SÁBADO

O que está a correr mal e onde a guerra está ser ganha

Em Espanha, a situação pode ficar fora de controlo – como na Itália. Em França, há multas para controlar a população. O Reino Unido tenta correr atrás do prejuízo e a Alemanha é um caso em estudo

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ESPANHA

Pandemia fora de controlo

hNo início da semana, na região de Madrid, a mais atingida pela Covid-19, os funerais foram suspensos por falta de material de proteção dos coveiros e de outros funcionári­os. A funerária municipal encerrou e o Palácio do Gelo da capital foi transforma­do em morgue. Em simultâneo, eram 5.400 os trabalhado­res da saúde infetados em todo o país, com críticas gerais ao Governo pelo atraso na dotação dos meios necessário­s ao combate à pandemia. Óscar Haro, diretor da equipa de motociclis­mo LCR Honda, contou o drama que antecedeu a morte do pai: “Ele trabalhou dos 14 anos aos 65. Nunca pediu nada. Agora, precisava de um ventilador para não morrer e não lho deram. O médico ligou-me, a chorar, a pedir autorizaçã­o para o deixar partir. Esta é a Espanha que temos”.

A pandemia começou com um alemão, nas Canárias, no fim de janeiro, e com um espanhol, regressado de França, dado como infetado a 9 de fevereiro. A 25 do mesmo mês havia sete casos, a 10 de março o total de doentes tinha disparado: 1.024, já com 28 mortes. Na última terça-feira, dia 24, os casos fatais, 2.696 – 514 em 24 horas

SOLDADOS QUE ENTRARAM EM LARES DA TERCEIRA IDADE EM ESPANHA ENCONTRARA­M IDOSOS MORTOS NAS CAMAS

–,juntavam-se aos 40 mil infetados, 2.355 nos cuidados intensivos.

A percentage­m de pacientes em relação ao total da população é a quarta no mundo, atrás de Luxemburgo, Suíça e Itália, e a dramática declaração do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, ao prolongar o estado de emergência, de que “o pior está para chegar”, antevê a Espanha como recordista na propagação da covid-19. Os cientistas apontam o pico da pandemia para a segunda quinzena de abril e se os infetados continuare­m a subir, teme-se que o sistema de saúde colapse já no fim de semana. Mas o colapso social antecipou-se: soldados que entraram em lares da terceira idade encontrara­m idosos mortos nas camas. Sónia Bento

ITÁLIA

O tsunami mortal

h Não há despedidas da família. Quem pressente a partida, pede para fazer uma videochama­da aos mais próximos. São idosos, que morrem em hospitais lotados com médicos exaustos. O quadro agrava-se pelo contágio destes profission­ais e pela escassez de ventilador­es. Itália é o país mais devastado pelo vírus – ultrapasso­u a China em número de vítimas a 19 de março e a 24 registava 6.820 mortos e 69.176 infetados.

Os caixões acumulam-se numa morgue improvisad­a na capela do hospital de Cremona, Lombardia (a região mais afetada). Os cadáveres aguardam pela cremação. “É uma catástrofe, um tsunami”, disse uma médica à Sky News. Não há enterros ou velórios e os militares foram chamados a transporta­r caixões.

O ritmo de contágio tem sido avassalado­r (20% por dia), desde que o vírus chegou ao país em fevereiro. Começaram por desvaloriz­ar a gra

vidade e os alertas. A gestão da crise pelo governo de Giuseppe Conte também não foi eficaz, ao decretar zona de isolamento para o norte do país (no início de março), sem fechar as estações ferroviári­as. Muitos fugiram para o sul e propagaram a doença. Raquel Lito

FRANÇA

Quarentena, mas nem tanto

h O presidente Emmanuel Macron declarou a quarentena em todo o país 53 dias após o primeiro caso (o primeiro na Europa) ser detetado em Bordéus, a 24 de janeiro. A 16 de março, havia 6.633 infetados e 148 mortos. Mas já tinham sido tomadas medidas avulsas, como o fim das aulas, o cancelamen­to de provas desportiva­s e das ligas de futebol, as atividades nos museus foram suspensas e a Torre Eiffel fechada. Mas não se adiaram as eleições locais.

Inicialmen­te, o governo defendeu que se deviam apenas analisar quem tivesse sintomas e isolar os casos positivos e os seus próximos. Depois, ala3rgou as análises ao pessoal de saúde. Com o aumento dos infetados (no início da semana eram 19.856 e tinham morrido 860 pessoas), decidiu testar o maior número possível.

Quem desrespeit­ar as regras de isolamento social tem de pagar 135 euros; e, se reincidir, 3.700 euros, com seis meses de prisão. Exercício físico no exterior, apenas sozinho e só se pode ausentar para um quilómetro da residência, uma vez ao dia e por uma hora: se não se cumprir, a multa é de 1.500 euros. Alguns doentes graves estão a ser transferid­os para hospitais na Alemanha, Suíça e Luxemburgo. Sara Capelo

REINO UNIDO

Os que queriam ser diferentes

h Na sexta-feira, 20 de março, o primeiro ministro inglês mandava fechar uma das instituiçõ­es do país: os bares. E ainda os restaurant­es, os cafés, os ginásios e as escolas. Era uma grande mudança, num curto espaço de tempo, para quem queria abordar a crise do coronavíru­s de forma radical. Boris Johnson queria tentar a imunidade de grupo, ou seja, proteger os grupos de risco e deixar que os mais aptos se contaminas­sem (e recuperass­em). Isso implicava que cerca de 70% da população (46 milhões de pessoas) fosse contagiada. Passado algum tempo, os grupos de risco ficavam protegidos porque estavam cercados de pessoas imunes.

Qual é o problema desta estratégia? A realidade impôs-se. Imunizar a população de uma forma arrastada no tempo não resultaria devido à elevada taxa de contágio, que iria deixar o sistema de saúde em colapso. E, com taxas de mortalidad­e de 2 a 3%: um milhão de mortos.

Com contas simples, Boris Johnson avançou com os fechos, sobretudo quando os infetados e as mortes começaram a disparar – o Reino Unido tem uma taxa de mortalidad­e superior a 4% (422 mortes em 8.077 casos no dia 24). Marco Alves

Quando não se mora com os pais

h Os dados de 24 de março (27.436 infetados e 114 mortos) mostram uma taxa de mortalidad­e baixa: 0,4%. Mas porque morrem muito menos pessoas na Alemanha?

Não há uma explicação definitiva. Talvez seja um conjunto de fatores. Um foi a capacidade de perceber a ameaça e começar a fazer testes em massa. No início, apanharam sobretudo jovens – que trazem os vírus das viagens e contaminam os mais velhos. Os testes estão disponívei­s em centros de saúde desde janeiro e para todos aqueles com sintomas leves. São 160 mil testes por semana.

Outra razão. Segundo um estudo da Universida­de de Bona, o contágio intergeraç­ões é relevante em países onde é maior a percentage­m de filhos adultos que moram com os pais. Na Alemanha, rondam os 7%. Em Itália são 22%. Este dado é decisivo numa fase inicial do surto. Depois, outros fatores entram em jogo, como a qualidade do sistema de saúde.

Marco Alves W

JOHNSON QUERIA DEIXAR QUE OS MAIS APTOS SE CONTAMINAS­SEM E RECUPERASS­EM. A REALIDADE IMPÔS-SE

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Em Espanha, o estado de emergência foi prolongado mais 15 dias 3
1 Em Espanha, o estado de emergência foi prolongado mais 15 dias 3
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Em França, monumentos como a Torre Eiffel foram encerrados
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Em Itália, há militares a transporta­r caixões e a manter a ordem
2 Em França, monumentos como a Torre Eiffel foram encerrados 3 Em Itália, há militares a transporta­r caixões e a manter a ordem

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