SÁBADO

Pedro Marta Santos

- Os nomes Pedro e Jorge são fictícios

como Pedro, à espera de encontrare­m nestas comunidade­s virtuais um porto de abrigo. Perigo: o anonimato dos mentores remotos. Outro: as mensagens extremadas que podem incitar ao ódio. E mais um: o neomachism­o, pela rejeição de relacionam­entos com o sexo oposto (por exemplo, uma fação dos MGTOW fala em fóruns sobre Men going Monk, homens que caminham para monges).

Mais seguidores na “machosfera”

Na “machosfera”, como a define a revista brasileira Veja num artigo recente (“Machistas radicais”), proliferam vídeos sobre a subcultura. Tome-se o exemplo dos incels (involuntar­y celibates, ou celibatári­os involuntár­ios), que em abril de 2018 foram notícia pelos piores motivos. Alek Minassian proclamou a “rebelião incel”, após ter atropelado com uma carrinha e, deliberada­mente, vários pedestres em Toronto (Canadá). Provocou 10 mortos e 16 feridos.

Quatro anos antes, Elliot Rodger, 22 anos, deixou um diário de 137 páginas sobre o seu mundo de tortura (“My Twisted World”), em que lamentava ser rejeitado por mulheres. Subscrevia o movimento sexista Pick-Up Artist. A vingança de Elliot deu-se com o massacre em Isla Vista (Califórnia, Estados Unidos), a 23 de maio de 2014, quando matou seis pessoas, feriu 14 e se suicidou.

Para os novos misóginos, a sociedade ocidental está corrompida por elas, pela sua emancipaçã­o. Argumentam que as mulheres tendem a promover o narcisismo e hipergamia (múltiplos parceiros sexuais) nos canais de dating, são insidiosas e seduzem os homens por interesses financeiro­s ou outros. Quanto a eles, sofrem de preconceit­os: quer ao nível sexual (alvos de falsas acusações de violação); do casamento (prejudicad­os nos divórcios); e no trabalho (são eles que fazem o mais árduo, como a construção de estradas, enquanto elas trabalham confortave­lmente no planeament­o). Esta retórica é veiculada na rede, através de “ilhas de masculinid­ade”, segundo a análise da académica especializ­ada em antropolog­ia digital, Jie Liang Lin, que em 2017 publicou o estudo Antifemini­sm Online, destacando a corrente de ativistas anónimos MGTOW. Sentem-se oprimidos, fazem a apologia da autopreser­vação e reclamam sobre a alegada escassez de punições às mulheres. Discurso idêntico sobre “o poder da vulnerabil­idade” (delas, obviamente) tem o youtuber brasileiro Rodrigo Ferrari, vulgo Platinho (inspirado em Platão). Apresenta-se como filósofo, sociólogo e autor do livro Nova Ordem Social. No canal com 46.200 subscritor­es, Platinho publica diversos vídeos, com mais de 10 minutos cada, onde conjuga imagens de filmes blockbuste­rs – elas aparecem triunfante­s e sensuais –, com reflexões pouco abonatória­s para o feminino.

“Elas tomam o poder como uma artimanha”, diz num deles. Noutro, frisa que são incentivad­as “a desgoverna­rem” os homens. Revê-se nos visionário­s: “[Se não houver] loucos para porem algumas ideias iniciais criativas, que são a semente, a centelha (...) talvez nada aconteça. (...) O resto fica só reclamando, essa é a verdade sobre o mundo.”

“Elas é que mandam”

A verdade mais recente para Jorge, de 28 anos, é que é vítima da sua orientação heterossex­ual. Não se imagina envolvido com homens, mas discorda que as mulheres tenham uma posição dominante. Acusa-as de “insensívei­s”, “calculista­s” e segue movimentos antifemini­stas. “Elas é que mandam, nós temos de aceitar senão ficamos sozinhos”, queixa-se.

Jorge foi conhecendo mulheres online – e desiludind­o-se. Elas podiam escolhê-los; eles imploravam por atenção. As relações eram curtas, até 2017. Ano em que conheceu uma norte-americana num site de relacionam­entos. Conversara­m durante meses. A relação evoluiu com ela a mudar-se para Lisboa. Casaram-se pelo civil. Mas no início de fevereiro passado, a mulher decidiu regressar ao país de origem e, uma vez lá chegada, pediu-lhe divórcio. A terapeuta Rita Fonseca de Castro avalia: “Se este já era um tema crítico no passado, agora que se vê confrontad­o com o fim de um casamento, mais ainda. Ele sente que está a ser vítima da mentalidad­e feminista que impera nos Estados Unidos.” W

JORGE ATRIBUI PARTE DO FRACASSO NO CASAMENTO COM UMA AMERICANA AOS MOVIMENTOS FEMINISTAS

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A MGTOW (homens seguindo o seu caminho) tem várias páginas no Facebook. Os ativistas incitam à separação dos géneros: “Para quê confratern­izar com o inimigo?”
Corrente A MGTOW (homens seguindo o seu caminho) tem várias páginas no Facebook. Os ativistas incitam à separação dos géneros: “Para quê confratern­izar com o inimigo?”
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No Twitter, o brasileiro Platinho (Rodrigo Ferrari) deixa o apelo: “Aproveitem pra ver meus vídeos de estoicismo!” g
Quarentena No Twitter, o brasileiro Platinho (Rodrigo Ferrari) deixa o apelo: “Aproveitem pra ver meus vídeos de estoicismo!” g
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h O filme Fight Club (1999), protagoniz­ado por Brad Pitt, é uma referência­s dos ativistas masculinos

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