Ângela Marques
Tinha-me mudado há dois minutos quando percebi: vivendo longe do centro da cidade, ia finalmente escapar aos atropelos dos turistas; vivendo mais perto do aeroporto ia partilhar casa com voos rasantes cheios deles. Em dois dias, habituei-me. Antes acima de mim que em cima de mim, não é assim?
Esta semana, o tráfego aéreo que tem sido meu companheiro de casa mal apareceu. Tive vontade de lhe atirar uma daquelas chantagens emocionais à mãe (“Achas que isto é um hotel? Entras e sais quando queres?”), mas na verdade prefiro assim. É que os turistas andavam a irritar-me.
Descobri há muito que o nosso QI diminui muito quando somos turistas. Assim que passamos a fronteira ficamos tolos. Se formos inteligentes, não vem daí grande mal ao mundo (127 fotografias de prédios perfeitamente banais no telemóvel, uma ou outra apropriação cultural, problemas intestinais e/ou com a justiça local e é tudo); agora, se já não formos muito espertos… pode ser um cataclismo.
Vejamos os turistas que andaram por Portugal nestes dias. Quando confrontados por jornalistas que lhes perguntavam se não estaria na hora de regressarem a casa – naquele espírito de isolamento a que uma pandemia convida –, eles pediram selfies, ofereceram perdigotos e ainda proferiram declarações como “Portugal é um País seguro”.
Atónitos, os jornalistas continuaram à procura de dar notícias. Eufóricos, os turistas apanharam um tuk-tuk e seguiram para os Jerónimos. Do meu sofá, não os julguei – porque, lá está, eu já aceitei que viajar mexe com o nosso quoficiente de inteligência. Custa-me mais, contudo, não julgar os outros – os que, não sendo turistas a andar pelo mundo, parecem turistas a andar pela vida.
Esses parecem-me mais perigosos. Dá-me medo que achem que está tudo bem quando um vírus “só mata velhinhos”, que “é só um café”, que “é só uma futebolada com os amigos”, que “é só um aperto de mão e um abraço, que mal pode fazer?”. Dá-me medo que eles não saibam que, quando pensam assim, o mal está feito.
EUFÓRICOS, ELES APANHARAM UM TUK-TUK E SEGUIRAM PARA OS JERÓNIMOS [FOI NO TEMPO EM QUE AINDA HAVIA JERÓNIMOS]