer a escolas e universidades privadas, empresas de transporte escolar, ginásios ou institutos de línguas: o que fazer ao pagamento se não há serviço? O primeiro passo é ler o contrato que assinou com a escola ou o prestador de serviço, explica Catarina Monteiro Pires, advogada da Morais Leitão, que tem uma tese de doutoramento sobre incumprimento perante a alteração de circunstâncias. “Se o contrato tiver uma cláusula sobre o encerramento e sobre o que fazer ao pagamento então é essa que prevalece”, indica. Nos casos em que o contrato seja omisso há que ver se o estabelecimento está fechado por imposição da lei do governo (de 23 de Março) para travar a covid-19. Se for esse o caso – como é nas escolas, ginásios, universidades, etc. – há depois que ver se a prestação do
DEVO PAGAR A PRESTAÇÃO? É A PERGUNTA QUE MILHARES DE PORTUGUESES FAZEM A ESCOLAS, UNIVERSIDADES OU GINÁSIOS
serviço está a ser feita. Se não estiver, como é o caso de uma creche ou da piscina, então não há lugar a pagamento, segundo o Código Civil. Se houver algum tipo de prestação – aulas virtuais, por exemplo – Catarina Monteiro Pires aponta que existe espaço à negociação entre as partes, tendo como ponto de partida o volume do serviço que é prestado face à situação normal. A Deco partilha do mesmo ponto de vista e deixa uma sugestão a todas as partes no caso das escolas. “Sem prejuízo dos direitos dos pais, deve haver bom senso e compreensão por este momento extraordinário e imprevisível que vivemos. Não faz sentido que as instituições e demais prestadores de serviços exijam o pagamento de novas mensalidades, nem que os pais vão a correr exigir reembolsos, enquanto não há maior definição relativa ao resto do ano escolar, letivo e desportivo”.